À CONVERSA COM LESO
Harmónico, o Luís cumpre a vontade da família que não quer que ele escreva mais sobre Salazar. Porquê? Pergunta não feita, resposta não havida. Apenas o comentário de que fora “censurado”. Fiquei, contudo, a saber que não escreverá mas que me dirá telefonicamente o que eu esperava ler, a sua tese de que Salazar era agostiniano. Mas que o deixasse acabar de escrever «O erro de Nobel». Ainda confundi com «O erro de Descartes» mas que não, era o erro de Nobel não ter previsto um prémio para os políticos e por isso é que estes são tão maus. (Risos bilaterais).
Mas fiquei a pensar na tal “censura” familiar… Estou mesmo a ver que a “censura” resulta do tom relativamente benigno que o Luís vem usando ao escrever sobre Salazar em contraponto com a oposição que sempre cultivou contra a ditadura. E a família, formatada na tradição, não aceita uma visão mais holística e afastada das refregas do passado. Será? Não tenho uma certeza absoluta mas quase. Tenho visto muita desta tradição formatada a condicionar a exteriorização de novas opiniões sobre factos envelhecidos: «Já o meu avozinho dizia…» e o netinho não sai dessas perspectivas.
Tenho uma amiga burguesíssima que se mantém fiel ao comunismo porque a tradição familiar a isso a prende. E pelo amor aos pais defuntos que a une às saudades e ao romantismo de alguma clandestinidade nas barbas da política antiga, não ouso chamá-la à razão dos tempos modernos, à distância do passado, a uma visão global. Se se perde o sentido cultural inspirado por uma certa tradição, corre-se o perigo da desmagnetização da bússola e o rumo passar à deriva errática. E, bem pior, perder as saudades dos entes queridos. Este, sim, o pior dos males. E eu deixo-a ser comunista… desde que não me incomode com ideias que podem ter tido alguma validade no séc. XIX mas que fedem neste XXI já um tanto mais do que recém entrado.
Mas nestas visões holísticas que hoje possamos ter, não validaremos os erros que então as partes cometeram nem esqueceremos o bem que todas elas praticaram, apenas deixaremos cair a paixão das circunstâncias passadas.
Ah!, já me esquecia: LESO é a sigla onomástica do meu primo Luís, o Embaixador.
A ver o que ele me dirá telefonicamente quando tratar da saúde ao Alfredo que se esqueceu dos políticos e por isso eles são tão maus.
Outubro de 2021
Henrique Salles da Fonseca