DIÁLOGOS DISTANTES
Ela (noutro continente) – A Europa está a tornar-se um lugar mau.
Eu (em Portugal) – E porquê?
Ela – Por causa dos jihadistas.
Eu – Sim, concordo. Mas por que é que há jihadistas na Europa?
Ela – Porque as fronteiras estão abertas.
Eu – E por que é que as fronteiras estão abertas?
Ela – Porque a Europa tem a mania de ser um espaço onde todos cabem.
Eu – Então, se é lugar de acolhimento para todos, por que razão é um lugar mau?
Ela – Porque um lugar onde há de tudo torna-se incaracterístico, sem coesão, corre o risco de perder a sua própria Civilização ou desta deixar de ser predominante.
Eu – E acha que deixa de ser civilizado?
Ela – Sim, passa a ser de tudo e de todos e deixa de ter uma Civilização. Como dizem os brasileiros, passa a ser uma bagunça. É essa bagunça que faz da Europa um lugar mau por passar a ser perigoso.
Eu – Mas os que vêem de fora são uma minoria comparados com os europeus indígenas.
Ela – Mas já há muitos europeus indígenas descendentes de imigrantes que têm outros parâmetros civilizacionais. A Civilização Ocidental está a deixar-se abafar por outros. E isso é um perigo para ela própria. E não me fale na coesão das religiões abrahâmicas porque essa coesão não existe pura e simplesmente. Se actualmente as relações entre o judaísmo e o cristianismo estão bem, veja o que acontece com os muçulmanos...
Eu – Os muçulmanos sunitas não têm um clero hierarquizado, responsável pela exegese dos textos sagrados. Não se consegue falar com quem os represente globalmente porque esse alguém não existe. Com os judeus pode-se falar e também com os muçulmanos xiitas porque têm as respectivas hierarquias que fazem a exegese dos textos e definem uma doutrina. Os sunitas não têm nada disso e é cada imã por si próprio. Se há imãs cultos, outros há que são boçais e outros até que são verdadeiros terroristas. E o mais grave é que não têm quem os ponha na ordem. Portanto, não podemos pôr todos os muçulmanos no mesmo saco. Os xiitas e os sunitas nada têm a ver uns com os outros e até andam à bulha.
Ela – Então, dá-me razão quando digo que a Europa está em perigo de se transformar num saco de gatos assanhados, um sítio perigoso, mau.
Eu – Sim, mas acho que há muito que fazer antes de se alinhar pelo diapasão do Front National da Marine Le Pen e outros Partidos quejandos.
Ela – Pois olhe que se eu fosse francesa já estaria a votar nela.
Eu – Eu não. Acho que temos urgentemente que reabilitar a ética e combater o hedonismo, o facilitismo e a demagogia. Depois...
Ela – ... e depois lá dirão que se acaba com a democracia.
Eu – A democracia – como ela vem sendo interpretada – tem que evoluir de modo a que não haja mais situações como estas que aconteceram em Portugal e vão acontecer amanhã ou depois em Espanha em que os ganhadores perdem e em que os perdedores ganham. A própria Alemanha, tão sorumbática, tem agora um Governo híbrido de ganhadores e perdedores que lhe dilui as políticas e acaba por dar mostras de incerteza. É o caso da deriva em que andam por lá com os refugiados em que uns dizem assim e os outros dizem assado tudo resultando numa incerteza que ninguém entende.
Ela – Creio que a Europa vai ter que se deixar de tantos punhos de renda.
Eu – Vejo a evolução europeia mais no sentido americano do que no de Le Pen.
Ela – Uns Estados Unidos da Europa?
Eu – Não, abrenúncio! Cada Estado europeu a inspirar-se no modelo americano para a revisão da respectiva Constituição. Mais: com as actuais regras constitucionais, estou mesmo a ver que nem sequer o Espaço Schengen se aguenta quanto mais uns Estados Unidos. Nem pensar!
Ela – Mas olhe que os europeus têm mesmo que enveredar por sistemas mais platónicos, por exemplo só dando o direito de voto a quem tenha cumprido o ensino obrigatório; têm que ser mais elitistas contrariando a actual propensão para a boçalidade.
Eu – E onde irá parar o mercado negro de diplomas? Sabe, esses temas são muito giros de abordar quando se vive noutro continente mas, na Europa, temo que esse tipo de discussões ainda não tenha perninhas para andar. A ver vamos...
Ela – Mas agora tenho que desligar porque a chamada está a ficar muito cara. Até amanhã, abraço.
Eu – Muito bem, até à próxima. Abraço.
Janeiro de 2016
Henrique Salles da Fonseca
(em Loutolim, Goa, Novembro de 2015)