A LUSOFILIA NUMA PERSPECTIVA DE FUTURO
V
Educar é hoje uma missão muito difícil
É claro que os pais se preocupam com o bem dos filhos. Sabemos que depende deles o futuro da sociedade e não podemos deixar de fazer o melhor pela formação das novas gerações. Temos que lhes dar uma forte capacidade de se orientarem na vida e sobretudo de distinguirem o bem do mal.
A "ruptura entre as gerações" de que tanto se fala resulta da não transmissão de certezas e valores. Resulta da interrupção criada pela renúncia daqueles que deviam assumir a função educativa: os pais. Estão em causa as responsabilidades pessoais dos adultos, que são reais e não devem ser escondidas, mas também a atmosfera difusa a que se referia Lipovetsky na citação anterior, aquela mentalidade e forma de cultura que fazem duvidar do significado do bem. Então, torna-se difícil transmitir de uma geração para a outra algo de válido e de certo, regras de comportamento, objectivos credíveis com base nos quais construir a própria vida.
Estas dificuldades são a outra face da moeda que é a liberdade e esta constitui uma relação biunívoca com a responsabilidade. A liberdade de cada um de nós cessa onde começa a do nosso vizinho e se queremos ser livres, então temos que assumir a responsabilidade dos actos que livremente praticamos. Só é responsável quem é livre e a actual irresponsabilidade não é atributo por que devamos pugnar. Não pactuemos com a transfiguração da liberdade em libertinagem. Sejamos merecedores da liberdade de que usufruímos.
E é disso que aqui tratamos: de uma educação que o seja verdadeiramente e não se limite ao débito de programas curriculares de mera base científica, sem qualquer orientação pró-ética. Há pais angustiados com o futuro dos filhos; os professores sofrem com a degradação das escolas e do sistema de ensino; a sociedade, no seu conjunto, vê postas em dúvida as próprias bases da convivência e muitos são por certo os jovens que não querem ser deixados sozinhos perante os desafios da vida.
Por tudo isto, parece urgente assentar naquilo que devemos apelidar de exigências comuns de uma educação ética.
A educação reduz-se à dimensão de mera instrução quando se limita a dar noções e informações deixando de lado a grande pergunta: o que é o bem? E seguindo nessa senda, há que distinguir entre o bem individual, o bem plural e o bem nacional que servem para a vida dos governados, os contribuintes. Mas a essas dimensões do bem há que juntar o Sentido de Estado, ou seja, o bem a que devem obedecer os governantes, os contribuídos, a quem cumpre gerir a causa comum.
E se a causa comum resulta duma discussão democraticamente desenvolvida, ela tem que assentar em princípios morais que derivem linearmente do conceito de bem, tudo conjugado num edifício a que deveremos chamar política de base ética e bem comum. Ou seja, a Ética e o Sentido de Estado estão ligados numa relação íntima em que nenhum dos dois pode existir sem o outro.
Mas há outra questão que tem a ver com o equilíbrio entre a liberdade e a disciplina.
Educação bem sucedida é a que dá formação para o recto uso da liberdade e as regras de comportamento, utilizadas no dia-a-dia, formam o carácter. Só um carácter bem formado permite a preparação necessária para se enfrentarem as vicissitudes que não faltarão ao longo da vida. E é do disciplinado uso da liberdade que naturalmente resulta o sentido de responsabilidade, essa que começa por assumir uma dimensão individual e a partir da qual construímos a responsabilidade plural, como residentes numa cidade, como membros de uma nação.
E as ideias, os estilos de vida, as leis, as orientações gerais da sociedade e a imagem que dela dão os meios de comunicação ao exercerem uma grande influência sobre todos nós – tanto para o bem como para o mal – impõem-nos que cuidemos da formação das novas gerações de modo a que elas saibam com exactidão distinguir entre o que devem escolher e o que devem rejeitar, sem se deixarem influenciar por motivações menos transparentes dos fazedores públicos de opinião tantas vezes ao serviço de interesses mais sinuosos do que aquilo que descortinamos à primeira vista.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca