ANDA COMIGO – 21
Foi no séc. XIX que Júlio d’Andrade comprou as ruínas que tinham sido o Castello di Pavone, em Ivrea, a meio caminho entre Aosta e Turim. Era esse o nosso destino onde nos aguardava toda a família dos meus companheiros de viagem, os proprietários do castelo. Para além da família restrita, estavam também uns primos italianos que ocupavam o quarto que tinha sido imaginado para mim. Daí, fiquei na «sala de armas» numa confortável cama de campanha colocada aos pés de uma armadura de corpo inteiro que os anfitriões, no meio de grande galhofa, cuidaram de me demonstrar que estava vazia, sem vivo nem vestígios de fantasmas.
Ficaríamos, sem prazo certo, o tempo suficiente para descansarmos e visitarmos os pontos de interesse na região subalpina.
Assentados e descontraídos, visitámos a fábrica da Olivetti cuja sede ainda era naquela cidadezinha. Num dos dias seguintes, fomos a Turim (a cerca de 50 quilómetros), sede da Fiat (que não visitámos) e, como nas outras cidades por que já passáramos, demos uma volta de carro para ficarmos com uma ideia genérica daquela que me pareceu uma magnífica cidade. À semelhança da Praça do Giraldo de Évora, vi muitas arcadas e deu-me para pensar se esta solução corresponde ao abuso do espaço público, o passeio, a entrar pelos prédios dentro ou se, pelo contrário, são os prédios que se voluntariam na protecção do espaço público. Há 75 anos que não chego a uma conclusão mas também digo que não estou muito nem pouco preocupado.
Daí a uns dias foi o próprio Dr. Ruy D’Andrade que nos levou a visitar uns quantos castelos ao longo do Vale d’Aosta que, à semelhança do seu aquando da compra pelo seu pai, estavam em ruínas e foram reconstruídos. No caso do castelo dele, a expensas exclusivas do seu pai, nestes outros, por uma parceria entre uma Associação (dos amigos dos castelos?) e o Estado Italiano. Uma particularidade a merecer nota: o castelo dele está situado num morro com domínio visual duma grande extensão do vale, tinha uma vocação militar e administrativa; estes que agora visitávamos tinham uma missão administrativa, sim, mas sobretudo de apoio aos peregrinos a caminho de Roma ou de outros locais de romagem e, por isso, se situam na planície, no caminho mais natural dos romeiros. Abertos ao público, todos tinham um guarda residente com a missão de cicerones e de «sinaleiros» de alguma obra de conservação necessária. Todos velhotes, reformados de uma qualquer outra função, acolhiam o Dr. Ruy como um patrão amigo que saudavam à moda antiga na região, três beijinhos cerimoniosos.
Passado mais um dia ou dois e o nosso Comandante começou a dar sinais de que estava na hora de seguir caminho rumo a Genève, a cidade do repuxo.
(continua)
Maio de 2020
Henrique Salles da Fonse