CURTINHAS Nº CXL
Ai estado, estado, a quantas andas!
- Tenho para mim que uma das mais pesadas cangas que nos tolhem os movimentos enquanto Estado é, precisamente, o mau uso que damos à palavra “Estado”.
- Boa parte do que tenho escrito por aqui e por ali gira em torno desse péssimo uso e das suas ainda mais perversas consequências. Mas, reconheço, são invariavelmente considerações tecidas em abstracto que acabam por deixar mais dúvidas que certezas. Um exemplo viria mesmo a calhar.
- Então, aqui vai: “Mais Estado”. O que entender por isto?
- Para alguns é aumentar, tornar mais denso e mais minucioso o corpo de leis e regras que moldam a organização do Estado. Um Quadro Normativo de malha mais apertada, mas que pode ser perfeitamente compatível com o modelo da regulação (Tudo o que não esteja expressamente proíbido, está tacitamente autorizado). Uma interpretação que não tem de ser inimiga da inovação e da iniciativa individual.
- Para outros, os que identificam “Estado” com “Governo”, é colocar a tónica no modelo da regulamentação (Tudo o que não esteja expressamente permitido, está tacitamente proíbido). Uma forma de pensar que se traduz, geralmente, no reforço dos poderes discricionários avocados por Governos mais voluntariosos (L’État, c’est moi).
- Enfim, para tantos, é, mais prosaicamente, ampliar o aparelho administrativo do Estado (a Administração Pública) sujeitando ao estatuto do funcionalismo público cada vez mais actividades económicas – quase sempre sob o argumento da universalidade e gratuitidade do acesso a “bens públicos”.
- É certo que a lista de “bens públicos” varia de acordo com o ideário político. E daí nenhum mal virá ao mundo – desde que o debate se centre no que se entenda serem “bens públicos”, em vez de se limitar à teima “mais Estado”, “menos Estado” - sem ninguém vir a terreiro explicar “que Estado”.
- Só na aparência estas três interpretações apontam no mesmo sentido. Na realidade, é fácil imaginar “mais Estado” com um Governo bastante contido e discreto (vidé, a Suíça). Ou, mesmo, “mais Estado” com um aparelho administrativo reduzido ao mínimo por obra e graça do reforço da regulação e supervisão (vidé, a Austrália) – estas, sim, indiscutíveis funções de soberania.
- Como se imagina também sem dificuldade uma Administração Pública de tal modo extensa e complexa que reduz o Governo à impotência, por mais voluntarioso que este seja. Ou um Quadro Normativo que tolera as intervenções discricionárias do Governo ao ponto de se perder de vista os princípios fundamentais que enformam o Estado. (Exemplos para um e outro destes casos é o que não falta por esse mundo fora.)
- Mas o que mais me surpreende é o facto de este debate se circunscrever à vertente interna: o que seja “mais Estado”, cá dentro. Como se nós, crendo-nos sozinhos no mundo, só tivessemos de nos preocupar com o nosso próprio umbigo.
- Onde pára o debate político sobre como queremos e podemos afirmar os nossos interesses no contexto global?
- A ideia que fica é que abdicámos a favor da UE, não só este ou aquele aspecto da nossa soberania - mas toda a soberania, por atacado. Afinal, um pêso que nos excedia e que alijámos de bom grado com um suspiro de alívio (e não me venham com a desculpa da troika, da Dívida Pública Externa ou da defesa do Estado Social).
- Enquanto for este o quadro mental que entre nós prevalecer, domesticamente continuaremos confundidos por aquilo que alguém, sábio, baptizou como “ignorância racional” - e externamente não nos daremos ao respeito.
Junho de 2016
A. Palhinha Machado