ANDA COMIGO – 5
Salamanca no retrovisor, Castilla la Vieja debaixo das rodas do «pão de forma» na rota de Valladolid e Burgos. Seriam 300 quilómetros por estrada que veio a ter muito melhores dias.
Paisagem ocre, vegetação rara, sequeiro seguido de mais sequeiro, morros por aqui e por ali com qualquer coisa que não percebi à primeira vista. No morro seguinte, preparado, olhei com afinco e vi que eram aberturas ao estilo de portas e janelas. Nem quis acreditar que houvesse gente a viver naquelas condições – falta de condições. Na altura, não sabia mas hoje chamo-lhes trogloditas. Em Julho de 1961 havia trogloditas em Castela. Não havia a História de se referir à rudeza dos Conquistadores castelhanos da América… Ainda por cima, a contas com a Justiça. Nesta nossa travessia, vimos uma terra madrasta geradora de sobreviventes, não de finuras.
Lastimavelmente, Valladolid varreu-se-me. Um pedido de perdão aos valladolidenses. Que lástima!
Afinal, os cabos telefónicos pendurados em árvores mortas eram um sinal do progresso já conseguido depois da guerra civil e apesar do embargo. Não era atraso, era sinal de tenacidade. Mas isto sou eu hoje a pensar porque à época me limitei a ver e a registar a informação.
Um salto no tempo e comparar aquela miséria com a pujança da actual Espanha. Caramba, tem sido obra!
Burgos à vista cá de longe, imaginei Filipe II e seu séquito a cavalo por aquela paisagem poeirenta a caminho da cidade e o Arcebispo D. Cristóbal Vela Tavera a vir ao seu encontro com o cabido reverente… E o Alcalde? Não sei, não o imaginei. Nem sei quem pudesse ser.
Desta vez, entrámos em Burgos com menos pompa que Filipe II. Como já ia sendo costume, demos uma volta pela parte histórica – com passagem obrigatória pela Catedral – e saímos rumo a Vitória. Seriam cerca de 150 quilómetros, nada que o «pão de forma» temesse.
A paisagem continuou amadrastada. Com uma diferença: aqui e ali, em zonas mais baixas, tufos verdes a assinalar água. O que se via à distância era o arvoredo mas alguma coisa mais devia haver. Notei que nalguns casos, essas zonas estavam muradas e pareceu-me, num caso ou noutro, vislumbrar uma casa lá no meio. E quanto mais nos aproximávamos de Vitória, mais frequentes eram essas manchas verdes. Até que chegámos e o Bispo não veio receber-nos ao caminho. Não faltaria muito para que a noite se anunciasse e era hora de escolher poiso. Saímos da cidade e procurámos um sítio sem vacas.
De facto, na manhã seguinte não havia vacas, desmontámos o acampamento e fizemo-nos à estrada rumo a San Sebastian, uma centena de quilómetros.
A paisagem modificou-se completamente e o verde passou a ser a cor dominante. Cercas brancas de contenção de gado, agricultura com água à farta, vilas limpas e com bom aspecto. Mas, não esquecer, estávamos em Euskadi.
Fiquei deslumbrado com a baía de San Sebastian e achei a cidade muito cosmopolita. Já não era aquela Espanha por que passáramos, ocre, seca, agreste, com vacas à mistura e muita imaginação de reis e arcebispos.
Europa à vista, cheirou-me.
Amanhã há mais.
(continua)
Abril de 2020
Henrique Salles da Fonseca