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A bem da Nação

ACTIVIDADE POLÍTICA E CONSCIÊNCIA CRISTÃ – 2

 

Responsabilidade cristã.jpg

 

O poder normativo do cristianismo na sociedade secular

 

Em termos cristãos, a dignidade humana implica o sentido da vida e a ressurreição confere-lhe optimismo.

 

O cristão é chamado a preocupar-se sobretudo com a parte da vida que passa na terra; se o faz com responsabilidade, o resto ser-lhe-á dado por acréscimo. Um provérbio português recorda: “religião quer-se como o sal na sopa”… sem ela a vida não teria sabor, mas em demasia, como se verifica da experiência muçulmana e da guerra dos 30 anos, torna a vida salgada.

 

O cristão é um ser aberto em diálogo, que forma e se forma na interlocução com a natureza, com o outro e com ele próprio em Deus; por isso não se define através de uma cultura. É uma proveta reagente de terra e céu em contínuo processo de desenvolvimento. Os seus instrumentos de abordagem da realidade e de realização são os sentidos e em especial a razão e a fé; estes não precisam de contradizer-se, são ao mesmo tempo luz e energia no processo de desenvolvimento individual e social.

 

A fé cristã é global (daí o termo “católica”, “universal”) e, como tal, a igreja tem que estar disposta a fazer compromissos, porque é integral, não exclui ninguém na consciência de que todos somos filhos de um Deus sem crenças (a revelação divina também se verifica na natureza e na História). Sim porque Jesus Cristo, o ser humano é feito de céu e terra! Para o político cristão, toda a pessoa, todo o cidadão tem filiação divina e constitui o centro da política. Já São Paulo dizia que o ser humano está chamado à liberdade na solidariedade com o Homem na qualidade de companheiro; o Homem é portanto o lugar da liberdade.

 

O poder normativo judeo-cristão espalhou-se por toda a Europa e por todo o mundo. Na sua visão holística, embora com muitos momentos de história escura e triste, influenciou e influencia o agir mundial individual e socialmente: liberdade, democracia, Direitos humanos, Estado de Direito, a igualdade dos géneros, uma solidariedade social que ultrapassa a sebe do crente, desenvolvimento sustentável e boa governação. Um “Deus pai” implica a visão global do Homem como irmão e uma comunidade católica (cosmopolitismo, globalismo) baseada na ética do amor ao próximo (estranho) e a Deus. Os direitos individuais são sagrados. O cristianismo é uma religião do chamamento; missionar o mundo dá-se como oferta, sem coacção. O político cristão está consciente do cristianismo como seu tecto espiritual que dá consistência e identidade a um povo chamado a espalhar a Boa Nova.

 

No contexto das civilizações, a mensagem cristã subsistirá sempre como a religião do Homem e da humanidade, não podendo ser reduzível a uma cultura; neste sentido a teologia fala também dos cristãos anónimos; o protótipo do Homem é Jesus Cristo (que une em si Céu e Terra) e não uma cultura.

 

O político cristão está chamado a propagar a ética cristã como directriz da sua política. Cristo assume responsabilidade por si e pelos outros o que quer dizer que o cristão não pode ser indiferente ao que acontece politicamente “lá fora”. Para ele, fora e dentro são partes da mesma realidade. A consciência é a directriz da acção cristã e o bom agir a sua prova.

 

O papa Bento XVI resume a tradição humanista da igreja, já repetida originariamente na teologia e por outros papas da Idade Média, nas palavras seguintes: "Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se fosse necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica." Isto mostra a dignidade da Igreja Católica no respeito pela pessoa humana; a instituição, a religião não se coloca sobre o Homem; a sua matriz é o Homem, por isso não se reduz a uma doutrina, como revela a pessoa do Mestre. “Cristo é tudo e em todos” (Col 3,11). A sua pessoa (independentemente do religioso) é programa para todo o Homem e para todas as instituições do mundo sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas (Nele se processa a inclusão do humano e do divino). A interpretação disto depende como sempre do espaço individual e da consciência humana no “aqui e agora”.

 

Uma política do desenvolvimento só é possível mediante o compromisso necessário perante a diversidade de situações e de pessoas. Por isso o político age no sentido do melhor compromisso de responsabilidade moral e não apenas pragmático.

 

A realidade humana exige compromisso e responsabilidade não deixando ninguém inocente. Nas decisões parlamentares, determinam-se leis, como o exporte de armas, o aborto, em que o cristão se torna também culpado. É contra o aborto mas tem de respeitar as decisões maioritárias para a generalidade. Na qualidade de cristão deve trabalhar para que a sociedade adquira uma outra atitude e, para isso, o cristão só possui o instrumento da palavra e do exemplo.

