CABO DA ROCA
OU
O FIM DA PICADA – 2
E a palestra continuou depois de um mini intervalo para dar entrada a mais ouvintes que vinham sabe-se lá donde.
Retomada a palavra, avancei para a solução dos problemas até ali enunciados que, como tinha dito, é a Ética cuja reposição me parece imperiosa.
E a questão estaminal da nossa conversa é a de saber o que é a Ética. Então, para desfazer muita confusão que por aí navega, comecei por afirmar simplisticamente que a Moral é a questão dos princípios enquanto a Ética é a questão dos factos.
Muito resumidamente, disse que todas as religiões têm as suas escrituras sagradas as quais, criando a respectiva Teologia, deram origem a verdadeiros códigos de conduta que definiram os grandes princípios da Moral correspondente e foi a partir daí que cada sociedade, descendo aos factos reais da vida quotidiana, criou a sua Ética; assumindo a obrigatoriedade do cumprimento, cada Ética vestiu o figurino de quadro jurídico.
Breve, a lógica descendente tem origem nas Sagradas Escrituras que definem a Moral que, por sua vez, induz a Ética e é esta que fundamenta o quadro jurídico.
Exemplos? Muitos. Mas basta referir a Bíblia cujo Antigo Testamento fundamenta o Judaísmo, os Vedas que são a base do Hinduísmo, os Ensinamentos de Buda que deram origem ao Budismo, o Novo Testamento que, em conjunto com o Antigo, fundamenta o Cristianismo, o Corão que é a Sagrada Escritura do Islão.
Contudo, como vimos de início, o homem pós-moderno extremou a sua própria laicização donde resulta que a inspiração divina nada lhe diz e ele se desliga de tudo que tenha origem nesse tipo de Valores. Não vale, portanto, a pena invocarmos princípios religiosos – venham eles donde vierem – para levarmos o pós-moderno convicto a aceitar um quadro jurídico que se inspire numa Ética que por sua vez se fundamente numa Moral de origem divina.
Então, como havemos de sair deste beco?
A questão pode-se resolver a partir duma frase que cito muitas vezes que, apesar de ser da autoria de um Cardeal, pode ser laicizada com toda a facilidade pois ela própria a isso conduz: «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más»[i].
Ou seja, tanto o bem como o mal existem fora da discussão teológica e por isso é possível erigirmos uma Ética laica que se fundamente na «Declaração Universal dos Direitos do Homem»[ii] e na «Declaração de Ética Mundial»[iii]
Para não cansar a assistência, referi apenas as linhas gerais deste último documento que começa por condenar a usurpação dos ecossistemas do planeta, o abandono dos miseráveis, o recrutamento forçado de crianças como soldados, a agressão e o ódio cultivados em nome das religiões.
E depois deste posicionamento crítico, passa para a positiva afirmando haver uma reserva de valores fundamentais comuns a toda a Humanidade que constituem a base para uma ética que fundamente uma ordem mundial duradoira, nomeadamente pelo reconhecimento de alguns princípios:
- Há que respeitar a comunidade dos seres viventes (humanos, animais e plantas) preocupando-nos com a conservação da Terra, do ar, da água e do solo – princípio ecológico;
- Todas as nossas acções e omissões têm consequências que devemos ponderar – princípio da responsabilidade;
- Devemos dar aos outros o tratamento que deles queremos receber - princípio da equidade;
- Temos que nos encher de paciência;
- Nos cumpre servir o bem comum;
- Deve prevalecer uma relação de companheirismo entre homem e mulher com igualdade de direitos – princípio da dignidade humana;
- Temos o direito de combater a ânsia pelo poder – princípio da democracia política.
Estas, algumas das bases que devem servir para a construção de uma ética laica mundial na qual se revejam os pós-modernos que por aí pululam à nossa volta.
Concluí a palestra com a revelação de um segredo (pedindo que não o revelassem aos pós-modernos): esta ética laica mundial pode na perfeição ser considerada ecuménica pois resulta de um longo diálogo inter-religioso e o documento em apreço tem origem, afinal, nas confabulações desenvolvidas no seio do Parlamento das Religiões Mundiais.
Então, o que menos importa será saber se a origem da Ética Mundial tem ou não uma génese religiosa; basta saber que ela nasceu para servir a Humanidade.
É que, assim não sendo, nos resta constatar que chegámos ao Cabo da Roca onde a terra acaba, onde é o fim da picada e onde, portanto, só poderemos optar entre atirarmo-nos ao mar ou darmos meia volta e meditarmos ponderadamente sobre o que queremos fazer da vida.
* * *
Dei por finda a palestra e não apanhei mocadas na cabeça. Mas passadas as portas do anfiteatro, retomaram pela certa aqueles finalistas a dinâmica das festas da queima das fitas arquivando algures numa dobra recôndita do cérebro as coisas que o tipo do bigode disse desejando que ele se coce com urtigas pois «nós somos hedonistas felizes como o cão dele».
Fevereiro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
[i] - D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, então Bispo do Porto, no seu livro “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS”, pág. 121
[ii] - 1948
[iii] - Assinada em Chicago em 1993