CARTA A UM CAPITÃO QUE FOI
Já lá vão quase 50 anos que Vossa Senhoria faz saber que está zangada comigo. Eu é que não sei porquê e, portanto, nunca pude emendar-me. Inocente, sou, assim, perene prevaricador incógnito pois não conheço o nome da falta cometida.
Mas se Vossa Senhoria se dignar dizer-me onde prevariquei, então poderei fazer um esforço para tardiamente me emendar.
Temo, contudo, que já nem Vossa Senhoria se lembre do porquê de zanga tão prolongada mas, então, paciência, só me poderei emendar no Purgatório onde se tomam purgas até à exaustão de pecados e pecadilhos.
Ainda se põe a hipótese de Vossa Senhoria se lembrar e não se dignar informar-me do que acima solicito mas, então, o pecado – dos grandes, um pecadão – ficará a atormentar a alma de Vossa Senhoria até à eternidade por ter podido salvar quem, não sendo salvo, terá de sofrer a pena maior de não entrar no Paraíso.
E, então, terá Vossa Senhoria que penar per secula seculorum... o que não deixará de ser uma pena.
Para que essa pena não seja penosa, eu absolvo Vossa Senhoria por não me absolver.
Tenha Vossa Senhoria muita saúde e que a mim me não falte ela.
Atenciosamente, pecador incógnito confesso,
Henrique Salles da Fonseca
(entretanto, General miliciano na disponibilidade)
In ESCRITOS DE OUTONO, 2015