A mungomba, isto é, a perua do mato, punha os seus ovos junto à nascente de um rio. Cada vez que punha um, ao sair do ninho, cantava: - Sou eu, sou eu e mais ninguém.
Certo dia, os outros animais reuniram-se no intuito de saber qual seria o motivo da mungomba cantar sempre daquela maneira e decidiram mandar a cobra Ndakakanda ao seu ninho. Quando lá chegou, não encontrou a dona porque esta tinha ido procurar alimentos.
Então, a cobra enrolou-se no ninho e com o seu brilho fazia com que as coisas à volta parecessem águas caudalosas. Quando a mungomba voltou, encontrou no seu ninho uma coisa brilhante e disse assustada:
– Ai, meu Deus! Que mal fiz eu? Por que é que a cobra está sobre os meus ovos?
Não sabendo o que fazer, correu para sua majestade o Tigre e disse-lhe:
– Majestade! Eu saí à procura de alimentos e, quando voltei, encontrei a cobra Ndakakanda sobre os meus ovos. Diga-me o que devo fazer com ela. Se pensa que estou a mentir, venha comigo para ver.
O Tigre respondeu-lhe:
– O problema é teu. Já alguma vez vieste aqui a minha casa visitar-me? Aliás, tenho-te ouvido cantar todas as manhãs. Diz-me lá, como é que costumas cantar?
Respondeu-lhe a mungomba:
– Costumo cantar o seguinte: “Sou eu, sou eu e mais ninguém”.
Respondeu sua majestade, o Tigre:
– Tu não sabes cantar. Deverias cantar da seguinte maneira: “Somos nós, somos nós e mais ninguém”. Quando cantas “Sou eu, sou eu e mais ninguém”, não achas que estás a humilhar os outros animais? Ou pensas que só tu é que vives neste deserto? Agora ficas a saber que somos muitos. Um ocupou o teu ninho e a um outro te vens queixar. Mas ainda somos muitos mais. Tantos, que nem os conheço a todos. Agora digo-te que vás cantar: “Somos nós, somos nós e mais ninguém”, e verás que a cobra deixará os teus ovos.
Voltando a mungomba para junto do seu ninho, cantou:
– Somos nós, somos nós e mais ninguém.
A cobra, ao ouvir a mungomba cantar: - Somos nós, somos nós e mais ninguém, levantou a cabeça e deixou os seus ovos.
Então, a mungomba foi até ao seu ninho, sentou-se sobre os seus ovos até os chocar e, depois, levou os seus filhos para outro lugar.
Acredito que toda sociedade se assenta, principalmente, na educação e cultura dos homens que a constituem. Por isso as diferenças no comportamento e na evolução dos povos. Leia esta carta que saiu nas redes sociais. Ela demonstra de maneira simples o que acabo de dizer.
Maria Eduarda Fagundes
Angolanos,
Assim como vários outros nórdicos e europeus no geral, eu também vim para cá pela primeira vez, para trabalhar. O que eu não poderia imaginar é que passaria 4 anos dentro das vossas fronteiras.
Aprenderia muito sobre a sua cultura, a sua língua, os seus costumes e que, no final do ano passado, eu me casaria com uma das suas moças.
Não é segredo para ninguém que vocês estão passando por alguns problemas. Existe uma crise política (adormecida mas latente), económica, problemas constantes em relação à segurança, uma enorme desigualdade social e agora o paradigma do Petróleo mudou, esse produto não vai ser mais tão caro, os países que o têm não vão ser mais ricos.
No passado, eu tinha muitas teorias sobre o sistema de governo, sobre o colonialismo, políticas económicas, etc. Mas recentemente eu cheguei a uma conclusão. Muita gente provavelmente vai achar essa minha conclusão meio ofensiva, mas depois de trocar várias ideias com alguns dos meus amigos, eles me encorajaram a dividir o que eu acho com todos os angolanos.
Então aí vai: é você.
Você é o problema.
Sim, você mesmo que está lendo esse texto. Você é parte do problema. Você não só é parte, como está perpetuando o problema todos os dias.
Não é só culpa do Zé Dú ou do M. Não é só culpa do preço do petróleo, do aumento do dólar ou da desvalorização do Kwanza.