 

O cristão é um ser inacabado, feito de sagrado e profano; aberto e em aberto, com uma referência: JC a síntese da matéria e do espírito.

 

Nas coisas do mundo, quanto menos sei, mais sei que sei! Mas se mais reflicto, quanto mais sei, mais sei que não sei! Logo, quanto mais sei menos sei que sei... O físico e matemático Isaac Newton dizia: “O que sabemos é uma gota de água; o que não sabemos é o oceano”! De facto, só quem perde a inocência pode permanecer virgem!...

 

A doutrina do pecado original quer-nos dizer que a vida e o desenvolvimento provêm do jogo entre tentativa e erro, não deixando muito lugar para moralistas demasiado distantes da realidade. Adão na tentativa de comer a maçã da árvore da vida atingiu a faculdade da razão que o torna estranho à própria natureza e o leva a levantar a cabeça para a voz que o chama, “Adão onde estás?”. Ele que vivia num estado simbiótico com a natureza, não conhecendo lugar nem tempo, vê-se agora num novo estado, em diálogo, entre certeza e dúvida revelando-se como consciência aberta. O chamamento da fé e da razão leva-o a acordar para o mistério não podendo mais voltar ao paraíso perdido.

 

A certeza é a fronteira do desenvolvimento e do saber! Se não reconheces que a realidade acontece no ponto de intersecção dos diferentes interesses, passas a vida a fugir dela ou a combatê-la.

 

A vivência cristã não se esgota na certeza intelectual, ela intui-se também como desígnio de algo já experimentado (na compaixão). Isto confirma-o também a psicologia budista ao recomendar que para se resolver um problema ou sentimento negativo é preciso primeiro percebê-lo (senti-lo), depois visualizá-lo e finalmente explorá-lo em sintonia/simpatia consigo próprio; depois desta sequência o sentimento negativo pessoal dissolve-se.

 

Em muitos assuntos, o político cristão tem a vantagem de não se encontrar sozinho na sua opinião individual, ele tem atrás de si uma fábrica de pensamento que é a Igreja com suas encíclicas sociais e uma experiência e saber milenário que o podem ajudar na tomada de decisões. Dietrich Bonhofer dizia: “encontramo-nos aqui sendo só competentes nas penúltimas coisas”; as outras pertencem a Deus.

 

O imperfeito não pode gerar a perfeição. Por muito controverso que pareça, Deus também pode falar através dos contrários à minha opinião e até mesmo através do mal. A opinião é livre, se regada pelos sentimentos, mas só o sol do pensamento a fará crescer. Reconheço opiniões boas mas não faltam as melhores. Ao definir só alargo a cerca do meu jardim. Uma opinião profunda será aquela que surge da liberdade acreditada no comprometimento com o JC, a melhor Realidade e o melhor símbolo de liberdade e compromisso. Para isso será preciso aprender a andar não só em solo seguro mas também sobre as águas do Mar, como fez o mestre da Galileia. Quem tem a coragem de andar sobre a água não é nenhum fantasma mas portador de inovação e de futuro.

 

O problema da liberdade surge sempre que cada um eleve a sua opinião a sentença certa. Liberdade total é impossível porque contradir-se-ia, não permitindo orientação. A capacidade de escolha já seria uma limitação. A dúvida em geral e em especial a dúvida metódica, própria do pensar ocidental, possibilitam a crítica que leva ao desenvolvimento; a crítica confere à civilização ocidental um estado de contínuo processo (“ecclesia” semper renovanda) de modernização e, deste modo, possibilita a antecipação à revolução. Numa democracia o povo não forma uma unidade; o reconhecimento da soberania da consciência individual possibilita a crítica social e naturalmente a necessidade de se aprender a lidar com ela.

 

A liberdade para ser sentida e despreocupada coloca o peso da própria vida no cabide da confiança: uns confiam em Deus outros na ideologia ou no interesse imediato. No cristianismo resta, mesmo assim, uma conta a saldar que é como dizia o filósofo Kant “o dever para consigo mesmo”. Uma sociedade livre e aberta possibilita a vida também aos adversários. O princípio da tolerância não deve porém neutralizar o da própria crença.

 

O sentimento de pertença a uma casa ampla com um tecto metafísico transparente fomenta a auto-estima que protege do medo e permite o auto desenvolvimento e o evoluir da própria opinião; esta deve ser expressa de maneira determinada, doutro modo o adversário sente-se emocionalmente encorajado ao ataque. A crítica pessoal só complica, por isso a crítica construtiva é baseada no problema e na sua solução.

 

(continua)

 

António Justo.jpg

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

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