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A bem da Nação

«BANQUÊS»

 

 

 

«Banquês» é um dialecto do «economês».

 

No «tempo em que os animais falavam», os bancos (não centrais) dividiam-se em três categorias, a saber: os comerciais, os de investimento e os prediais. Tratava-se de uma especialização no crédito concedido que tinha sobretudo a ver com os prazos de reembolso e com as taxas de juro. Pelo menos, era isto que aprendíamos nas escolas em que se ensinavam estas coisas. Mas agora já não há especialização nenhuma, é tudo à molhada e que haja muita fé em Deus.

 

Com o golpe de Estado comunista em 25 de Abril de 1974, os políticos portugueses não comunistas pensaram – e muito bem, na minha opinião – que não há comunismo que resista à propriedade privada. Sim, exactamente assim e não o contrário em que é habitual dizer-se que não há propriedade privada que resista ao comunismo.

 

Então, a melhor forma de combater o comunismo foi fazer um contra-golpe militar, o que aconteceu em 25 de Novembro de 1975. Mas logo de seguida havia que consolidar a situação levando os cidadãos a repudiarem veementemente o comunismo. Assim nasceu a política de habitação própria pois quem tem de seu deixa automaticamente de ser revolucionário. O princípio fundamental do raciocínio é o de que quem tem algo a perder, não alinha em revoluções nem na ideia da propriedade colectiva. Foi Mário Soares que «deu a cara» inaugurando esta política e foi a banca que a financiou. Ambos tiveram lucros: um, de índole política; os outros, de índole financeira.

Passados mais de 30 anos, chegámos a uma situação de comunismo politicamente marginalizado e de grande percentagem de portugueses com casa própria mesmo nos rankings internacionais e já estávamos a dar nas vistas com a segunda casa, nomeadamente a de férias. E como se tratava de ganhar dinheiro, os bancos mandaram as especializações às urtigas e todos passaram a fazer crédito à habitação. Diz o Banco de Portugal que o crédito à habitação alcançou mais de 80% do crédito emitido a favor de particulares e assim se tem mantido durantes anos a fio.

 

CRÉDITO A PRIVADOS

                       

Foi por «fas e por nefas»[1] que o crédito começou a ser emitido a todos os que se acercavam de um qualquer balcão sobretudo quando o tipo de análise de risco (ou a falta dessa análise) passou a fazer parte da política americana ao ritmo da batuta de Bill Clinton. Foi com este Presidente americano que começou a vingar o princípio de que o crédito é um direito universal e não apenas um merecimento dos abastados e ricos. E como havia espaço muito amplo para a venda de créditos ao estilo de «carteiras tóxicas por carteiras de boa cobrança», o que, traduzido do «banquês» significa «gato por lebre», no futuro tudo se resolveria com alguma consolidação contabilística por fundos e reservas entretanto constituídas. Alguns gatos por cá, em Portugal, miaram mas não o suficiente para que imediatamente se arrepiasse caminho e o crédito voltasse a ser concedido com base em critérios menos demagógicos. Até porque o lobby da construção não estava nada interessado numa tal revisão de critérios.

 

Paralelamente, a farta liquidez nos mercados de capitais facilitou o crescente endividamento público permitindo muita prodigalidade na construção do Estado Social e esbanjamento em obras de muito duvidosa utilidade pública mas de claríssima vantagem para os que se diz serem os financiadores dos Partidos.

 

Mas houve mais: inspirados na ideia de que o crédito é um direito, os políticos apostaram no consumo como motor do desenvolvimento. E a banca esfregou as mãos de contente com o financiamento dessa instigada aspiração popular.

 

Análise «democrática» de risco, «tutti buona gente», tudo com pés de barro, tudo uma mentira pegada: consumir é que é bom, da produção que se encarreguem os chineses e outros escravos.

 

A ilusão do progresso espelhada num endividamento das famílias que ultrapassava os mais liberais níveis da razoabilidade. O povo satisfeito com os políticos que tanta fartura permitiam, os políticos satisfeitos com o povo que os eternizava no poder.

 

Só que a certa altura os credores externos começaram a ver que isto não podia continuar assim. A hecatombe instalou-se no falso «modelo de desenvolvimento» com milhares de despedimentos e os fundos e reservas revelaram-se insuficientes quando o castelo de mentiras se desmoronou e tudo foi ao fundo.

 

O primeiro a ir ao fundo foi o consumo pela via dos cortes nos vencimentos dos funcionários públicos ao que se seguiu uma molhada de empresas que tudo importava pois a banca tinha esgotado o crédito que tinha lá fora e deixara de poder financiar as ditas importações.

Com o encerramento das empresas que se moldavam à economia de consumo e dos bens não transacionáveis (construção e obras públicas, p. ex.), o desemprego aumentou e o consumo interno mais se retraiu. Entretanto, os empresários que produziam bens transacionáveis de qualidade não perderam tempo à espera que o Governo lhes dissesse o que deveriam fazer e quando viram a procura interna a desmoronar, atiraram-se para a exportação. Quem de tudo isto gostou foi a Balança Comercial pois viu as importações a caírem e as exportações a subirem.

 

E quem estava super endividado e ficou sem emprego, deixou de pagar as dívidas e, quiçá, passou a dormir debaixo das pontes pois a casa, hipotecada, foi parar às mãos da banca que a financiara. E a banca começou a coleccionar casas sem saber o que fazer a tanta falsa «fartura». Mas os próprios construtores civis passaram a dar as casas não vendidas em pagamento à banca e a falsa «fartura» continuou a crescer…

 

Só que a prestação da casa terá sido a última a ser incumprida pois antes dela foi a da viagem, a da televisão, a do frigorífico, a do carro… Em «banquês», o crédito mal parado a crescer para níveis inimaginados antes.

 

O crédito ao consumo a ruir com o crédito imobiliário em estado de moribundez.

 

CRÉDITO A PRIVADOS MAL PARADO

 

Se a isto tudo juntarmos os jeitos feitos ao poder político na compra de dívida da República quando os mercados internacionais de capitais fecharam a torneira ao despesismo português, podemos facilmente não invejar hoje a profissão de banqueiro em Portugal. Sobretudo quando a «máquina de lavar» avaria…

 

Só me espanto com o facto de tanta gente inteligente nada ter visto e nada ter feito para atempadamente redefinir o azimute. Ou será que de tanto repetirem a mentira a ela se habituaram e a tomaram por verdade?

 

Sim, o que está em curso é o enterramento de um pernicioso «modelo de desenvolvimento» baseado no consumo e nos bens não transacionáveis e a edificação de um virtuoso modelo baseado na produção de bens e serviços transacionáveis.

 

E se não passarmos a produzir o que comemos e demais consumimos, não será por muito falarmos em «economês» e em «banquês» que aceleramos o ritmo de pagamento do que devemos. E quem não paga o que deve, vai ter que esperar por nova encarnação para voltar a ser alguém.

 

Eis por que se torna imperioso regressarmos à fisiocracia. Mas isso só se poderá fazer com mercados transparentes e métodos lógicos de formação dos preços. Caso contrário, será o ludíbrio de mais uns quantos «anjinhos». E para mentiras, já basta!

 

Julho de 2014

 

 Henrique Salles da Fonseca



[1] - «Em dias fastos e nefastos»

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