O problema é a cultura. São as crenças e a mentalidade que fazem parte da fundação do país e são responsáveis pela forma com que os angolanos escolhem viver as suas vidas e construir uma sociedade.
O problema é tudo aquilo que você e todo mundo à sua volta decidiu aceitar como parte de “ser angolano” mesmo que isso não esteja certo.
Quer um exemplo?
Imagine que você está de boleia no carro de um amigo à noite. Vocês passam por uma rua escura e totalmente vazia. O papo está bom e ele não está prestando muita atenção quando, de repente, ele arranca o retrovisor de um carro super caro. Antes que alguém veja, ele acelera e vai embora.
No dia seguinte, você ouve um colega de trabalho que você mal conhece dizendo que deixou o carro estacionado na rua na noite anterior e ele amanheceu sem o retrovisor. Pela descrição, você descobre que é o mesmo carro que o seu brother bateu “sem querer”. O que você faz?
A) Fica quieto e finge que não sabe de nada para proteger o seu amigo?
ou
B) Diz-lhe que sente muito e força o seu amigo a assumir a responsabilidade pelo erro?
Eu acredito que a maioria dos angolanos escolheria a alternativa A. Eu também acredito que a maioria dos nórdicos escolheria a alternativa B.
Nos países mais desenvolvidos o senso de justiça e responsabilidade é mais importante do que qualquer indivíduo. Há uma consciência social onde o todo é mais importante do que o bem-estar de um só. E por ser um dos principais pilares de uma sociedade que funciona, ignorar isso é uma forma de egoísmo.
Eu percebo que vocês angolanos são solidários, se sacrificam e fazem de tudo por suas famílias e amigos mais próximos e, por isso, não se consideram egoístas.
Mas, infelizmente, eu também acredito que grande parte dos angolanos seja extremamente egoísta, já que priorizar a família e os amigos mais próximos em detrimento de outros membros da sociedade é uma forma de egoísmo.
Sabe todos aqueles políticos, empresários, polícias e professores corruptos? Você já parou para pensar por que eles são corruptos? Eu garanto que quase todos eles justificam as suas mentiras e falcatruas dizendo: “Eu faço isso pela minha família”. Eles querem dar uma vida melhor aos seus parentes, querem que os seus filhos estudem em escolas melhores e querem viver com mais segurança.
É curioso ver que quando um angolano prejudica outro cidadão para beneficiar as sua famílias, ele se acha altruísta. Ele não percebe que altruísmo é abrir mão dos próprios interesses para beneficiar um estranho se for para o bem da sociedade como um todo.
Além disso, o seu povo também é muito vaidoso. Eu fiquei surpreso quando descobri que dizer que alguém é vaidoso por aqui não é considerado um insulto como é nos nossos países. Esta é uma outra característica particular da vossa cultura.
Há tempos recebi a visita de familiares da Europa, desejosos de conhecer Angola, as praias do Mussulo e da Ilha do Cabo não são tão bonitas como imaginavam (viam nas fotos) e ainda por cima estavam sujas.
Quando contamos às pessoas sobre a nossa percepção, algumas delas imediatamente disseram: “Ah, pelo menos os seus familiares puderam ver e tirar algumas fotos de bikini e mostrar no FB aos que ficaram lá o quanto é gostoso o calor, né?”
Parece uma frase inocente, mas ela ilustra bem essa questão da vaidade: as pessoas por aqui estão muito mais preocupadas com as aparências do que com quem elas realmente são.
É claro que aqui não é o único lugar no mundo onde isso acontece, mas é muito mais comum do que em qualquer outro país onde eu já estive.
Isso explica porque os angolanos ricos não se importam em pagar três vezes mais por uma roupa de marca ou uma jóia do que deveriam, ou contratam empregadas e babás asiáticas. É uma forma de se sentirem especiais e parecerem mais ricos. É por isso que muita gente comum compra aquela TV gigante que não se adapta à sala, veste fato e gravata (escuro que atrai mais calor é melhor...) com temperaturas a mais de 30°c, em lugares e ocasiões que não precisam de formalidade. No fim das contas, esse é o motivo pelo qual um angolano que nasceu pobre e sem oportunidades está disposto a matar por causa de um telemóvel. Eles também querem parecer bem sucedidos, mesmo que não contribuam com a sociedade para merecer isso.
