ELA AÍ ESTÁ, A VACINA
ou
O VALOR DO DINHEIRO
Nas autocracias, o dinheiro vale o que é determinado por Decreto; nas democracias, o dinheiro vale tanto ou tão pouco quanto as pessoas acreditem mais ou menos nele.
Mas não só…
A política de emissão monetária, a política de taxas de juro, a política orçamental, eis alguns dos instrumentos ao dispor dos políticos que influenciam directamente o valor do dinheiro. De um modo algo simplista e grosseiro, quanto maior a emissão monetária, mais a tendência para a desvalorização se faz sentir; quanto mais altas as taxas de juro, maior a tendência para a valorização; quanto mais deficitárias forem as contas públicas (política orçamental), maior a tendência para a desvalorização.
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Covidado o mundo, instalado o caos económico e elevada a mortalidade das gentes para níveis absurdos, todos esgotámos as preces e só nos resta a esperança na eficácia das vacinas anunciadas. E, umas mais cedo e outras logo depois, aí vêm elas… Aleluia!
Mas a crise económica devastadora em que nos encontramos é… economicamente absurda. Sim, esta crise foi gerada por um elemento exógeno a todas as políticas económicas e financeiras em curso em toda e qualquer parte do mundo antes da entrada em jogo desse elemento exógeno, o vírus. Ou seja, uma vez dominado (extinto, de preferência) esse elemento estranho, tudo tenderá a retomar o que estava em funcionamento antes da hecatombe. Assim sendo, esperemos por uma explosão das taxas de recuperação económica. Admito mesmo que essa explosão começará ainda antes da vacinação global da Humanidade e que não tardarão tensões típicas de variações bruscas.
As variações bruscas ocorrerão sobretudo no investimento para repor em funcionamento as empresas que hibernaram durante a crise e no consumo das famílias de todos os desempregados ou «layoffados» que regressam ao trabalho. Os juros dos empréstimos tenderão a subir, o nível de preços dos bens de consumo corrente tenderá a subir. Excluindo o drama das empresas que morreram por não terem sido atempadamente socorridas, as que hibernaram e sobreviveram foram aguentadas por fundos próprios e por alheios, nomeadamente por subsídios a fundo perdido, subsídios reembolsáveis e endividamento puro e simples.
A ironia do presente texto está no alerta para o que se vai seguir à presente situação de enorme dramatismo com o flagelo da morte empresarial, a acumulação de créditos incobráveis, o desemprego em níveis seguramente muito superiores ao que os números oficiais referem, com o «Banco Alimentar Contra a Fome» a fazer notícias nos telejornais… e venho eu aqui tratar das tensões geradas pelo desenvolvimento brusco.
Mas a crise só será eterna para quem morrer antes de ela acabar e uma vez vislumbrada a luz ao fundo do túnel, a vida retomará o seu curso… com défices públicos exorbitantes e com uma massa monetária extravagante em resultado da emissão «à la diable» sobretudo para os tais subsídios a fundo perdido. E essa extravagância ou é rapidamente reabsorvida ou corre-se o risco de ela provocar um tsunami inflacionista a nível mundial.
A questão é agora a de saber como se fará essa reabsorção. Pela via fiscal? Mas as famílias e as empresas ainda mal despertaram de regresso à vida e já o Fisco lhes bate à porta com carga acrescida? Solução de muito difícil digestão.
E o que se passará com os exorbitantes défices públicos? Alguém os há-de financiar mas as taxas de juro subirão a níveis há muito esquecidos no primeiro mundo. A menos que a Senhora Lagarde faça das tripas coração e puxe as taxas para baixo como fez o seu antecessor, nomeadamente metendo o BCE nos mercados primários e recorrendo às quantitative easies. Tudo, mantendo o Euro sustentadamente forte, herdeiro do Deutshe Mark federal para que as pessoas possam continuar a acreditar nele. Aliás, não por patriotismo monetário mas apenas porque as desvalorizações apenas servem para encobrir problemas de competitividade.
Conclusão: depois da crise pandémica, resta-nos a austeridade global ou as vagas sucessivas de tsunamis inflacionistas, o descalabro globalizado da qualidade de vida. E isso não augura nada de bom para a paz mundial.
Votos de boa vacinação.
Dezembro de 2020
Henrique Salles da Fonseca