FELIZMENTE, HÁ FUTURO
Sob o culto do consumismo de bens, serviços e notícias, colhe perguntar se haverá ou não lugar para valores intelectuais na perspectiva de conceitos, teorias, princípios éticos e morais.
Mais concretamente, a questão está em saber qual é o lugar dos valores superiores num mundo de factos e como podem aqueles entrar neste mundo primário.
Poucos são os homens de Ciência que escrevem sobre valores porque a grande maioria considera que essa é uma conversa que não passa de mero palavreado. Contudo, os valores emergem juntamente com os problemas e frequentemente estes dizem respeito a factos.
Assim, imaginemos que alguém está a resolver um problema (mesmo sem grande consciência de que o está a fazer) e imaginemos também que um outro problema tenha sido identificado e resolvido, que a resolução tenha sido testada pelo contraditório e que daí tenha nascido uma doutrina. No primeiro caso, apenas a nossa percepção de que a pessoa está com um problema pertence ao mundo intelectual; no segundo caso é o próprio problema e respectiva resolução que pertencem ao mundo da intelectualidade.
O mesmo se passa com os valores: uma coisa, uma ideia, uma teoria ou uma abordagem podem ser admitidas como válidas para ajudar a resolver um problema mas só passam a pertencer ao mundo intelectual se forem submetidas à discussão, à crítica. Antes disso pertencem muito provavelmente apenas à esfera do empirismo.
O mundo mais primitivo, desprovido de vida, não tinha problemas e, como tal, não tinha valores porque os problemas entram no mundo pela mão da vida e não exclusivamente pela da consciência. Daqui resultam dois tipos de valores: os criados pela vida, pelos problemas inconscientes tais como os do reino vegetal; os criados pela mente humana com base em soluções anteriores na tentativa de resolver problemas. É este último tipo de questões – formadas pelo conjunto de problemas historicamente originados em factos, inerentes soluções, críticas para o despiste de erros, teorias globalizantes e valores consequentes – que dá forma ao mundo da intelectualidade.
O mundo dos valores transcende, pois, o mundo sem valores e meramente factual, o mundo dos factos brutos.
O drama está quando se disfarça de intelectualidade a mera discussão de factos e, mais gravemente, de pessoas.
Eis a imensidão do que fica por fazer entre o primarismo factual e a elevação dos valores. O que nos vale é que o futuro existe.
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
KARL POPPER – BUSCA INACABADA, AUTOBIOGRAFIA INTELECTUAL - Esfera do Caos Editores, 1ª edição, Fevereiro de 2008, pág. 268 e seg.