CURTINHAS Nº CXLIX
GASTAR NA MASSA E POUPAR NO FARELO
- Pois é, Leitor. Somos especialistas em ficar a ruminar, deliciados, fait-divers, fingindo não ver aquilo que é verdadeiramente importante. Agora, são as remunerações atribuídas à novel Administração da CGD, como se pagar-lhes € 2 M/ano - ou mesmo € 3 M/ano fosse um exagero sem medida e um crime lesa-CGD.
- Valem esse dinheiro? Não sei. Poderiam almejar remunerações semelhantes em mercados bancários mais desenvolvidos e mais competitivos? Tão-pouco sei. Mas suspeito que um ou outro não aguentaria o ritmo de trabalho, a pressão e a exigência de resultados que são o pão-nosso-de-cada-dia na Banca por esse mundo fora.
- Porém, reconheço sem esforço que uma remuneração total daquela ordem de grandeza numa massa salarial que rondará os € 600 M, ou em encargos de estrutura de quase € 1,000 M, é uma insignificância. E muito mal andará a CGD se forem estes € 3 M que lhe vão desequilibrar a tesouraria - ou estragar os resultados anuais - num Balanço de mais de € 90,000 M (segundo as Demonstrações Financeiras Individuais recentes).
- Além do mais, a remuneração é, apenas, o reverso de uma moeda que tem na face metas e métodos. Metas a atingir num dado horizante temporal – o programa. Métodos para aferir, com inquestionável precisão e meridiana tranaparência, se tais metas foram cabalmente atingidas nos prazos inicialmente previstos - enfim, o desempenho.
- Ora, é isto que a nós, accionistas e contribuintes, verdadeiramente importa - sem que tenha aparecido ainda quem se mostre interessado em debater, com um módico de razoabilidade, quer o programa que a nóvel Administração vai ter de aplicar, quer o modo como será avaliado o seu desempenho.
- Não tenho a menor dúvida de que gerir bem um Banco é complicado: o risco será sempre o companheiro de todos os momentos. Num ambiente assim, e no plano puramente teórico, o método para ajuizar do desempenho começa por envolver um simples indicador: RARORAC/Risk Adjusted Return on Risk Adjusted Capit
- Trocado por miúdos, isto significa que o desempenho é aceitável – e a remuneração, justificada - se, a posteriori, a taxa de rentabilidade do capital afecto ao negócio não ficar abaixo de um dado objectivo de rentabilidade que tenha sido fixado de antemão.
- Mas, nada de confusões, Leitor:
º A taxa de retorno ponderada pelo risco (risk adjusted return) nada tem a ver com as taxas de rentabilidade que os Bancos, em todas as latitudes, divulgam com ar prazenteiro;
º Os Capitais Próprios que os Bancos correntemente exibem nas suas Demonstrações Financeiras só por acaso fortuito reflectem, já as insuficiências em matéria de provisões, já a capacidade para absorver perdas não esperadas sem pôr em causa a sua continuidade.
- Ainda que os Bancos operem em ambientes que ressumam risco (riscos vários), eles, na informação financeira que divulgam, querem fazer crer - a nós, pobres mortais – exactamente o contrário: (i) que sabem manter o risco à distância; (ii) que as perdas em que incorreram foram fatalidades inevitáveis e irrepetíveis. Enfim, um mundo de faz-de-conta.
- A dura realidade é que taxas de rentabilidade de Capitais Próprios (ROE/Return on Equity) agradáveis à vista podem provir de realidades muito diversas:
º Boa gestão, numa conjuntura favorável;
º Excelente gestão, numa conjuntura adversa;
º Perdas esperadas insuficientemente provisionadas;
º Ocultação de perdas já incorridas;
º Acentuado desequilíbrio entre prazos do Activo e do Passivo (mismatch temporal, vulgarmente referido como “surfar a curva de rendimentos”);
º Capitais Próprios diminutos para a dimensão do Balanço e, consequentemente, inadequados face ao risco a que a CGD (é a CGD que tenho aqui em mente) se encontre exposta.
- Ponderar os proveitos pelo risco (risk adjusted return) mais não é que dar expressão às perdas esperadas a que a CGD se expôs (mais as perdas em que já incorreu) para obter os resultados que estiver a exibir.
- Mas esta é apenas uma parte (o numerador) da questão. A outra parte (o denominador do RARORAC) são os Capitais Próprios, não aqueles contabilizados, mas aqueles outros que a CGD teria de dispor (se não dispuser já) para não ver a sua continuidade perigar por efeito de perdas não esperadas e de eventuais insuficiências nas provisões para perdas esperadas (e para as perdas já incorridas). Afinal, risk adjusted capital, em inglês.
- Por tudo isto, o rácio de rentabilidade calculado directamente a partir dos resultados apurados de acordo com os ditâmes fiscais (como vulgarmente se faz) é um mau indicador da qualidade do desempenho.
- Por tudo isto, também, quando se fixar objectivos à novel Administração da CGD há que estabelecer, além de um objectivo plausível para o RARORAC:
º As regras para o reconhecimento contabilístico das perdas entretanto incorridas;
º As regras para estimar e provisionar as perdas esperadas;
º Os limites para o mismatch temporal;
º O modo de medir a influência do ciclo económico na construção dos resultados;
º Enfim, o método de estimar as perdas não esperadas, a partir das perdas observadas, para desenhar uma estratégia de capitalização consequente.
- Mas não basta. Para medir, com justeza, o desempenho da nóvel Administração é igualmente imprescindível fixar:
º O risco máximo tolerável em cada uma das Linhas de Negócio que a CGD empreender;
º O limite máximo de endividamento admissível para a CGD, sem esquecer as posições passivas em contratos contingentes (como, por exemplo, garantias e a subscrição de instrumentos derivados);
º O peso no Activo da CGD das aplicações financeiras facilmente liquidáveis com custos de transacção insignificantes;
º As soluções de financiamento em condições de mercado ao dispor da CGD, em caso de necessidade.
- Sabendo bem que a CGD não conta hoje – nem provavelmente contará no futuro previsível – com associadas que lhe proporcionem 2/3 dos resultados consolidados, ou com accionistas dispostos a sustentar-lhe a liquidez, mesmo em conjunturas internacionais adversas.
- Só tendo tudo isto presente será possível avaliar com bom fundamento o desempenho da nóvel Administração. E só então se poderá concluir sobre se a remuneração hoje tão discutida era bem merecida – ou, feitas as contas, foi mais dinheiro deitado à rua.
Novembro de 2016
A. Palhinha Machado