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A bem da Nação

FÉNIX

 

 

A Fénix, vinda da Arábia, por magia,

Nos nossos bosques apareceu um dia:

Grande clamor entre a passarada.

Reunido o bando, com muito ardor,

Este resolve ir de abalada

Fazer-lhe a corte.

Cada qual a observa, a examina;

A sua plumagem, a sua voz,

O seu canto melodioso,

Tudo é beleza e graça divina,

Tudo é encantamento para o ouvido e o olhar.

Pela primeira vez, viu-se a inveja ceder

Ao desejo de louvar e amar

Tal formosura,

Tão espantoso vencedor.

O rouxinol dizia: «Jamais tanta doçura

Encantou a minha alma extasiada.”

“Nunca, dizia o pavão, tão belas cores

Tiveram este brilho que tanto causa admiração.

Ele deslumbra e atrai o meu olhar.”

Os outros, mesureiros,

Repetiam os louvores

Lisonjeiros.

Gabavam o privilégio único

Desta rainha das aves, filha do Céu,

Sem igual,

Que mesmo velha, numa pira

De cedro aromático

Se consome a si própria, e renasce imortal.

Durante todos estes discursos

Do trinado geral,

Só a rolinha, calada e triste,

Deu um suspiro profundo.

Com as asas empurrando-a, o seu esposo

Amistoso,

Pergunta-lhe a origem

Da sua meditação e tristeza:

“Desta feliz ave celestial

Desejarás tu a sorte?”

“Eu, meu amigo, ao contrário,

Lamento a valer,

O seu fadário

De única ser

Da sua espécie terreal.

 

Teria razão a rolinha

Em condenar a solidão

Da rainha,

Única da sua espécie,

Por infeliz dever ser?

Há sempre quem diga

Que mais vale viver sozinha

Do que mal acompanhada viver.

Mas é clara a fantasia

Nesta criação

Da humana geração

Que, inteligente e psicóloga,

De tudo cria um mito,

De tudo faz uma rábula

Na fábula que é a vida.

Mas este mito espantoso

Que Florian descreveu

Com sensibilidade,

Quando aplicado à Humanidade,

Deu-nos um Cancioneiro

Dos tempos do Barroco

 

- A “Fénix Renascida”

 

Que contém belezas maravilhosas

No retorcido formal e de conceito

Em que, se tudo é jogo e beleza e lucidez,

Tal criação resultou do muito desconcerto

Que sente o homem de pensamento

Perante o sentido da vida,

Sempre às avessas

De tudo o que se sonhou

Ou desejou.

Mas a beleza ficou eternizada,

Bem rebuscada

Em ondas contínuas de imagens primárias

Que se desfazem em imagens contrárias

Nos dois sonetos do mesmo poeta,

- Entre outros do nosso Cancioneiro :

 

“Fénix Renascida”.

Não teve razão, pois, a rolinha terna

Da fábula de Florian,

Quando a solidão é aplicada

À arte eterna:

Dois sonetos

De Francisco de Vasconcelos (1665-1723),

FÉNIX RENASCIDA III:

 

«À morte de F»:

Esse jasmim que arminhos desacata,
Essa aurora que nácares aviva,
Essa fonte que aljôfares deriva,
Essa rosa que púrpuras desata;

Troca em cinza voraz lustrosa prata,
Brota em pranto cruel púrpura viva,
Profana em turvo pez prata nativa,
Muda em luto infeliz tersa escarlata.

Jasmim na alvura foi, na luz Aurora,
Fonte na graça, rosa no atributo,
Essa heróica deidade que em luz repousa.

Porém fora melhor que assim não fora,
Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,
Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.

 

«À fragilidade da vida»

 

Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em Vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

 

Quanta beleza, pois,

E maturidade

Nestes exemplares únicos sobre a Verdade

Da condição humana de Beleza e Dor!

E quantos mais há

Únicos e imortais

Quedando firmes no seu pedestal

De fulgor,

Fénix renascendo em alta voz

No prazer e admiração de cada um de nós!

 

 Berta Brás

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