CHAU MIN – 2
O TIRO NO PÉ
A grandeza da China deve-se, em primeiro lugar, ao facto de ela ser grande em termos absolutos e, em segundo lugar, ao outro facto de ter sido o Ocidente que a fez grande em termos relativos.
Cada um de nós, com mais de 60 anos, é um autêntico documento coevo do processo de deslocalização empresarial do centro civilizacional e de progresso formado pelo eixo Europa Ocidental-América do Norte para as respectivas periferias e para o Extremo Oriente. Bem nos lembramos como tudo começou com o encontro Nixon-Chu En Lai em 1972…
O objectivo imediato era o de ajudar a China a «dar o salto» por cima do atoleiro em que Mao Tsé Tung a metera e, numa fase posterior, o de a afastar progressivamente do vício comunista. O instrumento seria pela instalação na China de empresas que criassem novos postos de trabalho, introduzissem tecnologia moderna, formassem o pessoal e abastecessem o mercado doméstico chinês de modo a que a população pudesse ir ganhando melhores níveis de satisfação das respectivas necessidades.
E o que aconteceu?
Sim, aconteceu isso e muito mais. As empresas ocidentais gostaram de uma mão de obra muito barata, de um ambiente laboral avesso à contestação por estar domesticado por «sindicatos» fictícios e pela inexistência dessa maçada que é a legislação ambiental. De tal modo que começaram a pensar que a China poderia ser um antídoto contra os Sindicatos ocidentais e uma fuga aos maçadores do ozono e outras bexiguices quejandas. E se bem o pensaram, melhor o fizeram deslocalizando para a China não apenas as empresas destinadas ao abastecimento daquele mercado mas também as que tinham ficado na base. E o mercado mundial ficou espojado aos seus pés.
A consequência mais mediática foi a falência da Cidade de Detroit mas convenhamos que deve ser interessante trabalhar em capitalismo descontrolado, selvagem, com desobrigações sociais, mão de obra especialmente barata e dócil, em défice ambiental sem preocupações com efluentes gasosos, pastosos, sólidos ou…
A globalização é isto mesmo: o nivelamento por baixo, um tiro nos pés de quem estava habituado a mordomias que não existem em Xangai.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(Xangai, Janeiro de 2006)