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A bem da Nação

A MORTE DE FIDEL CASTRO

HSF-Fidel e o seu Cohiba.jpg

 

O mundo acordou dia 26/Nov. com a notícia da morte de Fidel Castro. Era de se esperar uma grande repercussão, afinal, a história do ditador, além de estar ligada à história dos movimentos revolucionários latino-americanos, está fortemente imbricada com a história da maior potência do ocidente, os EUA (Estados Unidos da América).

 

O pequeno parágrafo que acabei de escrever acima já seria suficiente para suscitar uma discussão interminável sobre duas palavras: ditador e revolucionário. A maioria das pessoas verá nelas uma contradição, pois "ditador" é algo tido unanimemente como ruim (ao menos supostamente) enquanto que "revolucionário" é tido pela maioria das pessoas como algo bom. Isso porque o mundo ocidental vive uma revolução cultural promovida pelos agentes do marxismo cultural que já dominam quase que totalmente as instituições de ensino, os meios de comunicação social e a Igreja Católica. Por conta disso, as pessoas têm, já naturalizados, concepções impostas sobre determinadas palavras. Revolução é uma delas. No universo da lusofonia, Bluteau regista a palavra na primeira quadra do século XVIII ainda com um possível significado de volta a uma situação anterior, no sentido de recompor um ordenamento, baseado na ideia de revolução dos corpos celestes e na tradição. Mas também regista o significado de mudança. Se entendermos que uma volta ao passado, nesses termos, estará marcada por uma mentalidade presente que pode corromper o modelo original e que a mudança pela mudança, em si, leva ao vazio do relativismo, verificaremos que revolução é, aprioristicamente, algo ruim. Se entendermos revolução com o significado que a palavra tem na actualidade, já bosquejado por Bluteau, mas acrescentada e associada à ideia marxista de ruptura total com as estruturas existentes para a construção duma sociedade baseada em novos alicerces, é algo pior ainda, pois quando as estruturas anteriores são totalmente destruídas, perde-se, sob qualquer ponto de vista, tudo que vem de antes, seja bom ou ruim. Mas nenhuma dessas considerações muda a percepção que a maioria esmagadora das pessoas no mundo hodierno tem acerca da palavra "revolução", que é entendida sempre como algo bom. Assim é, infelizmente, queiramos ou não. É um dado da realidade. Pois bem, Fidel foi um revolucionário, no conceito moderno da palavra. E, como tal, deixou um rastro de destruição.

 

Então, deixemos de lado os prolegómenos e vamos directamente tratar daquilo que o título sugere.

 

Fidel Castro nasceu numa Cuba ainda vivamente marcada pela derrota de 1898 onde os EUA, ao vencerem a Espanha, ficaram com uma influência maior sobre Cuba, além de terem ficado com o domínio de Porto Rico, Ilhas Guam e Filipinas, enfim, uma verdadeira tragédia para o mundo hispânico. Esse cenário fez com que Fidel trouxesse, "do ventre", uma mentalidade anti-americana (no sentido de anti-estadunidense) ainda que mesclada com uma grande admiração, haja vista que independentistas cubanos contavam com a simpatia dos Estados Unidos para sua causa. Sucede que o processo de independência de Cuba aconteceu concomitante com a guerra hispano-americana. O resultado é que Cuba nasceu sob o jugo dos EUA. Ressalve-se que, apesar de, originalmente, Hispânia poder ser afecto também à Portugal, faço uso do termo de forma alusiva tão-somente à Espanha moderna na sua territorialidade e zona de influência política, cultural e linguística, em todo mundo, termo cunhado historicamente e devidamente aceito como demonstra o uso corrente da palavra, e que não inclui o mundo português.

 

A partir da independência, Cuba passa a ser governada por representantes das oligarquias locais, aliadas aos interesses dos EUA. A vitória do liberalismo em Espanha, consequência do iluminismo e da Revolução Francesa, de há muito tinha moldado governos com a ideia distorcida do que era monarquia. Governos centralizados num ambiente cultural como o espanhol produziram, na América Hispânica, caudilhos e chefetes que conduziram processos políticos autoritários rumo à independência onde as elites decaídas estavam descoladas da sociedade tal como um corpo estranho, inorgânico. Ainda assim as instituições ocidentais continuaram, em essência, preservadas.

 

Fidel Castro cresceu num ambiente de grande desconfiança em relação "grande irmão" do norte e, educado por jesuítas, assimilou todo o sentimento de revanche presente entre os inacianos, ordem que, embora tenha religiosos de várias origens, sempre foi alinhada com os interesses castelhanos desde sua fundação. Com efeito, os loyolistas viram a Grande Armada ser derrota pela velha Albion em 1588, viram os estadunidenses tomarem mais da metade do território do México em meados do século XIX e, outro grande desastre, a derrota de Espanha para os EUA em 1898, como já referimos acima, derrota que abalou e feriu de morte o orgulho hispânico e, mais uma vez, para o inimigo de sempre, os ingleses e seus descendentes no novo mundo. Está nesse sentimento de recalque dos hispânicos o alimento para o que viria a ser o movimento "anti-imperialista". Os jesuítas trataram de manter esse sentimento vivo através de todas as suas instituições de ensino na América Latina. Pouco antes do nascimento de Fidel, resulta vitoriosa a Revolução Russa. As ideias socialistas influenciarão fortemente a formação dele.