Muitos europeus acham os angolanos preguiçosos. Eu não concordo. Pelo contrário, os angolanos têm mais energia do que muita gente noutros lugares do mundo (vejam-se as festas que nunca mais acabam, almoço de fds que vai até depois das 0h).
O problema é que muitos focam grande parte da sua energia em vaidade em vez de produtividade. A sensação que se tem é que é mais importante parecer popular ou glamouroso do que fazer algo relevante que traga isso como consequência. É mais importante parecer bem sucedido do que ser bem sucedido de facto.
Vaidade não traz felicidade. Vaidade é uma versão “photoshopada” da felicidade. Parece legal vista de fora, mas não é real e definitivamente não dura muito.
Se você precisa pagar por algo muito mais caro do que deveria custar para se sentir especial, então você não é especial. Se você precisa da aprovação de outras pessoas para se sentir importante, então você não é importante. Se você precisa mentir, puxar o tapete ou trair alguém para se sentir bem sucedido, então você não é bem sucedido. Pode acreditar, os atalhos não funcionam aqui.
E sabe o que é pior? Essa vaidade faz com que seu povo evite bater de frente com os outros. Todo mundo quer ser legal com todo mundo e acaba ou ferrando o outro pelas costas, ou indirectamente só para não gerar confronto.
Para uma saída de lazer, se alguém está 1h atrasado, todo mundo fica esperando essa pessoa chegar para sair. Se alguém decide ir embora e não esperar, é mal visto. Se alguém na família é irresponsável e fica cheio de dívidas, é meio que esperado que outros membros da família com mais dinheiro ajudem a pessoa a se recuperar. Se alguém num grupo de amigos não quer fazer uma coisa específica, é esperado que todo mundo mude os planos para não deixar esse amigo chateado.
É sempre mais fácil não confrontar e ser bom camarada. Só que onde não existe confronto, não existe progresso.
Como nórdico que geralmente não liga sobre o que as pessoas pensam de mim, eu acho muito difícil não ver tudo isso como uma forma de desrespeito e auto-sabotagem. Em diversas circunstâncias eu acabo assistindo os angolanos recompensarem as “vítimas” e punirem aqueles que são independentes e bem resolvidos.
Por um lado, quando você recompensa uma pessoa que falhou ou está fazendo algo errado, você está dando a ela um incentivo para nunca precisar melhorar. Na verdade, você faz com que ela fique sempre contando com a boa vontade de alguém em vez de ensiná-la a ser responsável.
Por outro lado, quando você pune alguém por ser bem resolvido, você desencoraja pessoas talentosas que poderiam criar o progresso e a inovação que esse país tanto precisa. Você impede que o país evolua e cria ainda mais espaço para líderes medíocres e manipuladores se prolongarem no poder.
E assim, você cria uma sociedade que acredita que o único jeito de se dar bem é traindo, mentindo, sendo corrupto, ou nos piores casos, tirando a vida do outro.
As vezes, a melhor coisa que você pode fazer por um amigo que está sempre atrasado é ir embora sem ele. Isso vai fazer com que ele aprenda a gerir o próprio tempo e respeitar o tempo dos outros.
Outras vezes, a melhor coisa que você pode fazer com alguém que gastou mais do que devia e se enfiou em dívidas é deixar que ele fique desesperado por um tempo. Esse é o único jeito que fará com que ele aprenda a ser mais responsável com dinheiro no futuro.
Eu não quero parecer o estrangeiro que sabe tudo, até porque eu não sei.
Só que em breve, Angola, você será parte da minha vida para sempre. Você será parte da minha família. Você será meu amigo. Você será metade do meu filho quando eu tiver um.
E é por isso que eu sinto que preciso dividir isso com você de forma aberta, honesta, com o amor que só um amigo pode falar francamente com outro, mesmo quando sabemos que o que temos a dizer vai doer.
E também porque eu tenho uma má notícia: não vai melhorar tão cedo.
Talvez você já saiba disso, mas se não sabe, eu vou ser aquele que vai lhe dizer: as coisas não vão melhorar nessa década.
O seu governo não vai conseguir pagar todas as dívidas que ele fez a não ser que mude toda a sua constituição. Os grandes negócios do país pediram dinheiro demais emprestado quando o dólar estava baixo, em 2008-2010 e agora não vão conseguir pagar já que as dívidas dobraram de tamanho. Muitos vão falir por causa disso nos próximos anos e isso vai piorar a crise.
