ANDA COMIGO – 18
Unter den Linden, Ópera, Kurfürstendamm (ou apenas Kudamm), Porta de Brandenburgo… e aquilo tudo cheio de obras…
E de quem havia eu de me lembrar? De Herbert von Karajan que devia andar por ali, algures e de Gustav Steinbrecht – dois tipos tão diferentes e, contudo, foi em Berlim que ambos se notabilizaram: um, como intérprete da música erudita; o outro, como autor consagrado de um método de equitação ainda hoje louvado apesar de menos seguido do que o desejável.
… e aquilo tudo cheio de obras…
- Deixem estar. Temos muito que ver deste lado, não vale a pena irmos a Pankow que é o Sector Soviético. Se os alemães de leste só pensam em vir para cá, que vamos nós lá fazer? Já vimos o suficiente ao longo da autoestrada. – assim falava o nosso Comandante. E não fomos.
Até que já estávamos cansados de voltas e mais voltas, já tínhamos uma ideia do que era Berlim ocidental, não nos importámos nada de rumar ao camping, armar a tenda e descansar um pouco debaixo daquelas árvores até que fossem horas de jantar. E assim foi. Até que foram horas de silêncio em todo o parque.
Seriam umas 4 da manhã quando fomos acordados por uma voz portuguesa junto do «pão de forma». Era um funcionário do nosso Consulado (se a memória não me atraiçoa muito) que andava à procura de portugueses nos campings da cidade para nos mandar embora imediatamente.
- Mas…?
- O Senhor desculpe mas as perguntas deve-as fazer quando chegarem à Alemanha Federal. Por onde vieram?
- Por Braunschweig.
- Muito bem, é por lá que devem voltar e despachem-se para não perderem muito tempo na fila aqui à saída. Quanto mais rápidos, melhor.
Percebemos que a hora não era de perguntas mas sim de marcha.
Marchámos mesmo dali para fora. Chegámos à entrada do corredor com destino a Braunschweig e, contra as expectativas, o expediente foi rápido: não eramos alemães de leste em fuga, podíamos sair e quanto mais rápido, melhor.
No regresso, com o dia a nascer no retrovisor, a viagem pareceu mais rápida e quando chegámos à liberdade, perguntámos e ficámos a saber que poderíamos contar aos netos que tínhamos visto a construção do Muro de Berlim.
Nem Zaratustra falara com tanta sabedoria como o nosso Comandante quando decidira não irmos a Pankow.
Parámos o «pão de forma» à entrada de Braunschweig ainda à vista da «cortina de ferro», apeámo-nos, olhámos para trás, respirámos fundo, pensámos coisas horríveis contra o regime esclavagista e pisgámo-nos para longe da porta do Inferno Vermelho.
Como se chama a um pensamento votivo em que se formulam ideias medonhas? Não por certo uma oração.
Ainda faltavam 28 anos e 3 meses para que aquele Inferno se desmoronasse. Em vez de pensamentos horríveis contra os algozes, devíamos ter pedido pelas suas vítimas. Claramente, não é pela negativa que se salva a Humanidade.
(continua)
Maio de 2020
Henrique Salles da Fonseca