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A bem da Nação

ANÁLISE DE RISCO

 

Eis, a partir de um artigo de opinião publicado há dias no Público[i], as perguntas que por aí correm…

… «O que quer a Holanda? Continuar a ser o país que, a seguir ao Luxemburgo, mais beneficia do mercado interno? Preservar o Euro? Manter as sedes das multinacionais europeias graças a um sistema fiscal altamente “competitivo” que suga os impostos de outros países? Tudo isto sem custos?

Eis a minha resposta: - Exactamente, é isso mesmo que a Holanda quer e tem as suas razões para assim querer.

Tudo – perguntas e resposta – no âmbito da questão política europeia resultante da criação de um instrumento (orçamental plurianual) de recuperação da crise económica provocada pela pandemia.

Explico-me:  as divergências Norte-Sul resultam de conceitos de vida, de modos de governação, de níveis de educação, de civismo.

A dicotomia europeia também se pode definir entre países frugais (os doadores, do Norte) e perdulários (os recebedores, «da Coesão», do Sul).

Creio, contudo, que há perspectivas que não têm vindo à colação mas que explicam muitas diferenças. Casos de Polícia à parte, atenho-me apenas a questões estruturais. Tomemos a Holanda como exemplo dos doadores e Portugal como representante dos recebedores.

Conceitos de vida – Tanto Calvino (teólogo muito influente sobretudo na Suíça e na Holanda) como Lutero (Alemanha e Escandinávia) afirmavam que só o trabalho a favor do bem-comum agradava a Deus e, daí, ser o garante da salvação do pecador. Divinizado o trabalho de utilidade global, vá cada um de inventar o seu próprio meio de salvação eterna. Assim floresceu o empreendedorismo protestante, calvinista e luterano. Por contraste, a teologia católica garantia a salvação eterna através do financiamento da Igreja, a fracturante questão do «negócio das bulas». O catolicismo não divinizou o trabalho e, naquelas épocas remotas, não definiu o bem comum terreno como algo a estimular. Resumindo, uns trabalham com o fito de se salvarem; os outros «seek for rents» venham elas donde vierem desde que suficientes para pagar a salvação. Laicizados os tempos e desatemorizada a ira divina, restaram conceitos de vida substancialmente diferentes: o do trabalho para uns; o do desenrascanço para outros.

Modos de governação – Naturalmente, a governação de uma sociedade produtiva e auto-motivada para o bem como pode ser diferente da governação de uma sociedade descentralizada por não ter outra motivação que não o bem estar individual com grande motivação no consumo. À sociedade auto-controlada basta uma administração definidora de parâmetros e medidora da respectiva execução, à sociedade «quântica»[ii] pode haver necessidade de prover uma administração também executante, bastante mais pesada que a meramente medidora. O refinamento da governação orientadora está na parametrização genérica; a administração executante vicia-se em «meter o nariz» em tudo e, com frequência, no moderno «negócio das bulas» a que geralmente chamamos corrupção. A administração de uma sociedade auto-controlada é naturalmente menos dispendiosa do que  uma que tem que/quer meter-se em tudo; uma sociedade produtiva gera mais meios de pagamento que uma vocacionada ao consumo; a carga fiscal «per capita» pode ser mais ligeira na sociedade produtiva do que a pesada administração exige na sociedade «quântica».

Níveis de educação e de civismo – A educação sempre foi considerada nas sociedades protestantes como um instrumento essencial para que se pudesse alcançar um nível tão elevado quanto possível na contribuição para o bem comum. Daí, o desaparecimento há muitas gerações do nosso flagelo que é ainda o analfabetismo adulto. Uma pessoa instruída tem naturalmente maior capacidade contributiva para o bem comum do que um analfabeto; um instruído tem, naturalmente, um grau de consciência social mais sofisticado do que um analfabeto.

* * *

É por todas estas razões – e por mais algumas de que me possam ter escapado – que a Holanda quer…

… continuar a ser o país que, a seguir ao Luxemburgo, mais beneficia do mercado interno – pois produz o que os «da Coesão» não produzem e gostam de consumir…

… preservar o Euro – como moeda forte, que inspira confiança a quem dela se serve, pois uma moeda fraca não inspira confiança  e sem confiança não há economia que funcione sobretudo quando as políticas cambiais servem sobretudo para ocultar problemas de competitividade…

… manter as sedes das multinacionais europeias graças a um sistema fiscal altamente “competitivo” que suga os impostos de outros países? – permitindo que a concorrência fiscal na UE seja uma realidade com um sistema de contas uniformizado, com um apuramento competitivo da matéria tributável e com taxas a aguçarem essa mesma concorrência até que cheguemos a uma minimização da carga fiscal pelo aligeiramento dos custos das administrações públicas e ao desaparecimento do moderno «negócio das bulas».

E tudo isto sem custos? – Não! À custa de muito trabalho inventivo em prol do bem comum. À custa da discussão periódica em eleições dos diversos conceitos de bem comum com cada Partido a apresentar a sua própria proposta de bem comum, nada tendo a ver com lobbies clubistas de interesses mas particulares que gerais.

Perante um cenário destes, concluo com uma pergunta: - Que outra análise de risco deve um prudente aforrador fazer?

Julho de 2020

Henrique Salles da Fonseca

 

[i] - Fernando Venâncio

[ii] - Eufemismo de trapalhona

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