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A bem da Nação

EPIFANIA JOYCEANA

 

ou

SINAIS EXTERIORES DE RELIGIÃO

 

 

Foi James Joyce que me chamou a atenção para a beleza de tentarmos captar a essência dos locais, aquilo a que ele chamava a «epifania dos locais» e eu passei a chamar a «epifania joyceana».

Para tal, sem transcendências, há que lhes conhecer a história, saber minimamente o que por ali se passou e, depois, no local propriamente dito, imaginar os cenários envolventes desses acontecimentos. Poeticamente, há que ler a história que as pedras tenham para nos contar.

E é isso que faço amiúde nos locais mais vulgares assim como noutros, menos banais. Sem ensaios de mediunidade, imagino as cenas que se passaram em gerações anteriores nos locais que habito ou nas ruas que me são frequentes mas em lugares especiais não deixo de me sensibilizar por figuras especiais. Por exemplo, na minha rota dos Apóstolos.

O Apóstolo S. Tiago Menor, também conhecido por S. Jaime, dito irmão de Cristo (ou em Cristo?), foi o primeiro Bispo de Jerusalém e teve que negociar a nova Doutrina com os prosélitos do Antigo Testamento. Isso deu-lhe uma firmeza doutrinal que os sacerdotes do Templo não estavam preparados para encarar com bonomia e, incitadas as massas, foi S. Jaime atirado do topo das muralhas de Jerusalém despedaçando-se no local em que os homens de boa vontade lhe fizeram o túmulo.

Desconheço que provas arqueológicas existam que confirmem o local como o do túmulo do Apóstolo mas não me preocupei com a hipótese de reescrever a História e foi ali mesmo que imaginei S. Jaime, a sua vivência mais diplomático-turbulenta e imaginei, invocando-o mentalmente, na fase de transição para a vida eterna naquele mesmo lajedo. Não senti que o Apóstolo me enviasse alguma bênção pessoal mas senti-me bem só de o imaginar.

A minha primeira relação geográfica com S. Paulo foi na gruta a que ele se terá recolhido após o naufrágio em Malta mas a quantidade de visitantes e a estreiteza do local não foram propícios a qualquer invocação. Deixei passar… e fui encontrar-me com ele em Éfeso, no teatro romano em que ele se dirigiu aos gentios e em que lhes terá dito que «se Cristo não ressuscitou, então a nossa fé é vã».

Não sei ao certo se foi isso que ele começou por dizer ali e que depois repetiu na segunda carta aos romanos (ou aos efesos?) mas foi dessa passagem que me lembrei quando pisei a laje central do palco do teatro, precisamente a mesma (espero bem que aquela mesma e não outra que os arqueólogos lá tenham posto entretanto) sobre a qual ele falou. Também ali não senti nenhuma bênção especial mas senti-me bem apesar de a minha relação com S. Paulo nem sempre ser tão pacífica como eu gostaria. Mas isso fica para outro escrito.

Deixei passar uns tempos – e uns templos – e fui ao Sul da Índia, ao Estado do Tamil Nadu.

Madurai, onde foi martirizado S. João de Brito cuja igreja não estava na rota da agência de viagens. Duvido mesmo que os agentes turísticos portugueses saibam da existência daquele nosso mártire e que assim passem em falso não só uma parte importante da História da Igreja na Índia como também da própria História de Portugal. Mas quem sou eu para me estar a meter na vida de quem sabe tudo, os agentes de viagens?

 

Mas um pouco mais a Norte, a sete horas de autocarro, em Meliapor, a Basílica do Apóstolo S. Tomé, sim, estava na rota turística.

Começo por dizer que os ingleses chamam Tomás a Tomé daí gerando uma confusão histórica medonha entre o Apóstolo e o Santo que viveu mais de não sei quantos séculos depois. Qualquer minudencia histórica como uma diferença de 12 séculos. Só!

Mas eu não os confundi e sabia muito bem na presença de quem estava, na do Apóstolo S. Tomé, o do «ver para crer». E visitei a sua capela no subsolo da actual basílica. Apesar duma breve invocação, também não senti receber alguma benesse especial mas senti-me bem. O mais sensível, foi, contudo, à saída da capela quando por acaso me virei para uma determinada parede e reparei numa lápide onde se informava os leitores da dita cuja que aquela capela fora reaberta ao público uns quantos anos antes (poucos, pareceu-me então) numa cerimónia presidida por um hierarca – Bispo ou Arcebispo – da Igreja Portuguesa cujo nome entretanto esqueci.

E logo voltei a invocar o Apóstolo para que a Igreja Indiana retome em Goa, em Damão, em Diu, em Chennai, em Baçaim e mais não sei onde uma celebração eucarística semanal em língua português para reaproximar os fiéis da sua Igreja estaminal. Mas como o Apóstolo não me enviou qualquer mensagem de volta, peço agora aqui a algum responsável indiano pela fé católica industânica que não se esqueça de que fomos nós, portugueses, que lhes levámos a sua fé e não os anglófonos em que actualmente celebram.

Todas estas histórias são muito primárias ou mesmo nulas em relação ao misticismo e mais não são do que os meus sinais exteriores de religião. Mas eu gosto deles.

Felizes aqueles que têm uma fé.

Maio de 2019

Henrique Salles da Fonseca

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