DA MENTE E DA PALAVRA
"l´pnguaA criança chora para expressar uma necessidade; grita para afirmar algo que não sabe expressar de outro modo; faz birra quando lhe recusam ou tardam na satisfação de um desejo. À medida que vai crescendo, por imitação e compreensão progressiva, vai juntando novas formas de expressão, as suas capacidades cognitivas vão crescendo do nível imitativo, do raciocínio empírico até que… se aposenta como cientista de renome. A menos que – por vontade própria ou alheia – tenha ficado pelo caminho.
Deixemos por momentos o grande cientista no seu recato de estudo e desçamos à rua.
E que ouvimos nós?
Por contraste com as subtilezas linguísticas do cientista que se refere ao passado por «foi, terá sido, poderia ter sido…», ao presente por «é, poderá ser…» e ao futuro «será, poderá vir a ser, talvez seja» e do iletrado ouviremos formas simplistas: de passado (foste), presente (és) e futuro (vais ser). E quanto mais elementar o nível de instrução, mais simplista a expressão até ao estágio da pronúncia deturpada e quase incompreensível.
Do cientista, ouviremos raciocínios especulativo-dedutivo-conclusivos; do iletrado, ouviremos observações empíricas e pouco mais.
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Primeira conclusão: - A subtileza linguística resulta da necessidade de expressão relativa a raciocínios elaborados; as formas simples da linguagem resultam da inexistência de raciocínios elaborados a expressar.
Segunda conclusão: - A mente determina a formulação da linguagem no sentido de que a palavra serve a mente; não existe aqui uma relação biunívoca.
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Mais ou menos elaboradamente, não nos exprimimos por geração espontânea, fazemo-lo segundo uma tradição etimológica a qual, em boa verdade, serve de poita a obstar a derivas e extravagâncias fónicas.
Quando, oficialmente, se corta a relação etimológica, a língua corre o grave risco da tal deriva errática e das influências fónicas. Se a esta deriva se juntar a moda telegráfica da simplificação sintática, teremos não a democratização da língua mas, sim, a sua boçalização.
Terceira conclusão: - É fundamental manter uma língua (a portuguesa, claro!) que sirva as necessidades da expressão erudita.
Julho de 2022
Henrique Salles da Fonseca