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A bem da Nação

CLAUSURA - 9

Talvez sejam os eflúvios que se exalaram do ambiente literário referido no texto anterior que me levaram hoje a lembrar-me de algumas poesias de que sempre gostei – e isto, sabendo que nunca fui dado a melancolias e, menos ainda, a lamechices.

Pierre de Ronsard (1524-1585) não jantou connosco mas lembrei-me de um pequeno trecho da sua poesia Comme on voit sur la branche

La Parque t’a tuée et cendres tu reposes.

Pour obsèques, reçois mes larmes et mes pleurs,

Ce vase plein de lait, ce panier plein de fleurs,

Afin que, vif ou mort, ton corps ne soit que roses.

O meu avô, Tomás da Fonseca (1877-1968), sim, jantou connosco. Contudo, foi mais autor de prosa política do que de poesia mas fez uma de que gosto intitulada OS REBELDES

Eu amo a luta

E abrigo a paz no coração.

Meu credo é feito d’alma

E feito de perdão.

Vivo de bênçãos,

Como a flor vive da luz,

Pregando na montanha,

Assim como Jesus,

As delícias do amor

E a paz universal.

Baionetas para quê?

Se a baioneta é igual

À faca do assassino!

Em vez d’homens de guerra,

Camponeses lavrando

E semeando a terra…

Que eu não amo o que mata

Ao meio duma rua,

Mas o que cria um filho

Ou guia uma charrua.

E embora admire e louve

Essa mulher que foi

Ao meio de Paris

Executar um herói,

Muito mais louvo e quero

Essa mulher d’aldeia

Que vai à fonte,

Acende o lume

E faz a ceia

E abre o peito

Dando a um filho de mamar.

Corday (1) é uma tormenta,

A camponesa um lar.

Criar – eis o preceito;

Amar – eis o dever.

O nosso peito abri-lo

A todo o que o quiser:

Aos que são cegos, luz;

Aos que têm fome, pão.

Por isso é que eu abrigo

A paz no coração.

  • – Assassina de Marat

Por sua vez, o meu tio – António José Branquinho da Fonseca – tem uma extensa obra poética mas ficou catalogado como novelista. Tem ele um poemeto de que gosto e se chama Canção da candeia acesa que, na verdade, é uma ode à minha tia, também ela connosco à mesa até porque era a dona da casa:

Ainda havia luz no céu

Quando se encostou à minha porta

A sombra da noitinha

E ali se adormeceu...

 

Mas como é de uso na aldeia,

Costume tão velho já,

Ao sentir-se alguém à porta

Eu disse-lhe: - Entre quem está...

 

Entrou. Era a noite... E, então,

Eu senti bem a tristeza

Daquela gente que não pode

Ter candeia acesa.

 

Eu tenho-a, Senhor;

Eu nem sei a riqueza que tenho:

Tenho uma terra

E também

Uma casa

E um rebanho...

 

E, além de tudo, um amor,

A quem quero e que me quer...

E que a vontade do Senhor

A faça minha mulher!

Finalmente, uma «coisa» escrita por quem neste género é mais espaçado que bissexto para ser lida numa daquelas sessões de Sábado à noite no Hotel dos Poetas em Paço d’Arcos cujo autor não decorou e, entretanto, ficou sem olhos suficientes para uma leitura pública:

Olá!

Diz-me aqui, baixinho,

Desde quando sentes companhia

Quando os outros te veem só.

Também vês aquela sombra

Que passa pelo canto do olho

E sentes aquele murmúrio

Junto do teu ouvido

E que os outros não sentem?

Fala-me

Daquela outra dimensão

Onde estão os nossos queridos,

Esses que por aqui vogam...

Que sentimos por perto,

Vemos em penumbra,

Que amamos pelo que foram,

Que amamos pelo fumo que são,

E que vemos pelo coração.

Sim, nós sabemos

Que eles estão aí,

Que nos veem.

Sim, eles são os nossos anjos da guarda

E sabem que nós sabemos.

Pois é isso que nos conforta.

E que venha a nós o seu reino

De pureza e de bem.

Ámen!

 

E pronto, hoje fico-me por aqui pois já vamos metricamente longos. Mas prometo amanhã ser mais pragmático.

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

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