CRAVOS MURCHOS – 1
Com a História aprende-se, sobretudo se bem contada; mas se for contada de modo deturpado, fica-se perante um crime cultural.
Assentou a propaganda que o 25 de Abril de 1974 trouxe a liberdade a Portugal quando é sabido que se tratou de um golpe de Estado comunista com base no que os comunistas ganharam a liberdade de encarcerar os seus opositores. A liberdade democrática ao estilo ocidental só chegou a Portugal em 25 de Novembro de 1975. E quem contar a História de modo diferente está apenas a mentir.
Mas há questões que continuam por esclarecer mesmo depois destes 39 anos de democracia ao estilo ocidental.
Por exemplo, por que razão Américo Thomaz e Marcello Caetano são historicamente «metidos no mesmo saco» quando é sabido que se encontravam em pólos opostos?
Dizia-se nesses idos de 70 do séc. XX à boca cheia que Marcello Caetano tinha estado uma semana no Palácio de Queluz em residência vigiada por ordens do então Presidente da República, Almirante Américo Thomaz.
Não satisfeito com o «diz-se, diz-se», coloquei agora a questão ao irmão de Marcello Caetano que me respondeu como segue:
«Apenas lhe posso dizer que era no Palácio de Queluz que passava os meses de Verão a...trabalhar...de motu proprio. Quanto aos Ultras do Regime, que gravitavam em torno do Almirante, sabe-se a importância que tiveram como bloqueadores da evolução do regime.»
António Alves-Caetano
Ou seja, Marcello Caetano não terá estado «preso» em Queluz como então se dizia mas...
Eis uma questão que pode merecer algum estudo na certeza, porém, de que a fricção existia entre os ultras e os que queriam fazer evoluir o Regime. Meter Américo Thomaz e Marcello Caetano no mesmo «saco» da História é injusto e ficamos perante outra mentira que os «historiadores» deixaram incólume até à actualidade.
E quando hoje a propaganda se refere a Marcello Caetano como o algoz da Nação e exibe «ad nauseam» a cena do Largo do Carmo deixando no silêncio o que se terá passado com o Almirante, comete-se um erro histórico que só o dolo intelectual pode justificar. Os algozes foram os ultras, não quem pugnava pela «evolução na continuidade» que Marcello Caetano tão bem explicava nas suas “Conversas em família” na RTP.
Mas é claro que Moscovo não pactuava com a «evolução na continuidade» uma vez que assim se poderia legitimar historicamente o Estado Novo que ousara fazer-lhe frente desde a Guerra de Espanha e que por isso mesmo os soviéticos queriam ver enxovalhado.
Quem apoiava, então, Marcello Caetano nesse processo de «evolução na continuidade»? Claramente a ala liberal da Assembleia Nacional a quem Marcello Caetano se referia por «os meus jovens amigos» em que preponderavam deputados como Sá Carneiro e Balsemão cujos debates com os ultras chefiados por Casal Ribeiro faziam do Diário da Assembleia Nacional uma publicação de espantosa tiragem.
Eis como chegamos a uma grande e insolúvel incógnita: como teria sido escrita a História se os «jovens amigos» tivessem apoiado o «seu» Presidente do Conselho no dia em que ele foi humilhado no quartel do Carmo?
O que sobre essa hipótese se disser não passará de pura especulação.
Lisboa, Abril de 2014