DA FRANCOFONIA
A FRONTEIRA DE WATERLOO
Ancien que sou do Charles Lepierre, posso dizer sem rude margem de erro que me nasceram os dentes na francofonia [i].
Entretanto, muita água passou por baixo das pontes que atravessei e a francofonia foi-se espaçando – sem nunca a esquecer, claro está.
Até que a serenidade me alcançou e pude enveredar por leituras que a vida activa não facilitava. Assim foi que, a propósito do grande tema «filosofia», dei comigo a pensar que França não tem há muito quem possa representá-la na cena do pensamento de vanguarda. Descartes, Voltaire, Montesquieu, Diderot, Pascal… já foram.
E dei comigo também a pensar na «fronteira de Waterloo» com isso significando a batalha a partir da qual França nunca mais se cansou de perder todas as quezílias militares em que se meteu e, daqui, ao drama de De Gaulle que não aceitou o nível menor a que a França foi relegada no concerto internacional das Nações, sobretudo a partir de 1945. Foi precisamente para este drama que Raymond Aron me alertou num dos últimos capítulos das suas «Memórias» e tem sido ele que – noutros capítulos da mesma obra – me vem “dizendo” coisas por que eu não esperava, nomeadamente que a filosofia francesa existe.
Mas, mesmo assim, tanto Brunschvicg (1869-1944) como Sartre (1905-1980) e ele próprio, Aron (1905-1983), já cá não estão e eu continuo a pensar que a Nação Francesa continua perturbada, sem a serenidade suficiente para produzir expoentes mundiais. E não são os gaullistas Mirage nem outras Forces de Frappe que lhe inspiram as massas humanas já entrecortadas por soluções de continuidade (prosaicamente, «rasgões») no tecido da solidariedade nacional que há quem tome por chauvinista, racista, isolacionista.
À falta dessa serenidade, as propostas de reposição da grandeur de la France podem surgir de cenários tão inesperados como foi o de Versailles ao provocar o aparecimento de Hitler.
Claro que ainda não notei que a fronteira de Waterloo se esteja a diluir (e não creio que o possa notar nos tempos mais próximos) mas prefiro acreditar que os expoentes mundiais franceses noutras áreas do conhecimento existam realmente. Eu é que não os conheço. Sim? Talvez. A ver se estudo um pouco mais…
E por que é que a Nação Francesa está perturbada? Bem, isso é outra coisa que me preocupa porque quando a França chocalha, toda a Europa treme.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Em boa verdade, os dentes nasceram-me com o português e com o alemão