O preço do petróleo está extremamente baixo e não apresenta nenhum sinal de aumento num futuro próximo, isso significa menos dinheiro entrando no país. A sua população não é do tipo que poupa e sim, que se endivida. As taxas de desemprego estão aumentando, assim como os impostos que estrangulam a produtividade da classe trabalhadora.
Você está ferrado. Você pode tirar o Zé Dú de lá, ou todo o M. Pode (e deveria) refazer a constituição, mas não vai adiantar. Os erros já foram cometidos anos atrás (na guerra pode-se errar na táctica mas não na estratégia... o M errou na estratégia) e agora você vai ter que viver com isso por um tempo.
Se prepare para, no mínimo, 5-10 anos de oportunidades perdidas. Se você é um jovem angolano, muito do que você cresceu esperando que fosse conquistar, não vai mais estar disponível. Se você é um adulto nos seus 30 ou 40, os melhores anos da economia já fazem parte do seu passado. Se você tem mais de 50, bem, você já viu esse filme antes, não viu?
É a mesma velha história, só muda a década. A democracia não resolveu o problema. Um Kwanza estável por uns anos não resolveu o problema. Tirar milhares de pessoas da pobreza não resolveu o problema, construir centralidades em cada província, universidades se espalhando por todas as províncias, o problema persiste. E persiste porque ele está na mentalidade das pessoas, todos querem exibir diploma e procurar emprego ao invés de trabalho, querem parecer no lugar de ser.
O “jeitinho Angolano” precisa morrer. Essa vaidade, essa mania de dizer que Angola sempre foi assim e não tem mais como também precisa morrer. E a única forma de acabar com tudo isso é se cada angolano decidir matar isso dentro de si mesmo.
Ao contrario de outras revoluções externas que fazem parte da sua história, essa revolução precisa ser interna. Ela precisa ser resultado de uma vontade que invade o seu coração e a sua alma.
Você precisa escolher ver as coisas de uma nova forma. Você precisa definir novos padrões e expectativas para você e para os outros. Você precisa exigir que o seu tempo seja respeitado. Você deve esperar das pessoas que te cercam que elas sejam responsabilizadas pelas suas acções. Você precisa priorizar uma sociedade forte e segura acima de todo e qualquer interesse pessoal ou da sua família e amigos. Você precisa deixar que cada um lide com os seus próprios problemas, assim como você não deve esperar que ninguém seja obrigado a lidar com os seus.
Essas são escolhas que precisam ser feitas diariamente. Até que essa revolução interna aconteça, eu temo que o seu destino seja repetir os mesmos erros por muitas outras gerações que estão por vir.
Você tem uma alegria que é rara e especial, Angola. Foi isso que me atraiu em você muitos anos atrás e que me faz viver aqui. Eu só espero que um dia essa alegria tenha a sociedade e os líderes que merece.
Havia um lobo que tinha um bode. A raposa tinha uma cabra. A raposa foi pedir o bode ao lobo para criar com a fêmea.
A cabra da raposa teve dois filhos. Depois, o lobo foi pedir os cabritinhos da raposa, dizendo que eram dele porque eram filhos do seu bode. A raposa respondeu:
– Não, os cabritinhos são meus porque são filhos da minha cabra.
E o lobo a teimar que eram dele. A raposa foi depois queixar-se ao rei, que era o dono da mata – o leão – e este diz:
– Vou chamar os bichos todos para virem amanhã ao julgamento, de manhã.
Só depois de estarem todos reunidos os bichos, começou o julgamento e à frente estavam o lobo e a raposa. Dos animais, só faltava o cágado.
Esperaram um pouco mais. Aí vinha o cágado, lá ao longe. O lobo falou ao cágado:
– Oh! Bicho da casca, onde estavas que demoraste tanto tempo? Os bichos todos já estão cá e os elefantes também.
O cágado respondeu:
– Eu estava ao pé de meu pai, que estava a ter um filho...
– lh! Como é que você fala? Assim o teu pai costuma dar filhos? É por acaso mulher?
Todos os bichos que ali estavam responderam:
– lh! Afinal, um homem não dá filhos. Este julgamento que chamou a gente aqui, perdeu a razão. Estes cabritinhos ficam da raposa, porque um homem não dá filhos.
Vamos começar 2016 com recordações, de tempos passados, estas com mais de sessenta anos, antes que esqueça! Os neurónios estão muito gastos, e o HD dos miolos... cansado, com uns quantos bugs. Máquina com muito uso, folgas mecânicas e apagões sensoriais, tirar dela coisas “velhinhas” tem que ser quando, como por encanto, surgem.
Tarde de uma sexta feira aparece na Lusolanda, na velha e morena cidade, um agricultor pedindo assistência técnica a uma máquina agrícola que tinha na sua fazenda, no interior, lá para as bandas de Quilengues, a cerca de duzentos quilómetros da linda (e muito saudosa) Benguela.
Era preciso lá ir, sempre acompanhado do indispensável ajudante, cujo nome, infelizmente está esquecido, mas não o seu afável caráter e sempre boa disposição.
Avisar em casa que ia passar uma ou duas noites fora, embarcar naquele velho e incómodo furgão Renault Savane, já o Sol a esconder-se na Praia Morena, aí vão os três, o ajudante, o agricultor e o técnico.
Pouco depois de sair da cidade tinha que se atravessar uma zona, grande, um areal com alguns poucos quilómetros, onde todos os motoristas preferiam abrir uma pista nova para não roçarem com a barriga do carro no chão, rodando nas pistas já abertas na areia. Havia dezenas de pistas e cada um escolhia aleatoriamente uma que lhe “parecesse” a melhor para não se enterrar e que o levasse ao destino.
No Sul de Angola só havia uma amostra de estrada asfaltada entre as cidades de Benguela e Lobito. Tudo mais eram picadas. Umas razoáveis outras... Deus sabe.
Daquele areal saíam duas picadas: uma que um pouco adiante virava para o interior e outra que seguia para o sul, para a Baía Farta, e Dombe Grande.
Já noite era preciso muita atenção para não entrar no caminho errado, que foi exactamente o que aconteceu!
Desconfiado por sentir que não tinham virado para Leste, onde já deviam estar a começar a subir para o planalto, mas não querendo correr o risco de andar para trás e para diante até se perder de todo, o melhor foi seguir em frente até encontrar alguém ou alguma coisa que identificasse onde se estava.
Continuaram um pouco mais para Sul até que viram três homens que caminhavam em fila, com aquela paz que só os africanos eram capazes de imprimir ao seu ritmo de vida.
Pararam. “Boa noite” – “Boa noite” – “Esta picada vai para Catengue?” – “Sim senhor, patrão. ” A resposta não agradou porque estavam certos de se terem enganado. Mas...
“E não vai para o Dombe?” – “Sim senhor, patrão.”
Difícil! O “sim senhor, patrão” significava simplesmente que tinham ouvido a pergunta. Como quem fala no rádio e responde à comunicação de outros: “Roger, roger”, que quer dizer “ouvi”!
Pergunta a seguir, meio idiota, para quem falava com africanos simples do interior: “E até ao Dombe é longe? ” - “Sim, patrão”. Deviam ser uns vinte quilómetros! “Mas não é perto? ” - “É pelto sim, patrão.”
“Então? ” – “Aha, é pelto, mas é longe.”
Tiveram que interpretar aquele filosófico diálogo. Primeiro, como calculavam, estavam no caminho errado. Pura dedução. Mas o “é perto, mas é longe” envolve uma mensagem admirável: “Para quem vai de carro, é perto, para quem caminha é longe. ” Brilhante. Grande lição.
Depois disto, voltaram para trás e apanharam então a saída certa e não tardou a aparecer a subida da serra.
Chegaram ainda a horas de comer um belo jantar em Catengue, onde as estradas-picadas de dividiam: uma sempre para leste, a outra para o sul onde estava o ambicionado Quilengues.
Catengue era um posto de abastecimento de lenha para os comboios do Caminho Ferro de Benguela, que faziam Lobito até Teixeira de Sousa, hoje Luau, um total de 1344 quilómetros, e que depois segue pelo Congo, etc. até chegar a Moçambique.
Já com um clima agradável, a um pouco mais de 600 metros de altitude, ali havia uma casa comercial com uma pequena pensão, um restaurante onde se comia bem e bom, e o dono tinha, além de bastante gado que pastava por larga terra que não faltava, dentro de forte cercado de madeira, feito com toros grossos, um enorme búfalo macho, recolhido quando filhote. O bicho era lindo, enorme, e quando alguém se aproximava do cercado ele ia encostar-se à cerca para que lhe fizessem festas naquele forte e grande corpanzil. Chamava-se Bonifácio.
Um parente do Bonifácio
O dono dava-lhe comida suficiente e o bom do Bonifácio vivia tranquilo, sem perturbar ninguém.
Mas, depois de adulto, todo o ano em época certa, ele começava a alargar as narinas e a ficar mais nervoso. Pelo ar chegava-lhe, de quão longe nunca alguém apurou, o cheiro de fêmeas no cio.
Bonifácio não era macho para que alguma fêmea botasse defeito e ele devia saber isso bem.
No momento que considerava próprio, uma pequena marrada no “fortíssimo cercado”, abria uma saída e sumia. Ia ter com as beldades da sua espécie. Ficava ausente uns quantos dias e depois de ter cumprido as suas obrigações de macho forte e bonitão, regressava ao tranquilo lar do cercado. Vinha um pouco abatido, mais magrito, mas certamente deixara o seu gene nalgumas bonitonas.
A seguir o dono do posto tinha que reparar o “forte cercado”!
Comia-se bem no simplório restaurante de Catengue. Não faltava nada.
Alguns anos mais tarde novamente jantar em Catengue, desta vez fazendo cabo a Benguela, um francês como pouco mais do que carona, que se viria a revelar um fd.... Poucas mesas e clientes no restaurante, portas abertas para fora, para que entrasse e corresse, aquele fresquinho maravilhoso.
O francês a 90° graus da porta e o “cicerone” bem de frente para a dita.
O jantar com certeza era bom, acompanhado da indispensável garrafa de vinho, tinto, apesar de ambos estarem em serviço da Cuca.
Os copos cheios, ou a mais de meio, com vinho, de repente entra voando em velocidade quase super sónica, uma cigarra ou um grilo ou até um matrindindi, que bate com força na testa do “cara” da Cuca! Até doeu. Com o ricochete o bichinho cai dentro do copo de vinho, vibra intensamente, as asas ou o abdómen, de tal forma que, até esgotar o vinho e morrer bebedíssimo, com a vibração estridente espalhou o vinho por todo o lado.
Em cima da mesa, nos pratos do saboroso bife com batatas fritas e sobretudo sobre os dois comensais de camisas brancas, que levaram um chuveiro de vinho tinto!
Pobre cigarra ou matrindindi. Deve ter morrido feliz. As camisas foram depois para lavar.
Perdeu-se um bom copo de vinho, mas ganhou-se uma história que sessenta anos depois só amarga pela saudade!
Somos o povo especial escolhido do Sr. Engenheiro.
E como povo especial escolhido por ele, não temos água nem luz na cidade.
Temos asfalto cada dia mais esburacado.
Os que, dentre nós, vivem na periferia, não têm nada. Nem asfalto. Só miséria, lixo, mosquitos, águas paradas. Hospitais?!!! Nem pensar. O povo especial não precisa. Não adoece. Morre apenas sem saber porquê. E quando se inaugura um hospital bonito e ficamos com a esperança de que as coisas vão mudar minimamente, descobre-se que as máquinas são chinesas, com manuais chineses sem tradução e que ninguém sabe operá-las... Estas são opções especiais para um povo especial.
Educação?!! O povo especial não precisa. Cospe-se na rua (e agora com os chineses, temos que ter cuidado para não caminharmos sobre escombros escarrados de fresco...), vandalizam-se costumes, ignoram-se tradições.
Escolas para quê e para ensinar o quê?!! Que o Sr. Engenheiro é um herói porque fugiu ali algures da marginal acompanhado de outros tantos magníficos?!!!
Que a Deolinda Rodrigues morreu num dia fictício que ninguém sabe qual, mas nada os impediu de transformar um dia qualquer em feriado nacional?!!!!
O embuste da história recente de Angola é tão completo e manipulado que até mesmo eles parecem acreditar nas mentiras que inventaram...
