CAMÕES, O “IMPARCIAL”
As armas e os barões...
Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
O nosso épico não se fez rogado a enaltecer os feitos lusíadas nem a denegrir os que se nos opunham: nós, os heróis; eles, os vilões.
E assim fomos criados num imaginário glorioso que então nos levou «além da Taprobana» mas que ainda hoje nos faz sonhar com a Lusitânia Armilar onde cabem todos os que se sentem portugueses mesmo que já não falem a nossa língua e já lhes rareiem os genes lusitanos.
E é nestas brumas poéticas que me lembro de Heródoto, o pai da História, que tanto contava os feitos dos vencedores como dos vencidos para «impedir as grandes e gloriosas acções de gregos e de bárbaros de perderem o tributo de glória que lhes é devido».
Sim, Heródoto praticava a imparcialidade e era objectivo na descrição dos feitos que relatava. Por isso se credibilizou como historiador e não como poeta ou contista.
E se essa objectividade lhe atribuiu a «paternidade» da História, ela inspirou também todo o método científico, o mesmo que nos permite, tantos séculos depois, estarmos onde estamos, a desbravar os limites do Universo e a «tratar por tu» o núcleo das células.
Hoje, os lusíadas do século XXI, estamos todos em pé de igualdade, sem suseranos nem servos, sem dominadores nem dominados. Assentes na realidade, cumpre-nos aceitar as coisas como elas efectivamente são e, não querendo discutir as situações a que a História nos conduziu, resta-nos a possibilidade de tirarmos o maior proveito das circunstâncias, sem cenários mirabolantes.
Apetece, no entanto, perguntar como teria sido o nosso percurso nacional se em vez de Camões tivéssemos sido influenciados por Heródoto. Ninguém consegue imaginar os resultados duma experiência não experimentada mas talvez possamos admitir um percurso como o da Nação grega. E vai daí, não haveríamos por certo de querer a troca quando pela Grécia só a metade Sul de Chipre sonha enquanto nós temos – apesar de tudo – uma dimensão universal.
E como estaria hoje a nossa auto estima se não fossemos diariamente achincalhados pelos telejornais?
E como estaria hoje a nossa determinação se não fossemos diariamente desmotivados pelos gatunos?
E como estaríamos hoje se os políticos se entregassem ao bem comum com a mesma tenacidade com que se dedicam ao «tira-te tu para me pôr eu»?
E como estaríamos hoje se a base da nossa cultura não fosse a fantasia épica e sim a verdade histórica?
Seríamos talvez uma Nação sorumbática, instalada, maçuda e rica mas não teríamos certamente as gargalhadas das anedotas nem os sonhos de voltarmos a ser a Nação gloriosa que nos contaram. E sem esperança não há futuro.
VIVA CAMÕES!
Novembro de 2014
Henrique Salles da Fonseca