DALMÁCIA – 2
Never ever forget 93 – pequeno graffiti numa caixa de electricidade na rua que segue para além da ponte de Mostar. Vi-o por acaso mas, no regresso, voltei a vê-lo do lado de cá da ponte.
E se, de Mostar, não guardo nenhuma imagem da guerra, lembro-me nitidamente do horror que nessa época foi Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegovina.
Então, apesar de não ter sido nada comigo, também eu jamais esquecerei 93. Sim, pelas mesmas razões que os bósnios recordam mas, no meu caso, de modo apenas metafísico.
Mostar 1993
Não quero estabelecer paralelos sobre os locais em que a sanha de Milosevic se fez mais rude mas esse personagem foi, de facto, o maior responsável pela desintegração da Jugoslávia. Bem sei que não visitei a Sérvia e, portanto, tenho uma visão parcial da questão global mas nos três Estados que visitei (Croácia, Bósnia-Herzegovina e Montenegro), ouvi dizer bem e menos-bem de Tito mas em todos apenas ouvi dizer mal de Milosevic. Maldito projecto da «Grande Sérvia» que tanta desgraça semeou durante esse pandemónio que começou em 1991 para só acabar em 1995. É que, com Tito, não havia um Estado integrado na Jugoslávia que oficialmente se sobrepusesse aos demais enquanto que, com Milosevic, o projecto da «Grande Sérvia» não deixava quaisquer dúvidas sobre quem mandaria em alguém. E estes «alguém» não queriam passar de iguais a subalternos dos «quem». E como quem tudo quer, tudo perde, o projecto da «Grande Sérvia» chumbou e a Jugoslávia desintegrou-se.
Perguntada, a nossa guia croata fez uma comparação entre o durante e o depois de Tito (croata, também ele) que me encantou pela síntese: com Tito, não tínhamos quaisquer luxos e não podíamos dizer mal do Regime mas tínhamos emprego, a barriga praticamente cheia e a casa era quase gratuita; agora, somos todos livres, independentes e prósperos mas temos que puxar muito para nos aguentarmos no balanço. Foi já no seguimento da conversa que ela acrescentou o ensino e a saúde como gratuitos no antigamente. Uma vez que nada referiu quanto ao hoje, deduzo que actualmente possa haver “taxas moderadoras” e propinas escolares.
E então, quem é que «se aguenta no balanço»? Já lá iremos...
Janeiro de 2017
Henrique Salles da Fonseca
(Mostar, Bósnia-Herzegovina, 30DEZ16, frente a parede de fuzilamentos, para memória futura)