ARÁBIA FELIX – 16
Regressados, não nos pararam na Alfândega da Zona Franca e chegámos a Aqaba já estava o Sol posto. Foi-nos, então, proporcionada uma volta pela cidade que à noite é muito mais bonita do que de dia. Não nos apeámos do autocarro e seguimos para o barco; eram horas de jantar e o pessoal de bordo tem direito a que os passageiros não se atrasem muito.
Estávamos a jantar quando vimos as luzes de Eilat a mexerem-se de um lado para o outro do janelão do restaurante. Zarpávamos para fazermos o périplo da Península do Sinal, nos lançarmos pelo Canal de Suez além e abandonarmos as Arábias por Port Saïd rumo ao Pireu.
Foi durante a minha noite dormente que passámos frente a Sharm El Sheik que eu já conheço vista do ar num espectáculo fabuloso de luzes, tornejámos o cabo Ra’s Muhammad, extremo Sul do Sinal e rumámos a Norte.
Amanheceu um pouco antes da entrada do Canal de Suez e coube-nos liderar um comboio de alguns navios que pretendiam o mesmo que nós, subir o Canal. Vindo de Eilat, o nosso companheiro «Costa» alinhou a trás de nós; depois dele, vários cargueiros que perdi de vista lá para trás. Pena, pena, foi termos perdido as vistas do Golfo do Suez; mas não se pode ter tudo, paciência.
E, uma vez entrados no Canal, eis-nos com terra à vista de ambos os lados. E que vimos? Muito!
Parece pouco mas é muito: uma linha verde contínua, paralela à costa, autêntica barreira de contenção do deserto. E isto, em ambas as margens. Perante o clima local, a linha no Sinai só pode ser mantida à custa de água dessalinizada enquanto a do lado africano ainda posso admitir que venha do Nilo. Virá? De qualquer modo, é uma obra magnífica seja ela com água daqui ou dali. E desde já faço notar que estas linhas se mantiveram ininterruptamente, apesar das obras, cidades e outras ocorrências que entretanto acontecem de permeio. Parece pouco? Talvez pareça, mas a mim pareceu-me muito e bom. Outras linhas se lhes seguirão e o futuro está por ali definido como uma luta titânica contra o deserto. E digo deserto, não digo desertificação porque naquelas paragens não é possível desertificar mais a Natureza que já o é plenamente; a mudança aponta no sentido da des-desertificação, da verdificação. É evidente que muito está por fazer mas o caminho está por ali traçado e é com esperança que vejo o Egipto a olhar para a frente.
Oxalá o verde chegue a tempo de ocupar os radicais muçulmanos e de os distrair do ócio e das ideias abstrusas a que o deserto os tem condenado.
(continua)
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca