BAFORDO
“Bafordo” deve ser a palavra portuguesa, dentre todas as que conheço, aquela que foneticamente é mais desagradável ao meu ouvido; pelo contrário, “alguidar” soa-me lindamente.
E se toda a gente sabe o que é um alguidar, já serão menos os que sabem o que é um bafordo.
Pois bem, foi com um desses que Portugal preparou a conquista da sua própria independência.
Com o quê?
Exactamente, com um bafordo que ocorreu no vale do Vez.
E se o meu leitor já estava confundido, com esta particularidade geográfica, mais baralhado deve ter ficado.
Mas se eu lhe disser que a «bafordo» é mais comum chamar «torneio», então já o esclarecimento assoma ao horizonte. Mas não é exactamente o mesmo. O torneio era um entretenimento dos cortesãos em tempo de paz; o bafordo era à séria.
Então, era assim: quando as relações internacionais se azedavam lá pela Idade Média e os Senhores decidiam «ir às ventas» do antagonista - mas constatando que havia um grande desequilíbrio de forças putativamente beligerantes - nomeavam interlocutores que combinavam a substituição duma batalha por uma peleja em que um determinado número de cavaleiros se batia individualmente com igual número da contraparte; os juízes - todo poderosos e sem apelo - eram clérigos em igual número de ambas as facções a quem competia determinar qual a parte vencedora. E Deus era testemunha.
Como se pode constatar, a «coisa» era a sério. Mais: sem apelo. Até porque divinamente testemunhada por interpostas pessoas, os clérigos.
E foi no vale do Vez que D. Afonso Henriques convenceu o seu primo D. Qualquer Coisa[i] a substituir uma batalha por um bafordo como o descrito acima.
E ganhámos!
Ora, como pouco antes deste episódio também ganháramos o confronto travado em Ourique no regresso do fossado sobre Sevilha, o entusiasmo era grande e o nosso futuro rei fundador logo confirmou que por aqui era ele a mandar e não esse tal D. Qualquer Coisa.
Passados mais de 15 dias sobre estas ocorrências, eis-nos metidos em novas pelejas a que ninguém chama bafordos porque não há testemunha divina. Mas a tenacidade é equivalente e a alienação muito maior.
Hoje, começamos o bafordo moscovita. A diferença está em que o do Vez foi importante e este é só alienante.
A ver quem ganha…
15 de Junho de 2018
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Afonso VII de Leão e Castela