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A bem da Nação

COSMOPOLITISMO - 2

Vinham os bisonhos das berças lanares e logo se encantavam com o pequeno burgo que se lhes abria como raio de Sol. E assim era que ciclicamente a cidadezinha se enchia de jovens apenas talhados pelo escopro rural e a que faltava o buril urbano.

Cidade capital do nosso Rei fundador, foi também ela escolhida por D. Telmo, D. João Peculiar e São Teotónio para sede da Ordem da Santa Cruz que viria a receber a mercê de D. Dinis para governar a Universidade. Foi nos tempos de D. João III que o Padre Iñigo Lopez Recaldo – que passaria à História como Stº Inácio de Loyola – ali fundou o «Colégio das Onze Mil Virgens», primeiro da Companhia de Jesus, para o qual redigiu a sua obra de orientação pedagógica «Ratio Studiorum» que passaria a vigorar em todos os colégios jesuítas em todo o mundo. Na mesma época em que se inaugurava o Observatório em Greenwich, se media a velocidade da luz e se descobria o espermatozoide, o Rei D. João V teve que publicar Decreto ordenando à Universidade que passasse a incluir no seu currículo académico o Dogma da Imaculada Concepção de Maria. Na mesma universidade era então proibido dissecar cadáveres para se ter a certeza de não esquartejar a alma do defunto. Assim se manteve a tónica intelectual em Portugal até… que a República instaurou as Universidades de Lisboa e do Porto. Só que, entretanto, foram séculos e séculos de «cada vez mais do mesmo» com as instituições coimbrãs agarradas aos respectivos cânones fundacionais, entretanto caducos, em defesa de unidades de doutrina e métodos obsoletos. O colégio jesuíta desapareceu na voragem pombalina e a Universidade prosseguiu com os seus Lentes (os que leem as sebentas herdadas dos respectivos antecessores) numa actividade a que hoje chamamos «copy-paste» sem qualquer valor acrescentado.  Eis como aquela Universidade se constituiu em instrumento sombrio em vez de luminoso como as suas congéneres além-Pirinéus. Reconheçamos, contudo, que Coimbra não foi monopolista na distribuição das sombras pois foi nisso acompanhada por Évora desde o Cardeal-Rei até ao consulado pombalino. Faltou concorrência laica onde os cadáveres pudessem ser dissecados. Faltou – também e sobretudo – que essas instituições tivessem combatido o autismo e tivessem procurado o cosmopolitismo intelectual.

Colhe perguntar se a Inquisição permitiria que tudo fossem luzes em vez de trevas e colhe perguntar também se, hoje ainda, não estará a «Lusa Atenas» cativa de persistentes dogmas de racionalidade obtusa leia -se falaciosa e comprovadamente caduca para não dizer falaciosa.

É que perguntar não ofende e é tempo de parar com essa ridicularia que consiste em cardar lanzudos bisonhos vindos das berças. Está visto que esses que chegam já não vêm das berças, mas sim da Internet.  O prestígio da «sapientíssima cátedra» constrói-se diariamente pela adução constante de valor científico e não mais pela tirania da arrogância e da ameaça de um chumbo.

O cosmopolitismo intelectual é a solução para a ultrapassagem do nosso atraso endémico e – correndo o risco de cavarmos ainda mais o fosso entre um país pensante e um país boçal – a Universidade tem que se tornar cosmopolita e atirar togas, capelos e outras praxes para o balde dos desperdícios.

Abril de 2023

Henrique Salles da Fonseca

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