AMAZÓNIA – 6
Todas as pessoas a quem dizíamos que íamos à Amazónia nos vaticinavam perigosíssimos encontros com o Zika e com outras criaturas medonhas, malvadas e perniciosas.
Mas ir à Amazónia e não encontrar mosquitos seria o mesmo que ir a Lübeck e não encontrar Thomas Mann. É que o escritor andou muito por fora e, portanto, o desencontro não seria difícil. Assim terá sido com o velho Zika que deve ter emigrado e não lhe vimos o rasto.
Marginalmente interessados no tema, logo à chegada perguntámos por ele e foi-nos de imediato garantido por um taxista – logicamente, profundo conhecedor de Entomologia, um verdadeiro sábio – que não havia por lá qualquer registo de algum turista atacado pelo Zika. Ouvi e calei pois que me senti incapaz de pôr em causa tanta ciência certa e exacta. Limitei-me a pensar (maldosamente, claro) que qualquer turista que se zikasse haveria de ir morrer à sua terra natal e Manaus continuaria imune a tão blasfemo registo. É que o prazo de incubação da moléstia é mais longo do que a estadia normal de um turista naquelas paragens e, portanto, as estatísticas locais apontam para o nihilismo zikal e a propaganda noticiosa é que é torpe e mal intencionada. O bichinho até não faz mal a ninguém desde que se esteja alfeire[1].
Na dúvida, cumprimos as sugestões que há anos nos deram na Consulta do Viajante quando fomos a uma zona muito palustre, o Crocodile River no Kruger Park, na África do Sul: alguns dias antes da viagem, começar a tomar um qualquer complexo de vitamina B para exsudarmos ácido e o mosquito não poisar em cima de nós; comprar num qualquer supermercado e usar uma dessas pulseiras que se diz afugentarem a mosquitada; pôr o ar condicionado no máximo do frio enquanto estivéssemos fora do quarto e pô-lo moderadamente quando lá estivéssemos para não apanharmos uma pneumonia e morrermos da cura em vez de por via da moléstia. E assim é que já chegámos a Lisboa há uns quantos dias e de Zika nem sombras.
Mas certa manhã fui ver o nascer do Sol à varanda do camarote e notei que houvera durante a noite um suicídio colectivo da mosquitada pois o chão estava quase todo coberto de cadáveres dessas alimárias malignas. Senti-me nas exéquias do escritor alemão mas sugeri às simpáticas faxineiras que fizessem o que melhor achassem. E foram esses os únicos mosquitos de que dei nota em toda a Amazónia que visitei.
Em compensação, vi calmíssimas preguiças, amistosas e sorridentes, que amolecem o coração do mais céptico forasteiro que se lhes junte às cercanias. É fantástico o contraste que essas «tender and sweet creatures» fazem com a macacada saltitante, irrequieta e banano-dependente. Fiquei fã dos “macacos de cheiro” que hão-de ter um qualquer nome científico que ignoro por completo mas que algum leitor encontrará a partir da imagem de um deles em cima da minha cabeça.
E que mais vi? Muito mais...
Houve um filme intitulado «Dança com lobos» (que, afinal, era só um) de que me lembrei quando a cobra sucuri se enrolou à minha volta e me obrigou a trejeitos para me soltar sem repelões e sem ela se afligir.
E quanto a bicharada fico-me por aqui pois acabei por não pegar no crocodilo de um metro que estava ali na aldeia cabocla para turista se fazer fotografar e muito menos no paizinho dele que tem «só» quatro metros.
Também não nadei com piranhas.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
[1] - Não prenhe