A LUSOFILIA NUMA PERSPECTIVA DE FUTURO
VI
Queremos liberdade de comunicação; não queremos libertinagem na comunicação
Dentre todos os meios de comunicação hoje ao dispor – e são muitos – a televisão é seguramente o que maior influência exerce nas populações, em especial nas mais frágeis. E quando refiro as mais frágeis significo as que não dispõem de capacidade de defesa contra as influências perversas que lhes possam chegar mais ou menos sub-repticiamente: incitação à violência pela apologia da competição como conceito global, exploração mediática do desespero do derrotado, incitação da revolta contra o dominador (esse que até ao passo anterior era o deus da glória) e assim sucessivamente num círculo contínuo de altos e baixos de euforia e desespero. Ciclos tão úteis para a instalação de ambientes propícios às subidas e quedas das Bolsas internacionais, à manipulação de preços, à gestão dos interesses especulativos de quem quer comprar na baixa para logo de seguida vender na alta. E se os célebres ciclos de Kondratiev[1] não funcionam com o ritmo desejado, há que provocá-los pois não se pode perder tempo “à espera de Godot”.
Tudo, porque não há tempo a perder na conquista de posições de liderança, nos lucros que têm que ser cada vez maiores… Mesmo que o produto seja tóxico, ele tem que ser apresentado como sublime.
Foi essa mentalidade competitiva – em que tudo vale desde que se alcancem os objectivos – que levou as empresas a despedirem os profissionais experientes para admitirem jovens bem mais baratos, a actual geração dos 1000 (€, claro). E o que fazemos a tanto aposentado prematuro? Deixamo-los pelos jardins a jogar às cartas ou a consumirem o álcool do desespero por inadaptação a uma situação que muitos consideram injusta?
Até que a bolha rebentou, os Bancos faliram e os Tesouros nacionais foram chamados a cobrir os dislates que a ganância, a amoralidade, o hedonismo e a ausência de Ética permitiram. Carpe diem...
Esta é, pois, a hora de todos pagarmos a insensatez de que nos deixámos rodear.
Se queremos obstar a piores cenários do que aquele por que estamos a passar, comecemos por instaurar a ética da comunicação.
Sigamos a sugestão de Karl Popper quando ele preconiza que os jornalistas e sobretudo os produtores de televisão sejam alvo de um auto-controle ético exercido por uma Ordem com poderes suficientes para retirar a licença profissional a quem insista no sofisma de «dar às pessoas o que eles dizem que elas querem», a violência, a competição e o sexo.
A exploração sensacionalista dos noticiários para quem só há assassinos e corruptos expande o ódio e vicia na denúncia. Não haverá outros cenários menos trágicos? Não haverá outros temas que nos suscitem a busca de soluções construtivas?
O mundo da comunicação social vai ter que mudar muito até que se transforme num instrumento de desenvolvimento das populações a que se dirige. Tudo porque, se o poder dos órgãos de comunicação não for totalmente esclarecido, a democracia poderá não subsistir de forma verdadeiramente duradoura. Com programas cada vez mais medíocres – prosseguindo com Popper – (...) só nos resta ir para o Inferno! (...).
E se não quisermos ser cilindrados pelo fatalismo infernal, recordemos Hegel quando ele diz que é necessário disciplinar a vontade natural incontrolada, conduzi-la à obediência de um princípio universal e, nesse enquadramento, promover o exercício da liberdade individual.
Por tudo isto, dizemos que temos pela frente um século de glória ou de desespero conforme consigamos ou não dar esperança ao Mundo Lusófilo trazendo de volta os valores éticos tanto na dimensão individual como na colectiva, tudo devidamente harmonizado na nossa convivência pluri-cultural e internacional; se conseguirmos transformar a comunicação social num instrumento educativo e não mais de alienação; se conseguirmos impor aos governantes que se rejam por um inultrapassável Sentido de Estado; se inventarmos um novo modelo de desenvolvimento que dê esperança a quem hoje se sente desesperado.
Eis como, com tanta coisa por fazer, nos parece imprescindível acelerar o passo no caminho que se abre à Lusofilia pois amanhã é já o primeiro dia do futuro.
Terá, então, a Lusofilia um futuro? Sim, sobretudo se nós, a sociedade civil, lho dermos.
FIM
Henrique Salles da Fonseca
(algures no Mekong, Novembro de 2014)
[1] - Nikolai Kondratiev (1892-1938) economista russo que teorizou sobre os ciclos económicos