A RÚSSIA E A EUROPA
Rouco, barbado e comunista, eis pelo que eu tinha José Milhazes. E ao ler a badana do seu livrinho1 editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Janeiro de 2016, mais me convencia de que ele é um russófilo ferrenho.
Do livrinho nada se conclui sobre a rouquidão mas das barbas faz prova a foto que se apresenta na dita badana. Se é comunista, também não se pode concluir mas do que não restam dúvidas é que é certamente russófono porque cursou numa Universidade em Moscovo; quanto a ser russófilo, isso é que fica claramente demonstrado pela negativa. E esta negativa é que para mim foi total novidade.
Para além de português, José Milhazes é ucranófilo2. E como a maior parte de nós só o conhece das televisões, transcrevo a tal badana para a qual o próprio deve ter fornecido a informação para ser apresentado aos leitores:
José Manuel Milhazes Pinto nasceu na Póvoa de Varzim em 1958. Licenciado em História da Rússia pela Universidade Estatal de Moscovo (Lomonossov) em 1984 e doutorado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 2008. Entre 1989 e 2015 trabalhou como correspondente de vários órgãos de informação nacionais e internacionais, na Rússia e na Comunidade dos Estados Independentes. Autor de numerosos artigos e livros sobre as relações entre Portugal e a Rússia, sobre a política da URSS nas ex-colónias portuguesas de África e sobre as relações entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista da União Soviética. Leccionou em várias Universidades russas e portuguesas. Actualmente é comentador de assuntos internacionais da SIC e RDP. Cavaleiro da Ordem de Santa Maria (Estónia) e Comendador da Ordem do Mérito (Portugal).
E já que estou numa de cópia à moda da instrução primária, eis o que se escreve na contra-capa:
A História mostrou que, não obstante todas as vicissitudes e dificuldades, a Rússia é um país com fortes raízes europeias. Os grandes momentos da sua existência estão ligados ao Velho Continente. Resta apenas continuar à procura do melhor modus vivendi entre todos os povos europeus, onde as suas tradições, costumes e direitos sejam respeitados.
Sim, pegando neste final, também creio que as «matrioscas» não se devem sobrepôr ao «galo de Barcelos» nem vice-versa.
Então, o livrinho pode dividir-se em algumas partes sendo que a primeira se refere à História. Necessariamente, muito resumida para caber nalgumas das 90 páginas de texto de toda a obra. Mas, sendo resumida, não enfada e fiquei convencido de que dela constam os episódios mais importantes da formação da Rússia como a conhecemos até ao início da URSS.
Curiosas as relações entre todos os Impérios, Reinos e Principados da Europa lestiana e do Próximo Oriente; muito importantes, as «danças e contra-danças» que levaram à autonomização da Igreja Ortodoxa de Moscovo relativamente a Constantinopla.
Um pequeno trecho (pág. 22) que chamou a minha atenção: “a mistura de eslavos, fino-úgricos, alanos e turcos fundiu-se na nacionalidade grã-russa” - os marotos alanos que, algo diluidos, também correm nas nossas veias.
Na mesma página refere o Autor que “sob a pressão do domínio mongol, esses principados e tribos fundiram-se num só, o Reino da Moscóvia e, depois, Império Russo”.
Respigando daqui e dali, eis algumas pinceladas do que por aquelas bandas se foi passando…
… Ivan IV, o Terrível, virou-se para o Oriente e anexou o Caganato de Kazan em 1552 (e eu esbocei um sorriso, claro!), obrigou o cã da Sibéria a prestar-lhe vassalagem em 1555 e obteve a rendição de Astracã no ano seguinte. (pág.26)
… perante a ameaça da Turquia, russos e polacos assinaram o armistício de Andrussovo de 1667 que previa a passagem para a Rússia de toda a parte oriental da Ucrânia e da cidade de Kiev. (pág. 28)
Assim ficou a Rússia com acesso ao Mar Negro et pour cause, ao Mediterrâneo, ao Atlântico médio e, na actualidade, depois da abertura do Canal de Suez, ao Mar Vermelho, Índico, etc.
Foi o czar Pedro I que entre 1700 e 1721, com a chamada «Guerra do Norte», conseguiu conquistar uma saída para o Báltico.
E aí estamos nós a reconhecer os contornos que a Rússia hoje tem, depois de ter tomado pela força a Península da Crimeia que Krushchev “dera” à Ucrânia.
Numa segunda parte, o Autor traz-nos até à actualidade onde nós, Ocidente, estamos muito zangados com a política de Putin e em que nos batemos pela integridade territorial da Ucrânia como a conhecemos aquando do desmoronamento da URSS. É neste particular que José Milhazes diz de Putin o que Maomé não sonhou dizer do chouriço de porco e assim se percebe como é ucranófilo: tudo a favor da Ucrânia; tudo contra Putin.
E se Ronald Reagan rebentou com a URSS ao ameaçar com a «Guerra das Estrelas», Barack Obama, não arriscando bluffs, provocou uma baixa mundial dos preços do crude e do gás que levou à falência da Rússia putinesca e à impossibilidade de continuação das demonstrações militares de força com arrogantes penetrações de aviões em espaços aéreos da NATO, etc.
Putin decidiu então voltar-se para a China e relançar pactos de amizade eterna… Mas o crescente PIB chinês é cinco vezes superior ao minguante PIB russo e a estrutura do comércio bilateral tem nas actuais cotações do crude e do gás o motivo da falência do modelo de desenvolvimento destas relações «de amizade».
Antevendo a falência das políticas de Putin, José Milhazes admite que venha a haver, não dentro de muito tempo, uma mudança na liderança russa não sem temer que o novo czar possa ser ainda mais radical do que o actual.
* * *
Uma nota final de cunho exclusivamente pessoal: se eu fosse Czar da Rússia, também não abria a mão para deixar fugir a Crimeia.
Junto a Balsa, Agosto de 2016
Henrique Salles da Fonseca
1 - «livrinho» porque custa apenas 5,00 Euros
2 - Acabo de inventar esta palavra. Será que já existia e eu apenas tive um rasgo de esperteza?