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A bem da Nação

CURTINHAS CXXIX

GEE-Taxa de Cobertura da Balança de Bens e Servi

 

POBRES, MAS COM GOSTOS DE RICO

 

  • Foi o que eu, sonso, disse à responsável pela 2ª Carta FMI (1983-1985) quando ela, entusiasmada com o rápido sucesso do seu plano de ajustamento “macro”, considerava Portugal “o melhor aluno”. “Não se iluda! Mal cheirar a dinheiro fresco, voltará tudo ao mesmo”. É o que se tem visto. 

 

  • Cheirar a dinheiro fresco…dito de outra maneira: volta a ser possível concretizar muitas daquelas intenções de procura que estavam atiradas para o sótão das fantasias por manifesta falta de pilim. Sim, porque, entre nós, havendo dinheiro no bolso, o melhor destino que se lhe dá é adquirir bens de consumo duradouros (carros, plasmas, tablets, electro-domésticos, coisas assim), importados - ou vilegiar pelo estrangeiro. 

 

  • Para uma economia que depende estruturalmente das importações, já para se alimentar (ainda que o deficit da Balança Alimentar tenha vindo a diminuir nos últimos anos), já para dispor de matérias primas energéticas e de outros bens e serviços essenciais, esta característica tão entranhada da procura final não augura nada de bom para a sustentabilidade do equilíbrio externo. 

 

  • Aos primeiros sinais de uma vida um pouco menos difícil eis que a BTC volta, de novo, ao vermelho - recomeçando o ciclo infernal do desequilíbrio externo até que mais uma recessão lhe venha pôr (temporariamente) fim. 

 

  • Só não vê quem não quer ver que todos os problemas da economia portuguesa, desde sempre, têm a marca genética do desequilíbrio externo -contrariamente à teimosa insistência da troika no equilíbrio orçamental, mal aconselhada por teorias falhas de qualquer suporte empírico. 

 

  • Um ponto maior - e mais perene - da nossa política económica deveria ser, assim, este: como proteger a BTC desta assanhada propensão da procura final para importar? 

 

  • Durante muito tempo, a fragilidade do Escudo em constante desvalorização, barreiras alfandegárias selectivas e impostos indirectos (o célebre Imposto de Transacções) que atingiam com maior severidade bens e serviços importados iam fazendo tant bien que mal o milagre. E, quando os milagres se esgotavam, lá vinha de tempos a tempos a recessão para repôr tudo no são. 

 

  • Mas - e agora? Sem podermos recorrer a direitos alfandegários e a outras medidas selectivas do comércio transfronteiriço; sem podermos lançar mão de impostos indirectos que discriminem contra bens e serviços importados; desprovidos como estamos do instrumento cambial - como fazer? 

 

  • Na realidade, esta história não está ainda bem contada. Num mundo sem Bancos Comerciais, onde a procura final não pudesse ser empolada (alavancada) por dívida, o pagamento ao exterior de uma importação determinaria a correlata diminuição da liquidez em circulação. Por sua vez, menos dinheiro a circular significaria menor capacidade para novas importações. 

 

  • Num mundo assim, direitos alfandegários, impostos indirectos, maxime, a desvalorização cambial, ao agravarem os preços relativos dos bens e serviços importados, formariam sempre a primeira linha de defesa da BTC. Mas a redução do stock de liquidez estaria lá sempre para as potenciar, na exacta medida em que reduzia a capacidade para adquirir novos bens e serviços importados, se tudo o mais permanecesse igual. 

 

  • Só que o mundo que existe não é um mundo assim - é um mundo com Bancos Comerciais. E, no nosso caso, um mundo em que o modelo de negócio adoptado pelos maiores Bancos “de cá” quase que se limita a financiar a procura final sem grandes preocupações. 

 

  • Os Bancos “de cá” financiam a procura final de bens e serviços importados, financiam as empresas importadoras e os seus canais de distribuição - e vão, por sua vez, financiar-se junto dos Bancos “de lá” (leia-se, mercados interbancários) para poderem pagar todas estas importações. 

