CAMINHO DA INFELICITAÇÃO – I
Viagem a fases pretéritas do nosso (de)crescimento económico
em companhia do
Prof. José da Silva Lopes
O professor José da Silva Lopes, falecido em 2 de Abril último, deixou-nos pouca coisa impressa: dois livros de história económica portuguesa no período 1960-95 escritos em bom português, sintéticos no tratamento das matérias, escorreitos nas opiniões emitidas e umas poucas entrevistas pluritemáticas que concedeu à imprensa. Que eu saiba, mais nada. Todavia, como Silva Lopes tem por hábitos a autenticidade, a objectividade e a correspondente indiferença ao «discurso correcto», e esteve envolvido como nenhum outro nos fenómenos que descreve e analisa, este pouco que nos legou permite-nos visitar o passado com toda a segurança e ajuda a compreender o caminho que nos levou ao estado de infelicitação socio-económica presente.
A precocidade de Silva Lopes permitiu-lhe exercer cargos importantes na condução da política económica desde os seus vinte e poucos anos (na época salazarina), enquanto o seu espírito cordato e aberto a novidades, o manteve na ribalta na época histórica imediata, inaugurada com uma rajada de G3, disparada pelo capitão de Salgueiro Maia, no Largo do Carmo, em Lisboa, ás 17,45, do dia 25 de Abril de 1974. Proponho pois uma viagem, em sua companhia, aos períodos do salazarismo, do cunhalismo e do europeísmo. Antes, porém, permitam-me uma breve apresentação do nosso cicerone.
Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente e de o acompanhar em reuniões de trabalho realizadas no Foreign Office, em Londres, em 1970/71. O que dele conheci permite-me secundar Paul Krugman quando este, em artigo no NY Times escrito no dia do falecimento, o descreveu como "a great, good, and incredibly likable man". Ao relê-lo agora, o que imediatamente me impressionou foi o cuidado por ele demonstrado de tratar em paralelo o enunciado dos programas propostos pelos sucessivos governantes e a realidade da prática que os mesmos seguiam. Tal tratamento permite-nos ab initio avaliar aquilo que eu chamo o grau de mentira (já é tempo de darmos os nomes aos bois) dos sucessivos discursos. A mentira política revela-nos as idiossincrasias do governante. Ideologias, sistemas e regimes existem mas quem toma as decisões são as pessoas e ninguém se esquiva à sua forma própria de sentir os fenómenos. Em caso de conflito entre lógica e sentimento, entre imagem projectada e prática seguida, a idiossincrasia leva sempre a melhor: supera a lógica, descarta o rigor e cria a mentira. Por seu turno, a mentira ilude o próprio e nela devemos procurar a origem e explicação do erro sistemático.
(continua)
Estoril, 10 de Maio de 2015
Luís Soares de Oliveira