AQUI, ONDE A TERRA ACABA…
DA PERTURBAÇÃO FRANCESA
Corroborando o que escrevi no último parágrafo do pequeno texto intitulado “Da Francofonia – a fronteira de Waterloo”, publicado em 21 de Abril de 2019, considero que a Nação Francesa anda perturbada.
Deixei subentender que haveria de me lançar na busca das razões – mais profundas ou mais superficiais, não especifiquei – dessa perturbação.
Não esperava, contudo, ter em Raymond Aron (cujas «Memórias» continuo a saborear) um auxiliar inesperado na identificação de uma circunstância que ignorava totalmente. Vem na pág. 62 da edição que venho lendo [i] e dali respigo o que chamou a minha atenção:
Que outra guerra foi mais prolongada, cruel e estéril do que a de 1914-18? As paixões que a tinham legitimado, os jovens que tinham vinte anos em 1925 [ii], já não partilhavam delas, até lhes custava imaginá-las. A maioria de nós vivera esta guerra de longe, sem sofrer. Os próprios que a tinham feito, ou os órfãos, detestavam-na sobretudo por não considerarem que as recompensas da vitória justificassem os sacrifícios. A revolta passava por um antimilitarismo que a filosofia de Alain [iii] transfigurava. Este antimilitarismo contribuiu, de qualquer maneira, para a desmoralização do Exército.
Estes sentimentos levaram ao comunismo, à vontade revolucionária ou à política de reconciliação com a Alemanha (hostilidade à ocupação da bacia do Ruhr, redução das indemnizações, seguidas no início dos anos 30 da evacuação antecipada da Renânia), ou ainda à recusa do serviço militar, ora sob a forma de objecção de consciência, ora como a de Alain (recusa de galões), ora como a do anarquismo.
Faz Aron entretanto uma meditação sobre as perspectivas do pacifismo do crente, do filósofo e do revolucionário mas creio mais pragmático meditarmos nós, aqui e agora, se a recusa dessa parte significativa da Nação Francesa em continuar a suportar sacrifícios não seria, antes do mais, a antecipação do «TUDO, JÁ!» que o pós-modernismo nos dá actualmente, no desapego de qualquer ética do dever perante o bem comum ou, mais remotamente, um revivalismo da ética platónica do prazer.
E se, mais prosaicamente, apelidarmos essa atitude de pura irresponsabilidade, de cruel egoísmo, de ruptura de todo o sentimento nacionalista e de abandono da Pátria à sorte que o acaso lhe traga?
Meditemos…
Mas creio que será sobretudo aos nossos amigos franceses que competirá meditar mais profundamente do que o faço, eu que estou bem longe, onde a terra acaba e o mar começa.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - GUERRA & PAZ, 1ª edição, Fevereiro de 2018
[ii] - Caso do próprio Aron que nascera em 1905
[iii] - Émile-Auguste Chartier