ANDA COMIGO – 16
Com tanta andança, o curso passou como um «augenblick»[i] e, mal demos por nós, já era hora de emalar a trouxa.
E aqui vamos nós…
De Verden rumámos a Norte para darmos uma volta por Hamburgo já que das vezes em que fôramos a Holstein e ali ao lado à procura do «leiteiro», tínhamos passado por lá como raposa por vinha vindimada. E nesta volta vi o mesmo que já tinha visto em Bremen: as ruínas da guerra que ainda vira dois anos antes, tinham desaparecido completamente e a cidade vibrava de energia como se nada tivesse acontecido tão pouco tempo antes. Sim, uma cidade da famosa «Liga Hanseática» que nas matrículas dos seus carros continuava a ostentar «HH» - «Hansastadt Hamburg» significando «cidade hanseática». O mesmo em relação a Bremen com as matrículas «HB»[ii]. E, na falta do famoso «Derby» que naquele ano já se realizara, limitámo-nos a passar no recinto que se situa no meio de um parque enorme no Langnese que é uma zona chique ao longo da margem direita do Elba que, apesar de todas as sarrafuscas, continua a passa por ali a caminho do Mar do Norte.
Retomando o caminho do Norte, o destino era no Mar Báltico, Kiel, a uma centena de quilómetros.
Fomos a casa do Capitão do Porto que era primo da cunhada da tia não sei de quem… Lembro-me de ter visto uns navios atracados na margem oposta do porto e lembro-me duma salada de batata que foi servida ao jantar e de que gostei muito - a ponto de me lembrar dela 59 anos depois de a ter comido. Não tive lata de me servir segunda vez mas vontade não faltou. Mais que isto, olhei para o Báltico ali mesmo à nossa frente, cinzento e encrespado e pensei na tragédia do «Wilhelm Gustloff», navio de cruzeiros alemão torpedeado já em 1945 por um submarino soviético durante a evacuação dos alemães residente em Königsberg na Prússia Oriental entretanto tomada pelo Exército Vermelho. Morreram mais de nove mil pessoas, tantas quantas assim não chegaram a Kiel[iii], precisamente àquele sítio onde eu estava naquele momento - o cais das almas.
E, a propósito de Königsberg, lá ao fundo longínquo deste mar, lembrei-me de dois que lá ficaram enterrados: Immanuel Kant e o nosso Marquês de Alorna, D. Pedro Almeida Portugal, que partira para França desgostoso por o Duque de Lafões, membro da Junta Governativa que funcionou entre a partida da Família Real para o Brasil e a primeira invasão francesa, não o ter deixado defender Olivença das tropas franco-espanholas e que, numa reviravolta, decidira aderir à causa napoleónica e acompanhar o Imperador na acção de sacudir as teias de aranha da velha realeza europeia. Mas a desmedida ambição de Bonaparte levou-o a «esticar a corda» e a ser batido pelo General Inverno russo. E assim foi que o nosso Marquês, arrastando-se na retirada, acabou em Königsberg. E lá está. E se Kant lá pode ficar porque em vida nunca de lá saiu, o nosso Marquês bem podia ser trasladado para Almeirim já que é tempo de fazermos as pazes com a História.
Arrumados os talheres nos pratos a dizer que chegáramos ao fim, dados os dedos de conversa protocolar para que não fosse «comida feita, companhia desfeita», foi a hora da despedida e dos agradecimentos.
Fomos pernoitar num qualquer camping que esqueci e no dia seguinte começaríamos nova grande aventura…
(continua)
Maio de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - literalmente, «piscar de olhos» significando «instante»
[ii] - O mesmo relativamente a Hannover que já não sou capaz de recordar como eram. Aguardo que um leitor me ajude – no modelo do pós-guerra, não as matrículas actuais.
[iii] - https://pt.wikipedia.org/wiki/MV_Wilhelm_Gustloff