Se incomodarmos o Sr. Engenheiro de qualquer forma, sai a guarda pretoriana dele e nós ficamos quietos a vê-los barrar ruas anarquicamente sem nos deixar alternativas para chegarmos a casa ou aos empregos.
O povo especial nem precisa ir trabalhar se resolvem fechar as ruas. Se sairmos para almoçar e eles bloqueiam as ruas sem qualquer explicação, só temos uma hipótese: como povo especial não precisa de comer, dá-se meia volta de barriga vazia e volta-se para o emprego.
E isto quando não ficamos horas parados à espera que o sr. Engenheiro e sua comitiva recolham aos seus lares e nos deixem, finalmente circular.
Entramos em casa às escuras e saímos às escuras. Tomamos banho de caneca. Sim, bem à moda do velho e antigo regime do MPLA-PT do século passado. Luanda, que ainda resiste a tantos maus-tratos e insiste em conservar os vestígios da sua antiga beleza, agora é violentada pelos chineses. Sodomizada. Sistematicamente. Dia e noite. Está exaurida; de rastos, de cócoras diante dos novos "amigos" do Sr. Engenheiro.
Eles dão-se, inclusivé, ao luxo de erguerem dois a três restaurantes chineses numa mesma rua.
A ilha do Cabo tem mais restaurantes chineses que qualquer outra rua de qualquer outra cidade ocidental ou africana: CINCO!!!! A China Town instalada em Luanda. As inscrições que colocam nos tapumes das obras em construção, admirem-se, estão escritas na língua deles. Eles são os novos senhores. Os amigos do Sr. Engenheiro.
A par do Sr. Falcone... a este foi-lhe oferecido um cargo e passaporte diplomático.
Aos outros, que andam aos bandos, é-lhes oferecido a carne fresca das nossas meninas. Impunemente. Alegremente. Com o olhar benevolente dos canalhas de fato e gravata. Lá fora, no mundo civilizado, sem povos especiais, caçam os pedófilos. Aqui, criam e estimulam pedófilos. Acham graça.
Qualidade de vida é coisa que o povo especial nem sabe o que é. Nem quantidade de vida, uma vez que morremos cedo, assim que fazemos 40 anos. Se vivermos mais um pouco, ficamos a dever anos à cova, pois não nos é permitida essa rebeldia. E quem dura mais tempo, é castigado: ou tem parentes que cuidem ou vai para a rua pedir esmola!
Importam-se carros. E mais carros. De luxo. Esta é a imagem de marca deles: carros de luxo em estradas descartáveis, esburacadas. Ah... e telemóveis!!!! Qualquer Prado ou Hummer tem que levar ao volante um elemento com telemóvel. Lá fora, no mundo civilizado sem povos especiais, é proibido o uso do telemóvel enquanto se conduz. Aqui é sinal de status, de vaidade balofa!!!!!!!!!!
Pobre povo especial. Sem transportes, sem escolas, sem hospitais. À mercê dos candongueiros, dos "dirigentes" e dos remédios que não existem. Sem perspectivas de futuro.
Os nossos "amanhãs" já amanhecem a gemer: de fome, de miséria, de subnutrição, de ignorância, de analfabetismo, de corrupção, de incompetência, de doenças antes erradicadas, de ira contida, de revolta recalcada.
Memórias duma vida, em histórias ao acaso... por mim vividas.
Portugal “autorizou” o desembarque dos cubanos em Angola, muito antes da Independência...fui testemunha presencial.
Ou, de como o poder político de Lisboa 75 montou uma "golpada encoberta", político militar em Angola, e que poderia ter vitimado muitos paraquedistas em 75, isto para apoiar o MPLA; a coisa falhou, por obra e graça de circunstâncias várias... conforme o relato que se segue...absolutamente factual.
Cinco, dos meus já muitos anos, ficaram por terras e guerras de Angola e Moçambique; desse tempo, ficou-me a África no coração, a honra do dever cumprido e memórias, histórias da História que, ao acaso, gosto de contar, tal qual as vivi.
Angola, Julho de 1975, o MPLA, pela força das armas, tinha expulso de Luanda a UNITA e também o FNLA, havendo ainda nessa altura, deste último movimento, milhares de pessoas refugiadas junto do Palácio do Governador, cargo na altura desempenhado por um Alto Comissário, o General Silva Cardoso, da FAP.
