APIREXIA - 1
(estado de quem não tem febre)
De acordo com a informação oficial, em Julho de 2019, o índice de preços no consumidor em Portugal desceu 0,3% em relação ao período homólogo (Julho de 2018). Diz o INE que o fenómeno se ficou a dever à baixa nos preços praticados na restauração e na hotelaria bem como à redução do IVA no gaz e na electricidade.
A ser assim, dá para ficarmos mais tranquilos do que ficaríamos se a baixa dos preços resultasse de causas mais profundas, nomeadamente de políticas públicas activas.
Efectivamente, a euforia que reinava na hotelaria e na restauração tinha que abrandar sob pena de levar os turistas para outras paragens e, de repente, ficarmos todos a xuxar no dedo por termos partido a «corda» de tanto dela abusarmos. Se os empresários do sector se decidiram por alguma moderação, só demonstraram sensatez. O caminho por que vinham trilhando era favorável ao Norte de África como destino turístico, apesar de alguns perigos que sempre se perfilam por aqueles azimutes.
Relativamente à redução do IVA, trata-se de uma medida administrativa de cariz pré-eleitoral sem qualquer relevância na análise económica ou da conjuntura financeira global. Não quer isto, contudo, dizer que a medida não tenha consequências na problemática orçamental, no equilíbrio das contas públicas e na redução do stock da dívida. Mas isto é futuro e o que por agora interessa é o passado.
O perigo seria que a deflação resultasse das restrições orçamentais em curso pela via das cativações mas, pelos vistos, quem está na posse dos números (INE), não assesta armas nesse sentido como acima refiro e eu fico muito tranquilo. Mais: respiro mesmo de alívio ao constatar que a presente deflação resulta da correcção de exageros e não de sangria de fundos que fizessem efectiva falta à economia, que a política em curso de anulação do défice público não encontrou aqui qualquer obstáculo e que a eleitoralista redução do IVA deixa adivinhar que existe alguma almofada por aí escondida onde possamos descarregar o peso de alguns actos de manipulação polítiqueira.
Perigoso seria que os preços tivessem baixado como reacção a uma quebra involuntária da procura e isso, sim, seria escandaloso quando o modelo socialista de desenvolvimento tem no consumo um motor que considera importante. Mas não, o consumo interno continua puante, a balança de bens até já voltou aos défices, o endividamento sobre o exterior está impante, o crédito às famílias a retomar tempos anteriores à troika, a bolha da habitação a dizer que há muita gente que não aprendeu nada.
Sim, ensandecidos mas em apirexia.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca