FRONTEIRAS E NAÇÕES
Lá compareci na Faculdade de Letras da UL - estupendo edifício escolar salazarino (o tal período em que "nada de bom aconteceu ") que eu não conhecia - em obediência ao convite para participar na sessão comemorativa do 150 anos do TRATADO DOS LIMITES ENTRE PORTUGAL E ESPANHA DE 1864. Ouvi vários oradores que relataram as suas descobertas históricas em matéria fronteiriça, entre eles, o Prof. Doutor Hermenegildo Fernandes, Director do Centro de História da dita Faculdade, o qual, embora falando sobre um período histórico anterior ao Tratado, disse algo que me pareceu altamente esclarecedor. Segundo ele, um dos critérios a que obedeceu o traçado da fronteira estabelecido no Tratado de Badajoz de 16 de Fevereiro de 1267, celebrado pelos Reis de Portugal e de Leão (Espanha ainda não tinha sido inventada), e que definiu quase toda a fronteira como ele se encontra hoje, foi o respeito pelos marcos dos castelos dos senhores feudais suseranos de um e outro Rei e os termos das dioceses criadas pela Igreja, ou seja, o respeito pela autoridade estabelecida. Aqui temos o uti possidetis característico da ordem pontifícia, a Pax Christiana, na sua pura forma. (Em termos correntes, o princípio estabelecia que "já que conseguiste estabelecer aí o teu domínio, fica teu e a ti cabe manter aí a ordem").
E isto ajuda a compreender mais um dilema histórico do tipo ovo/galinha. No caso, trata-se de saber se foi a nação que fez a fronteira ou foi a fronteira que fez a nação.
Temos vários exemplos históricos. A nação judaica sobreviveu apesar da perda do território e suas fronteiras (a religião unia-os); os Vikings escandinavos já eram nação muito antes de fixarem fronteiras (o frio e o sangue unia-os), mas na Península ibérica (mais ainda do que no resto da Europa) antes da fronteira de Badajoz, a população compunha-se de uma salada de etnias e religiões. O que aqui fez a nação, o que nos deu homogeneidade e nos fez diferente dos espanhóis foi a fronteira, ou seja, o rei, seus suseranos e bispos e a religião destes. Antecipamos de quatro séculos o princípio Cujus regio, ejus religio, que viria a ser adoptado em Westefália, (início da paz laica) e isso permitiu-nos sossego interno enquanto os outros entre si se digladiavam.
Somos pois o produto de um processo top-down, (imposto de cima para baixo). E nos processos top-down, quando o topo fraqueja fica tudo estragado.
Luís Soares de Oliveira