DO DESENVOLVIMENTO - 3
É dos compêndios que o sector primário (agricultura e pescas) é o motor do resto da economia. Sim, pois… desde que a agricultura e as pescas funcionem correctamente e esse não é o caso em Portugal.
Historicamente, a agricultura funcionava quase exclusivamente em autoconsumo por e para uma população analfabeta; seguiu-se o enquadramento pelos famosos Organismos de Coordenação Económica[i][ii] a que se juntava a Federação Nacional dos Produtores de Trigo que, não sendo propriamente um OCE, como tal actuava. E, de modo muito abreviado, essa actuação consistia em garantir preços de intervenção à produção (os preços por que os OCE compravam em épocas de excesso que ameaçassem quebras abruptas dos preços e do rendimento do produtor, armazenamento e fornecimento ao mercado em épocas de escassez de modo a que os preços não subissem com prejuízo do consumidor.
Com o desmantelamento das estruturas económicas do Estado Novo, desapareceram os OCE e a FNPT foi transformada na EPAC. Rapidamente também esta desapareceu para que o mercado tudo determinasse. E o mercado determinou que a Portugal compete sobretudo ser destino de produtos estrangeiros ficando alguma produção nacional a regular-se por preços que nada têm a ver connosco. Ou seja, prevalecem os subsídios comunitários e os preços determinados pela Bolsa de Chicago. A quem, mesmo assim, consegue sobreviver, depara-se-lhe um mercado dominado por um fortíssimo oligopsónio que directa ou indirectamente (através do sector industrial dos agrícolas transformados) que tudo condiciona e que se atreve mesmo a estabelecer paralelos com preços chineses[iii]. Ou seja, a produção agro-pecuária nacional está condicionada por parâmetros alheios aos nossos condicionalismos e não tem qualquer participação na definição dos preços. Conclusão: a produção primária nacional serve os interesses alheios e, se o não fizer, morre.
E tem que ser assim? Não creio e pasmo como é possível haver ao longo dos anos hordas de políticos a passar pelo Ministério da Agricultura e nada fazerem para obstar a esse pesadelo. Igualmente estranho que nas organizações representativas da agricultura todos os responsáveis se tenham dado por vencidos e, não estudando alternativas, se quedem submissos à má sorte que lhes coube. E, contudo, a solução existe e está experimentada desde a Idade Média: são as Bolsas de Mercadorias.
De um modo muito simplificado, as Bolsas de Mercadorias são locais (reais ou virtuais) onde a oferta e a procura se apresentam perante um agente (Corrector) que recebe as intenções de venda e de compra num determinado prazo futuro de produtos cotados nessa Bolsa (devidamente tipificados e em unidades pré definidas). Havendo acordo na cotação, na quantidade e no prazo, faz-se o contrato num documento (real ou virtual) que é endossável e descontável. Assim acontece que só há sementeira e produto no futuro se a cotação foi interessante para ambas as partes intervenientyes. Se a cotação não interessou à oferta, por exemplo, a sementeira não se faz, a ameaça de escassez do produto faz aumentar a cotação e a operação tende a realizar-se. E vice-versa do lado da procura. Ou seja, o risco passa a distribuir-se equitativamente entre a oferta e a procura em vez de, como actualmente, se concentrar sobre a oferta. Só assim se pode gerir a produção em vez de, como actualmente, a oferta «navegar às escuras e sem radar».
No caso das pescas, com o anacrónico leilão descendente, o cambão da procura é fácil e o risco concentra-se totalmente na oferta. Normalizando o leilão (para ascendente), o risco passa a distribuir-se equitativamente entre todos os agentes presentes na lota pois a procura deixa de conseguir tão facilmente orquestrar-se uma vez que cada agente comprador passa a ser concorrente de todos os seus «colegas».
Então, por que se espera? Espera-se por alguém no topo do Ministério da Agricultura e Pescas que saiba algo mais do que gerir subsídios. E quando isso acontecer, talvez Portugal passe a produzir o que come. Até lá, peçamos ajuda ao FMI e quejandos benfeitores dos esmoleres.
(continua)
Dezembro de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Junta Nacional do Vinho, Junta Nacional das Frutas, Junta Nacional dos Produtos Pecuários, Junta Nacional do Azeite e Produtos Oleaginosos
[ii] - Para além dos OCE referidos na nota anterior, também existiam a Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau e a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos. Para o controle de qualidade, havia também o Instituto Português das Conservas de Peixe.
[iii] - Obviamente, não nos produtos agrícolas mas sim nos industriais.