A LUSOFILIA NUMA PERSPECTIVA DE FUTURO
I
Lusofilia – dedicação a tudo que se relacione com a cultura portuguesa e com as culturas dela derivadas.
Temos, nós os lusófilos, como motivação principal o estreitamento dos laços entre as várias comunidades de língua portuguesa, pelo que é fundamental procurarmos as complementaridades nacionais que reponham a língua portuguesa na ribalta internacional e façam do espaço lusófono um modelo de facetada erudição, ética e progresso.
E se neste momento nos dividimos nas opções ortográficas dando maior ou menor predominância às vias erudita e popular, devemos precaver-nos contra o perigo da deriva populista (já tão em moda na política) que nos poderá conduzir ao desaparecimento do padrão e ao extermínio da via etimológica pela hegemonia da via fónica. Num espaço ainda tão flagelado pelo analfabetismo adulto, não parece ser esta uma opção de valimento porque o futuro não deve ser subjugado pela quantidade em detrimento da qualidade. Apelando à nossa tradição náutica, se desmagnetizarmos a bússola nunca mais encontraremos o rumo.
Simultaneamente, em plena crise financeira global resultante do hedonismo reinante e da flagelação da Ética, é imperioso que assentemos nos princípios que possam enformar o futuro de todo o mundo lusófono.
A tradição mercantil portuguesa pode ajudar na busca de soluções para o futuro e se a globalização nos conduz a uma dimensão muito grande, isso não obsta a que não devamos procurar enquadramentos mais à nossa escala. Antes de rumarmos para outros horizontes, dediquemo-nos à promoção das capacidades endógenas para não corrermos o risco de crescimento balofo. Referimo-nos às escalas local, regional e nacional. Na outra dimensão, a internacional, temos a CPLP como o espaço privilegiado para a corporização de uma estratégia de complementaridades de utilidade múltipla, sempre no pleno uso das inquestionáveis soberanias. E esta dimensão lusófona, queremo-la alargada aos «portugueses abandonados», aqueles que algures no Mundo e na História foram bem ou mal governados por Portugal, que absorveram os valores que lhes legámos e que após a nossa retirada – por vontade própria ou alheia – ficaram, contra ventos e marés, a defender esses valores quantas e quantas vezes rodeados de hostilidade ou, no mínimo, de desdenhosa indiferença. Referimo-nos aos lusófonos da Índia, das Celebes, de Malaca, do Sri Lanka, aos Melungos dos Apalaches e a tantos outros que não queremos deixar ao abandono. E porque adivinhamos «portugueses» perdidos por aí além, cremos que a Lusofonia está em crescimento. Crescimento numérico. Preocupemo-nos desde já com a qualidade.
Motiva-nos a idealização de todas as vias possíveis e úteis para o progresso da Lusofonia (expressão oral) e do espaço lusófono (expressão material, económica). E pensando nestas vertentes, lemos a História para com ela aprendermos, não a discutindo nem a negando mas reconhecendo que uma repetição não faria hoje qualquer sentido. Procuramos conhecer as questões que se colocaram no passado para melhor compreendermos o presente e, daí, perspectivarmos o futuro. In minime, modernizemos o passado.
A título de exemplo e recorrendo apenas a uma cidade, vejamos por onde andou Tavira, actualmente uma pequena cidade portuguesa, ao longo da História: foi sede do primeiro Hospital do Ultramar fundado em 1430 pelos frades trinitários[1] dali irradiando o apoio à Cruzada no Norte de África e à sequente gesta dos descobrimentos; foi pólo pesqueiro de primeira grandeza exportando carne de baleia para o resto da Europa; foi centro mercantil internacional até que a barra assoreou; foi «Madrinha» do Canadá; foi na de Tavira que o Marquês de Pombal se inspirou para decretar a Região Demarcada dos Vinhos do Douro (hoje erradamente considerada a mais antiga do mundo quando essa honra pertence a Tavira). Enfim, foi tanta coisa que podemos inspirar-nos fartamente no passado para imaginarmos o futuro. Mas o Império acabou, a barra não tem calado para os navios modernos, as baleias fugiram e os atuns passam ao largo, o Canadá já não se lembra da existência de Tavira e a vitivinicultura aguarda por ser restaurada.
Quantos outros exemplos podem ser identificados? Tantos que não cabem num texto sucinto.
Mas quando a análise histórica não sugere modelos pragmáticos para o futuro, resta a solução de cuidar da melhor e praticamente única matéria-prima de que dispomos, as pessoas. Por isso, antes de nos lançarmos a novas campanhas de alvorada, devemos dar prioridade à valorização dos recursos humanos.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(junto ao Forte Aguada, Goa, Novembro de 2015)
[1] Ordem da Santíssima Trindade