BAFORDOS
Na perspectiva da estética canora, bafordo deve ser a palavra mais feia que conheço na língua portuguesa e, contudo, foi num bafordo no Vale do Vez que se alinhavou a independência de Portugal. Só por isso, já deveríamos ter enfeitado a palavra. Mas não o fizemos e agora já está muita água corrida por baixo das pontes para que a possamos mandar de volta para trás.
E o que era um bafordo? Era um torneio - medieval, claro - no qual os cavaleiros escolhidos se digladiavam bilateralmente em substituição dos respectivos exércitos e em que os clérigos nomeados por cada uma das partes certificavam a decisão divina dos resultados alcançados.
Historicamente, o bafordo do Vale do Vez substituiu uma batalha em que haveriam de pelejar diminutas forças portuguesas contra muito maiores forças leonesas e castelhanas.
O episódio teve lugar no início de 1140, na chamada "Veiga da Matança", junto ao rio Vez (tributário do rio Lima), quando D. Afonso Henriques, após a vitória na batalha de Ourique (1139), rompeu a paz de Tui (1137) e invadiu a Galiza. Em resposta, as forças de Afonso VII de Leão e Castela entraram em terras portuguesas arrasando tudo à sua passagem, descendo as montanhas do Soajo em direção ao vale do Vez.
Para evitar a batalha campal, foram selecionados os melhores cavaleiros de ambos os lados para lutarem, dois a dois, num bafordo, conforme uso na Idade Média. A sorte das armas pendeu para o lado português, tendo os cavaleiros leoneses e castelhanos ficado detidos, conforme o código da cavalaria medieval.
Certificada a decisão divina que dava a vitória à parte portuguesa, foi mais fácil a D. Afonso Henriques desenhar o cenário político que conduziu à plena independência de Portugal.
Nos bafordos modernos cada Nação selecciona onze milionários a quem mandam correr a trás duma bola. A independência política das Nações não periga mas a alienação leva os seguidores a enormes sofrimentos e a euforias desmedidas. A diferença maior consiste no facto de às testemunhas não ser reconhecida capacidade mediúnica e, para além disso, aos coros se dar hoje o nome de claques.
Mas se até aqui, nada de muito especial há a assinalar, devemos perguntar por que razão as moles humanas se alienam por completo na cegueira por que se deixam possuir na defesa da parte que preferem. E é precisamente essa obstipação mental que tenho por alucinante e criticável.
O desprezo que nutro pela alienação a que as massas populares são conduzidas por este tipo de eventos só me leva a chamar-lhes bafordos pois não conheço no léxico português palavra mais feia.
Julho de 2014