AS VACAS DO «AVANTE»
Nascido em 1945, lembro-me muito bem de, por vezes, aparecer na nossa caixa de correio um jornal chamado «Avante» impresso num papel muito fino quase ao estilo do que então se usava para o correio aéreo. Lembro-me de por mais de uma vez ter tentado ler o dito jornal e de logo às primeiras linhas ter desistido da leitura por total falta de interesse. Não dei por que mais alguém lá em casa se interessasse por ele. Lembro-me dele, sim, no lixo quando lá fui despejar qualquer sebência. Conversando à mesa de jantar na ocorrência duma dessas raras aparições jornalísticas então clandestinas,, constatei que só a minha mãe e os meus avós tinham dado pelo jornal e ficámos a saber que tinha sido o meu avô que, depois de lhe dar uma fugaz mirada, o pusera a caminho do húmus. Foi o meu pai que explicou ser aquele o jornal do Partido Comunista e que, se um dia chegasse ao Poder, nos tirava os prédios. Adolescente, não precisei de mais explicações para me tornar anticomunista. Até hoje. Só que, hoje, com mais alguns argumentos…
Apesar de aqueles serem tempos da clandestinidade do PCP, eles eram também os das vacas gordas pois a URSS investia fortemente no derrube de Salazar e de Franco para os respectivos Partidos Comunistas tomarem o Poder e, daí, se estrangular a Europa entre a Cortina de Ferro e uma Península Ibérica comunizada. E assim continuou até à falência do comunismo em finais de 1989.
Caída a URSS, cessaram os apoios financeiros ao PCP tendo este que passar a fazer pela própria vida. Emagreceram as vacas mas o monolitismo doutrinário manteve-se. O enorme património imobiliária adquirido nos tempos delas gordas, não rende pois continua, romanticamente, a albergar os «Centros de Trabalho» onde nada se produz e tudo se consome; os descontos obrigatórios que os eleitos em listas comunistas fazem para apoio à tesouraria do Partido estão queda pois os eleitos são cada vez menos e o mesmo se diga da tendência dos apoios públicos (uma verba fixa por cada voto recebido nas urnas).
Numa perspectiva claramente minguante, o PCP vê-se a braços com as consequências do seu dogmatismo: perda de comunicação, perda de peso político, perda de receitas.
E as vacas cada vez mais magras…
Resta-lhes um punhado de erva, a que cresce na «Quinta da Atalaia».
Não sei adivinhar o futuro mas creio que o BE dificilmente aceitará a integração do PCP sob pena de se esgatanharem todos e o caldo se entornar por completo. Até não é má ideia; aqui fica a sugestão.
Mais uma vez, o determinismo histórico marxista a revelar-se às avessas contando-se já as costelas às vacas do Avante.
Agosto de 2020
Henrique Salles da Fonseca