« DO MEU LOROSAE" - 4
Entre a sala de jantar da Senhora Yasmin, em Constantinopla e a sala de estar do Senhor Iussuf, em Kalzedónia, à distância de um olho nu, passa a esperança dos da fome no mundo e eu pergunto-me se é sensato deixarmos que os grandes problemas mundiais dependam de um qualquer problema urbano de Istambul. E que acontecerá se, num ataque de mau feitio, o actual Pasha mandar entupir os Dardanelos ali afundando uns quantos ferro-velhos?
Sim, o cenário é de evidente fragilidade e todo aquele equilíbrio está colada com cuspo. Ou seja, tudo aquilo depende dos humores de alguns autocratas mais ou menos belicosos – e há-os por ali muito irritadiços. O cenário agrava-se substancialmente quando a frota militar russa, sedeada em Sebastopol, está também ela, afinal, encurralada num mar interior cujo acesso aos mares altos se faz por um caneiro entre a sala de jantar da Senhora Yasmin e o varandim do Senhor Iussuf. E se o Czar decide fazer aqui o que está a fazer na Ucrânia? E, já que então estará com a mão na massa, lá irão os Dardanelos e mais o se lhe opuser…
Daqui resulta a necessidade imperiosa de se alterar o cenário actual. E já que a geografia é imutável, seria da maior conveniência substituir a autocracia pela democracia sem ofender os Valores Pátrios de ninguém mas introduzindo o diálogo como instrumento de uso permanente.
E quanto ao aprovisionamento mundial de cereais, duas hipóteses se devem colocar: manutenção das actuais grandes fontes de abastecimento – Ucrânia e Rússia ou escolha de fontes alternativas.
Prevalecendo os actuais grandes fornecedores, a Rússia que continue a usar a via do caneiro de Madame Yasmin mas aos cereais ucranianos dever-se-ia criar uma via alternativa ferroviária de grande porte com destino, por exemplo, a Trieste.
Optando pela criação de fontes alternativas de abastecimento, recordemos a hipótese sahariana que acumularia as formidáveis vantagens de amenização climática e de melhoria das condições de vida de toda zona norte africana. Não será por falta de energia solar nem eólica que a ideia chumbara para a irrigação do Sahara por água dessalinizada.
E o trapézio mundial dos cereais deixaria de estar suspenso em frágeis filamentos.
E o que é isso da «ferrovia de grande porte»? Não sei exactamente mas os engenheiros devem saber. É para isso que eles são engenheiros.
Agosto de 2022
Henrique Salles da Fonseca