 

  • Estão assim criadas duas “bolhas de endividamento”, uma reflexo da outra: 
  • Uma “bolha de dívida interna” - endividam-se os consumidores finais junto dos Bancos “de cá” e endividam-se as empresas importadoras junto dos Bancos “de cá”, também. 
  • Uma “bolha de dívida externa” - endividam-se os Bancos “de cá”, a muito curto prazo, junto dos mercados interbancários na Zona Euro (leia-se, Alemanha, França e Espanha, porque dos outros Países Membros não vem dinheiro que se veja). 

 

  • A “bolha de dívida interna” deu a todos nós, durante cerca de 10 anos, a ilusão de que podiamos concretizar sem esforço todos os nossos gostos de rico, mesmo não sendo ricos. 

 

  • A “bolha de dívida externa” (não houve disso durante a 2ª Carta FMI) deu aos Bancos “de cá” a ilusão de que eram Bancos de ricos, com os correspondentes proveitos. 

 

  • As duas, conjugadas, deram às Finanças a ilusão de que as receitas fiscais, mesmo corrigidas dos efeitos cíclicos, eram, finalmente, as de um Estado rico. 

 

  • Esta “bolha de dívida interna” não era, porém, inócua. Tinha o efeito perverso de neutralizar por completo o referido mecanismo que protegia a BTC (pagamento ao exterior -» redução no dinheiro em circulação -» menor capacidade para novos gastos). Se a imagem não for levada longe de mais, dir-se-ia que a economia portuguesa - integrada numa união monetária e com os seus Bancos empenhados a endividarem-se lá fora para concorrerem cá dentro por quota de mercado - ficou sem sistema imunitário que protegesse capazmente o seu equilíbrio externo. 

 

  • A solução, perfeitamente dentro dos Tratados Comunitários (por não ter natureza discriminatória ou proteccionista), é fixar um limite máximo para as posições devedoras líquidas dos Bancos “de cá” junto dos mercados interbancários [Exemplificando: um Banco cujos Capitais Próprios sejam 100 não poderia ter no seu Balanço, em nenhum momento, uma posição devedora líquida nos mercados interbancários superior a 50] 

 

  • Deste modo, ao conter o endividamento externo, estar-se-ia a limitar, não a capacidade de efectuar pagamentos ao exterior, mas a capacidade de financiar esses pagamentos junto dos mercados interbancários sem atender às condições estruturais da BTC (e do equilíbrio externo). 

 

  • Não é difícil antecipar as reacções daqueles que uma medida assim atingirá em pleno: os Bancos “de cá” e (pasme-se, Leitor) as Finanças. 

 

  • Os Bancos “de cá”, porque poria frontalmente em causa um modelo de negócio que, ao ameaçar continuamente a sustentabilidade do equilíbrio externo, é indefensável a nível “macro”. Não tenho a menor dúvida de que, no estado actual da economia portuguesa, qualquer modelo de negócio bancário alinhado com o equilíbrio externo irá revelar até que ponto as estruturas (pessoal, fornecimentos e serviços) dos Bancos “de cá” estão empoladas - e são, também elas, insustentáveis.  As Finanças, porque, certamente, veriam as receitas geradas pelos impostos indirectos, desde logo essas, registar uma quebra dificil de colmatar. Na realidade, é na procura final e nos Sectores de Bens não Transaccionáveis (como a distribuição) que as Finanças vão obter o maior volume de receita fiscal. 

 

  • Como é bem de ver, tudo isto pressupõe que Portugal tem uma programação macroeconómica própria da qual os Bancos (e outras Instituições Financeiras Sistemicamente Importantes) são peças fundamentais. Mas será que tem? Ou é governado por amanuenses que se limitam a cumprir burocraticamente ordens emanadas da CE e do BCE (o FMI não conta para este efeito) - entidades supranacionais para as quais o equilíbrio externo da economia portuguesa é uma questão de somenos?

 

AGOSTO DE 2015

 

António Palhinha MachadoA. PALHINHA MACHADO

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