DESENCANTADOS
Foi num cenário de exigência de igualdade, de construção duma sociedade sem classes, de reforma agrária, invasão de terras, de latifundiários em fuga ou resignando de vastas áreas e de uma geração de jovens que se consideravam na sombra social mas que agora estavam dispostos a conquistar um lugar ao Sol que os revolucionários perceberam que podiam levar por diante a sua obsessão de implantação do comunismo. Tinham à disposição jovens universitários ávidos da motivação que lhes proporcionaria a justiça social. Todos, em idades propícias à absorção de emoções e de grande inocência perante a «lavagem ao cérebro» que lhes era feita por marxistas «plantados a dedo» nas Associações de Estudantes das Universidades. O método foi o de não transmitir argumentação crítica mas sim pensamentos emotivos baseados em ideias simples e dogmáticas, essência do fanatismo.
Mas, afinal, os inocentes sabiam ler e não pertenciam a outra classe que não a da burguesia. Pequena, talvez, mas burguesia e não proletariado. E mesmo que tivessem origens proletárias, as suas ambições íntimas eram burguesas.
O desencanto foi o destino quando viram os seus ideais de liberdade e glória social atraiçoados pela realidade da ditadura do proletariado, pelas decisões «unânimes» dos Comités Centrais, pela vigilância dos controleiros, enfim, por algo que nada – mas absolutamente nada – tinha a ver com democracia.
E esse continua a ser o erro da esquerda dogmática, o de julgar que lida com proletários quando, na realidade, lida com burgueses que não se deixam manipular como boçais que efectivamente não são.
E onde encontrar essas massas proletárias ávidas da liberdade propagandeada quando a indústria foi desmantelada pelas exigências absurdas desses dogmáticos que entretanto regem a gerontocracia em que se deixaram cair? Esse é o vazio perante o qual os velhos esbarram e só não se desmobilizam porque não conhecem outra doutrina que não a da cartilha soviética. Para esses, é tardia a mudança e só o dogmatismo lhes sustém um pouco o desespero porque se pudessem pensar por si próprios, há muito que também eles para lá teriam resvalado de corpo inteiro.
Pois é, o século XXI ocidental não tem o dogma como paradigma e, pelo contrário, a sua juventude puxa pela cabeça ao enfrentar a invasão de outras civilizações – essas, sim, dogmáticas – para sobreviver mantendo os Valores da liberdade democrática e algum bem comum.
O desencanto da geração que nasceu nos 50 não foi suficiente para prevenir o embate civilizacional neste início do séc. XXI deixando a liderança a Partidos amolecidos que terão uma séria responsabilidade no que de mal nos acontecerá depois de todos estes desencantos se somarem. Mais do que uma sociedade acomodada, os invasores encontram uma sociedade liderada maioritariamente por Partidos contentes com a suavidade do politicamente correcto que construíram; todos liberais só divergindo nas congregações mais ou menos conhecidas, mais ou menos secretas em que os seus membros se integram, todos empenhados na divisão do bolo sem que o eleitor se aperceba claramente do que lhe sonegam.
Mas há sempre um limite pois não se pode enganar toda a gente durante todo o tempo.
E, das duas, uma: ou nos resta navegar de desencanto dogmático em desencanto de moleza se não tivermos a força das convicções profundas da liberdade democrática como a temos entendido no Ocidente desde a segunda guerra mundial ou então, resta-nos seguir a sugestão de Karl Popper que é, na consumação do desespero global, irmos todos para o Inferno.
Contudo, há mais um «mas» que é o de não nos deixarmos manipular nem nos deixarmos amolecer. E isso pode ser muito mau para quem nos tem manipulado e amolecido sob o título da governança pacífica e da continuidade dessa mesma governança. Pacífica ou podre? Eis a questão. Questão que horroriza a diplomacia do croquete perante quem fala grosso, mesmo que do nosso lado e tenha sotaque de Manhattan. Mais do que o conteúdo do discurso, o que mais horroriza a diplomacia côr-de-rosa é o tom. O que não isenta o Fulano de uma certa boçalidade. Mas não será o tempo de se usar um pouco dela perante a invasão sunita da Europa?
Julho de 2018
Henrique Salles da Fonseca