DA BONDADE - 1
A bondade é inocente; a caridade é activa; o amor é altruísta.
Mas também digo que a bondade é infantil, que a caridade é obrigação cristã e que o amor é compaixão.
Perguntado sobre o que é a compaixão, um monge budista explicou a quem o ouvia que se, ao entrarmos numa sala interior, virmos uma flor num vaso e pensarmos se ela nos agrada ou não, estaremos a ver o mundo numa perspectiva do nosso próprio interesse, do nosso bem, numa perspectiva egocêntrica e talvez mesmo num limite de egoísmo; mas se pensarmos que aquela mesma flor estaria muito melhor se estivesse ao ar livre, junto das suas congéneres e à luz directa da vida, então estaremos a ver o mundo na perspectiva do próximo, na do interesse alheio, estaremos numa perspectiva não interesseira a querer o bem desse alguém e até sem sequer pensarmos em nós. A esta dádiva ao próximo chamam os budistas compaixão, a mesma a que os cristãos chamam amor. “Alter ego” - outro que não eu - eis por que o amor é altruísta.
Camoneando…
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Julho de 2016
Henrique Salles da Fonseca
(junto à piscina dos monges budistas no mosteiro de Polunaruva, Sri Lanka, Novembro de 2015)


