A BORBOLETA BRANCA
Esta história verdadeira, dedico-a à Catarina que tanto gostava da avó Pureza e fez um lindo texto no primeiro aniversário da sua morte, que reproduzi no meu blog. A Catarina no domingo jantou cá em casa e tirou uma foto com o seu telemóvel de uma das fotos da bisavó que tenho no meu computador, o que me enterneceu. Para além disso, a Catarina é, ela mesma, uma força valente e ingénua, que trata toda a gente com muita ternura, sempre na brincadeira. Excepto quando entristece. E as angústias fazem-na vomitar. Avó Pureza, protege a Catarina! E os outros netos e bisnetos também, claro! Creio nisso.
A história foi-me contada pelo Ricardo. Está numa aldeia das faldas da Serra da Estrela, de férias, a apanhar uvas, transportá-las no carro, fazer vinho na prensa. Tem direito a um quarto, onde dormem também a Nina e o Óscar, um dálmata de um amigo que morreu e lhe deixou o encargo de cuidar do cão. Este já precisou de cuidados veterinários e os vizinhos cotizaram-se para pagar o tratamento do Óscar, felizes por o Ricardo ter ficado com ele. Gente boa, que estima os cães. Estes estão nas suas sete quintas, correndo no monte, e o Ricardo também está feliz, sem televisão, sem computador, sem civilização, a natureza como palco dos seus encontros com outros mosaicos de pensamentos de liberdade e grandeza.
Mas mantém o telefone e às vezes conta da sua felicidade: – Vê lá que até rezo o terço, com as pessoas da casa!! Só sei o Pai Nosso e a Avé Maria, mas digo o final: -Assim como era no princípio…
-Sicut erat in principio, et nunc, et semper et in saecula saeculorum, Amen.… citei eu, no meu tom didáctico que ele sacudiu logo de si, como fazia nos seus tempos de filho rebelde que desistiu da vida recomendada, a partir da adolescência, atido à sua própria orientação pessoal mais pautada pela libertação do esforço e por um carpe diem não isento de critérios de responsabilidade e amor. Aproveitei para lhe dizer que uma das reivindicações da avó, para quando morresse, é que lhe rezassem missas, como ela mandava rezar por alma dos seus queridos – os pais, o marido, o tio Afonso, a tia Clara… A lista seria acrescentada com a tia Lisete, a penúltima dos sete irmãos a morrer, e a que já não pôde assistir e fazer-nos assistir, à minha irmã e a mim, dadas as contingências da sua saúde final, presa à cama e à cadeira de rodas. Mas tenho esse peso na consciência de não mandar rezar as missas pela minha mãe, embora saiba que as minhas primas Celeste e Amarílis a incluem nas suas. Então o Ricardo disse que ia informar as suas hospedeiras, que logo se comprometeram a incluí-la nos seus responsos vesperais.
E o Ricardo telefonou-me esta noite a contar da borboleta branca que saiu da blusa de uma das senhoras que invocou o nome da minha mãe, e a segunda vez, quando dela falaram, a borboleta estava em cima das suas cabeças. O Ricardo concluiu que era a alma da minha mãe - segundo o comentário das senhoras amigas – que estava presente ali, ao ser invocada. É claro que me ri, incrédula às coisas da transcendência concretizada, mas o Ricardo garantiu que a minha mãe estava lá. E por isso me lembrei da Catarina, pedindo em espírito a intervenção da borboleta branca pairando sobre aquela, que muito gostava da avó.
Mas a propósito da borboleta branca, lembrei-me do que a minha mãe me costumava dizer, quando estávamos separadas por dois oceanos, o Atlântico e o Índico, embora Coimbra se pudesse apenas consolar com o Mondego que lhe passava ao meio. Dizia a minha mãe, na Lourenço Marques que eu deixei, que quando havia borboleta branca no ar, era sinal de carta minha. Infalível, garantia.
Será que o Ricardo acredita mesmo que as duas borboletas brancas significam a alma da minha mãe, feliz? Tenho que mandar rezar as missas de que a minha mãe me falava, triste, sabendo que as filhas não são de missas, mais pendentes de uma fé íntima, feita de alegrias de reconhecimento ou de tristezas de súplica. A minha irmã ainda vai mantendo a campa bonita, onde estão o meu pai, a tia Clara e agora a minha mãe, de um lado, o marido do outro. Quanto a mim, fiz da casa que foi dos meus pais o santuário onde estão alguns dos quadros com a família que eles por cá dispuseram, a que se juntaram as fotos dos meus e de amigos meus que passaram e ainda estão, ou já não. Esses e os livros são os companheiros da vida feliz. E a minha mãe é a face do meu computador que me acompanhará até sempre, necessária como presença de uma recordação inapagável.
Oxalá que as borboletas brancas sejam sinal da presença alada, como disse o Ricardo e isso o fez feliz.
Berta Brás