A LUSOFILIA NUMA PERSPECTIVA DE FUTURO
III
Chegados à filosofia do poder, deparamo-nos com a anomalia de todos os direitos serem outorgados aos poucos campeões e todas as obrigações serem imputadas a um mar de vencidos.
E o que será melhor? Ser-se servo num eldorado ou Senhor num mundo de miséria?
A aculturação das populações a um modelo standard e globalizado corta o acesso às raízes culturais mais endógenas e isso anula a ética étnica, essência da cultura mais íntima dos povos. Mas a etnologia é hoje objecto morto de Museu bolorento e escassamente visitado. Em simultâneo, quando esse desenraizamento conduz as pessoas para o mundo da globalização competitiva, então está-se a enviar populações inteiras para um mundo em que não há que olhar a meios para alcançar fins. Se a isto somarmos a atracção que as cidades exercem sobre as populações rurais flageladas pelas guerras, pela inviabilização da ruralidade e pela apologia do urbanismo, compreenderemos a selva urbana em que as nossas grandes metrópoles se transformaram. Pululam os exemplos no espaço lusófono.
E como diz Gilles Lipovetsky no seu livro “O crepúsculo do dever”, (...) A sociedade post-moderna ou post-moralista designa a época em que o dever se adocicou e tornou anémico, em que a ideia do sacrifício pessoal se ilegitimou socialmente, em que a moral já não exige que as pessoas se devotem a uma causa superior, em que os direitos subjectivos dominam os mandamentos. (...) o mal transformou-se em espectáculo, o ideal pouco engrandecido. Se perdura a crítica do vício, o heroísmo do bem enfraquece. Os valores que reconhecemos são mais tidos como negativos do que como positivos. (...) triunfa uma moral indolor (...).
Neutralizadas tanto a Moral como a Ética clássicas e modernistas, no pós-modernismo promoveu-se a competição em que tudo serve para subir na ostentação. E subir JÁ! A globalização fez isso aos países chamando-lhe competitividade. O que interessa é alcançar os objectivos. Como? Isso é o que menos interessa desde que eles sejam alcançados e, também nesta dimensão macro, JÁ!
O hedonismo deixou de ser uma chaga individual para assumir a dimensão plural e, pior, passar a ser considerado «politicamente correcto». O carpe diem horaciano é hoje adubo dos discursos políticos e faz doutrina junto da mole de incautos que ouve, aplaude e, pior que tudo, crê.
Podemos, querendo, promover o regresso do discurso da verdade sob pena de, pelo silêncio, darmos guarida a soluções que passem por fora da democracia pluralista em que queremos viver.
Aqui chegados, urge perguntar que solução temos à nossa frente. Adoptarmos o imobilismo monástico à espera que a crise passe? Entregarmo-nos, à moda muçulmana, nas mãos do fatalismo indiscutível? Preconizarmos um regresso às origens étnicas, folclóricas?
Não nos parece que atitudes de medo, de fatalidade ou de recuo sirvam o futuro por que ambicionamos.
Pelo contrário, creio que devemos partir rumo ao futuro pois é natural a ânsia de progresso dos povos a que pertencemos.
Sim, temos o direito de subir mas temos a obrigação de promover a subida dos que nos rodeiam para podermos dizer como Nelson Mandela que “a educação é o grande motor do desenvolvimento pessoal. É através da educação que a filha de um camponês se pode tornar doutora, que o filho de um mineiro se pode tornar chefe de uma mina, que o filho de trabalhadores agrícolas pode vir a ser Presidente
de uma grande nação. É o que fazemos do que temos, não o que nos é dado, que distingue uma pessoa de outra.”
Mas façamo-lo cumprindo os valores de alguma Ética, aquela que urge reinventarmos.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(em Bombaim, Janeiro de 2008)