 

A revolução que levou Fidel ao poder teve, de início, o apoio de toda a sociedade. Havia uma grande insatisfação com o regime de Fulgêncio Baptista. As classes médias e a burguesia cubanas apoiaram, maioritariamente, Fidel. Mas esse cenário não daria a ele o embate que queria com os EUA. Nesse sentido, a ideologia marxista-leninista foi o meio que ele teve ao seu alcance para expressar esse antagonismo. Fidel já vinha de uma militância em partidos de esquerda e sua radicalização seria algo natural, principalmente quando um potencial grande aliado se aproximou: a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).

 

Fidel costumava dizer que a Cuba de Baptista era uma ditadura, um bordel dos EUA, tinha uma economia baseada no mercado negro e o povo na miséria. Na verdade, Cuba tinha vários aspectos de subdesenvolvimento mas era, no contexto latino-americano, um país com indicadores sociais acima da média e que, desde que superasse um sistema político que negava a participação à maioria da população e contasse com instituições mais fortalecidas, tenderia a ter um futuro com muito progresso aproveitando-se das parcerias comerciais com os EUA e com a Espanha. Implantada a revolução, começa um período de repressão com a eliminação física dos opositores mas também de aliados que ousassem divergir do rumo que Fidel dava ao processo político. Fidel instaura um regime comunista totalitário a passa a seguir as determinações de Moscovo que tinha dois objectivos prioritários: estabelecer uma cunha em território próximo aos EUA e exportar a revolução para o resto do continente.

 

O comunismo é um regime totalitário e, como tal, destrói o estado de direito para impor-se. A tentativa da exportação da revolução trouxe consequências para todo o continente. Uma das características da acção dos comunistas é que ela aproveita-se da democracia para corrompê-la e levar o processo político na direcção por eles desejada, infiltrando-se nas instituições e em todos os sectores da vida nacional. Nesse sentido, vale dizer que Gramsci, com sua tese de hegemonização, é o campeão do leninismo pois aperfeiçoou o que Lenine planejara de forma mais rude e tosca. Para o comunista, a democracia é mero expediente táctico para alcançar a estratégia que é a implantação do regime totalitário outrora chamado "ditadura do proletariado". O que Lenine elaborou propondo a infiltração nas fábricas e no exército, Gramsci elaborou com muito mais sofisticação propondo o domínio de todos os segmentos da cultura, meio académico e comunicações. Algumas expressões mais visíveis da praxis Gramsciana são o politicamente correcto, a ideologia de género e o multiculturalismo. Esse processo pressupõe um quadro revolucionário que culmina com a ruptura de todo o quadro político institucional. Ou seja, o estado de direito e as instituições ocidentais, base da democracia, deixam de existir.

 

 

Cabe aqui uma pequena digressão sobre a diferença entre totalitarismo e regimes autoritários do tipo que tivemos na América Latina, antes e depois da Revolução Cubana. A diferença é muito clara. Esses regimes autoritários, alguns deles ditaduras militares, não destruíram o Estado de Direito nem as instituições ocidentais. Em muitos casos, como no Brasil, eles surgiram para impedir um golpe comunista e salvaram a democracia restringindo algumas liberdades para que fossem preservados os direitos mais importantes pois não há democracia sem Estado de Direito ou instituições fortes. Já num regime totalitário, como o cubano, as pessoas perdem seus direitos primevos: o direito de ir e vir, o direito à propriedade, o direito a professar sua religião qualquer que seja ela, o direito de educar seu filho sem a interferência do estado, o direito à inviolabilidade de correspondência e esses direitos nunca foram suprimidos na América Latina à excepção de Cuba. Actos institucionais de excepção nesses regimes autoritários estavam claramente definidos como tal, ou seja, não foram considerados como dentro da normalidade de um arcabouço jurídico. Num regime totalitário, TODAS as instâncias da vida nacional funcionam sob a directriz do governo e do partido único. Os actos de força que restringem as liberdades não são considerados actos de excepção mas, sim, da normalidade do sistema. Os juízes são do partido que governa. Não há independência do judiciário. O parlamento, quando existe, é composto exclusivamente por membros do partido. E o pior de tudo, no regime totalitário não basta não se meter em política para não ser importunado, há que manifestar seu apoio ao governo e denunciar quem não estiver apoiando. Quem não lembra do menino que ganhou uma medalha do Estaline por denunciar seu pai que não entregou a cota de produção agrícola ao Estado? Nos regimes autoritários que tivemos, houve, sim, a supressão da liberdade de expressão e de organização partidária. No mais, tudo diferente. Tomando outra vez o Brasil como exemplo, durante a ditadura militar: os direitos básicos foram mantidos, o judiciário manteve o acesso por concurso e os juízes mantiveram sua independência e autonomia. O judiciário nunca foi aparelhado e tampouco ideologizado. Foram muitas as pessoas acusadas de subversão que foram absolvidas até mesmo por tribunais militares. O judiciário continuou a funcionar normalmente e protegeu sempre os direitos fundamentais dos brasileiros. O parlamento continuou a funcionar e uma oposição continuou a existir. Nunca alguém foi seriamente importunado por ter um parente envolvido em subversão. Nunca algum inocente foi instado a denunciar outra pessoa por crimes políticos. E quem não quis se meter em política, pôde levar sua vida sem sobressaltos ou constrangimentos e prosperar.

 

Cuba tem até hoje um estado policial. Sem instituições que funcionem, porque foram destruídas, os cubanos não vislumbram uma saída que não passe pela intermediação de seus algozes, pois toda e qualquer oposição foi eliminada fisicamente.

 

Enquanto contou com o dinheiro vindo da URSS Cuba manteve-se relativamente estável. Durante esse período de estabilidade, contou também com recursos vindos de Angola, país entregue à URSS pelos comunistas infiltrados no Exército Português que fizeram a quartelada de 25 de Abril. Com a "débâcle" da URSS, Cuba entra em colapso. O país não estava preparado para viver sem essa ajuda e tem uma economia totalmente desestruturada, incapaz de produzir os géneros mais básicos para a população.

 

Qual foi o legado de Fidel Castro para Cuba? Subdesenvolvimento e pobreza à beira da miséria. Tudo aquilo que Castro falava sobre a Cuba de Baptista manteve-se apenas com a troca de "americanos" para "europeus", mormente espanhóis. Cuba é hoje uma ditadura muito pior porque totalitária, é um bordel dos espanhóis, tem uma economia baseada no mercado negro e um povo muito pobre e sem perspectivas pois não houve desenvolvimento económico na ilha durante esses mais de 50 anos. Além disso, existe a exploração de trabalhadores em condições que os esquerdistas taxariam de análogas à escravidão se ocorressem em países capitalistas. Cito apenas um exemplo: empresas europeias contratam engenheiros cubanos para obras na ilha pelos quais pagam, por exemplo, 2 mil euros por mês. Esse contrato é intermediado pelo governo cubano que recebe os 2 mil euros mas só repassa 200 euros aos engenheiros contratados. Cito só esse dado porque é reconhecido pelo próprio governo cubano, não podendo ser contestado. Fora da ilha, o governo cubano procede da mesma forma como quando, por exemplo, mandou médicos para o Brasil num trato com o governo comuno petista de Dilma Rousseff.

 

E as tais conquistas na saúde e educação? Tudo balela. A educação em Cuba contempla somente o lado do adestramento para servir ao regime e preencher algumas funções pré determinadas. Não pode haver um bom sistema de ensino no seu sentido mais amplo pelo simples motivo de que não há pluralidade de ideias e os alunos nos seus diversos níveis só lêem o que o regime permite além de não poderem escolher a sua profissão. A saúde teve progressos no que tange à medicina social e regista algumas ilhas de excelência mas muito abaixo do nível da medicina de outros países latino-americanos e a saúde do povo é agravada pela falta de comida.

 

No Brasil a repercussão da morte de Fidel foi imensa e assistimos dois dias seguidos de propaganda comunista nas estações de TV só interrompida pelo trágico acidente aéreo na Colômbia com os atletas do clube Chapecoense. O avanço da revolução cultural no Brasil com os agentes do marxismo cultural actuando em todas as instituições e frentes possíveis criou uma mentalidade de esquerda principalmente nas classes médias e na burguesia, segmentos mais permeáveis à acção desses celerados. Falaram muito da preocupação de Fidel com os mais pobres e muito "en passant" sobre o regime político. A palavra ditador só usaram quando falaram de Fulgêncio Baptista. Em nenhum momento foi usada para definir Fidel que, para eles, foi um revolucionário preocupado com os mais pobres que cometeu alguns pequenos erros. Pelo que se pôde ver em canais internacionais, foi um pouco assim por toda a parte.

 

A morte de Fidel também expôs tragicamente para o ocidente, de forma definitiva, que Bergoglio tem um projecto político que passa pelo apoio ao comunismo e à tal "Pátria Grande" à qual ele aludiu logo nos primeiros dias como Papa. É a ideia de hegemonização, bem ao estilo gramsciano, de todo o continente baixo influência da Teologia da Libertação, tentativa impossível de conciliar cristianismo com marxismo, em aliança com os comunistas, para melhor fazer vingar o plano de contrapor-se ao bloco capitalista e às nações do hemisfério norte, que Bergoglio julga culpadas por todas as mazelas do mundo subdesenvolvido. Mas essa já é outra história...

 

Às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Mui Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em o dia dois de Dezembro de 2016

Marcos Levy Crespo.jpg

Marcos Levy Pina Gouvêa Crespo

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