DOS PREÇOS - 2
Xipamanine era uma praça na periferia urbana de Lourenço Marques. Era ali a fronteira entre a cidade de cimento e o caniço, teria sido um mercado municipal, mas os autarcas devem ter percebido que era mais importante dar largas à economia informal do que espartilhá-la em ridículas, entorpecedoras e quiçá revoltantes licenças e taxas de importância nula na tesouraria municipal. Desde toda a variedade de produtos oriundos das maxambas (hortas) circundantes da cidade às especiarias de paladares e aromas exóticos ali trazidos pelos indianos que também vendiam linha de coser a metro e negociavam em câmbios, aquele era o local que todos tínhamos de visitar se queríamos começar a conhecer Moçambique. Não me lembro de ouvir referências a problemas de segurança: na generalidade, o moçambicano é civilizado.
Em Xipamanine reinava a economia informal, aquela não era uma «feira da ladra» nem «Roque Santeiro»onde girassam produtos roubados. Ali, sim, vigoravam os preços verdadeiros, formados sem taxas ou subsídios nem influenciados por «fake news». Mas, como na generalidade dos mercados primitivos, quem tudo definia era a oferta e, mesmo assim, sem orquestração.
Era assim até há 50 anos. Espero que assim continue porque a cidade de Maputo tem tido à sua frente esse verdadeiro sábio que é Eneias Dias Comiche, economista que honra a Universidade do Porto.
Na sua rude dimensão física, a confusão quântica dos mercados primitivos é sinónima de caos e, contudo, foi a partir deles que emergiu a economia livre, ou seja, aquela em que livremente se encontram a oferta e a procura. E aí está ela, a grande diferença entre o primitivismo e a modernidade, a transparência no método de formação dos preços.
Diz-se que um mercado é transparente quando nele se confrontam a oferta e a procura em total liberdade, os agentes actuam sob anonimato e todos os lances são do conhecimento púbico.
A nossa antiquíssima tradição mercantil levou-nos ao baptismo dos dias da semana com a numeração das feiras que, no entanto, se fossilizaram sob o mando da procura com total desprezo pela oferta. Creio que é nesta realidade que assenta parte substancial da inércia secular ao nosso desenvolvimento.
(continua)
Fevereiro de 2023
Henrique Salles da Fonseca