Comandante ocasional da 3ª CCP, uma companhia de paraquedistas do BCP 21 em Angola, coube-me garantir a segurança militar do Palácio.
Vivia então o MPLA a euforia da vitória contra o FNLA em Luanda; as centenas de mortos, dos massacres ocorridos nesses dias, eram rapidamente carregados em viaturas militares portuguesas e enterrados, por uma escavadora, em valas comuns no campo de golf.
O recolher era obrigatório, a morte e o terror tinham-se instalado na cidade; havia centenas de prisioneiros feitos pelo MPLA detidos na Praça de Touros, no Morro da Luz e no forte de S. Pedro, onde eram torturados e assassinados, diariamente.
Portugal abandonou lá à morte umas largas centenas desses prisioneiros, criminosamente, depois da independência, por ordem expressa vinda de Lisboa, que os considerou reaccionários e inconvenientes politicamente em Portugal.
Foram pois condenados sumariamente á morte por uns quaisquer políticos de Lisboa, eram trezentos e tal... pelas minhas listas.
Eu próprio fiz entrega ao Capitão Fernandes da FAP, oficial de ligação com o Alto Comissário no Palácio, e várias vezes, da lista desses prisioneiros, a pedido dos familiares.
Fora da capital, o MPLA estava sob forte pressão militar em duas frentes, os sul-africanos a sul e o FNLA a Norte; o dia da Independência aproximava-se e o controle total de Luanda era fundamental ao MPLA, para justificar ser este o único recipiente formal da Independência, conforme vontade do então pró URSS poder político português.
Apesar das vitórias em Luanda, apoiadas totalmente por Portugal, o potencial militar do MPLA, face à situação geral, não garantia que este conseguisse manter Luanda até 11 de Novembro, dia acordado em Alvor para a Independência.
Moscovo e Lisboa, então irmanadas nos ideais políticos, tinham esta questão crítica a resolver; nos limites das águas territoriais de Angola, navios cubanos com milhares de militares a bordo, aguardavam a oportunidade política para os desembarcar e entrar em Angola...
O ambiente em torno do Palácio do Governador era caos e drama; os militantes do FNLA ali refugiados, aguardavam em terror, a prometida evacuação para o Norte; sobreviviam comendo folhas das árvores e pouco mais.
Grupos militares do MPLA e o seu “poder popular”, em louca orgia de morte e chacinas, varriam a cidade em todas as direcções...
Os motoristas do Exército Português, por medo e ou ordens, recusaram conduzir as viaturas para transporte dos FNLA´s ao aeroporto, donde seriam evacuados, via avião militar, para Carmona...tive eu, capitão, mais alguns paraquedistas, de conduzir as viaturas!
Naquele dia, exceptionalmente, todas as autoridades portuguesas se encontravam reunidas no Palácio:- o Alto Comissário, o General Almendra, Cmdt Militar de Luanda, o General Valente, Cmdt da Região Aérea, o General Ferreira de Macedo, Cmdt da Zona Leste, etc...e, estranha mas, óbvia coincidência, o grande “Descolonizador”, Major Melo Antunes, chegava nessa noite, vindo de Portugal, em missão especial, o que significava algo de extraordinário.
Jornalistas de todas as nacionalidades, nervosos, adivinhavam novidades.
Naquele dia de manhã, um providencial jornalista brasileiro, insistiu em falar comigo, por ser eu o responsável da segurança do palácio; disse-me dispôr de informações, de fontes fidedignas internacionais, inclusivé da Reuters, afirmando que:
- “O MPLA, apoiado por forças do exército e da marinha portuguesa, sob coordenação dum general do exército português, que nomeou, iam naquela noite tomar de assalto o Palácio, deter o Alto Comissário, o Cmdt Militar de Luanda e os militares portugueses que se opusessem, para o MPLA declarar de imediato e, unilateralmente, a Independência e poder, afastado e desresponsabilizado o governo Português, pedir o apoio militar dos cubanos, já ao largo, prontos a desembarcar“.
Achei a história fantasiosa, agradeci e nada fiz.
Passada uma hora, insistiu de novo em falar comigo e disse-me para tomar muito a sério a informação dada. Pelo sim pelo não, reforcei a defesa do Palácio.
Horas depois, três da tarde, o sargento encarregado da segurança externa do Palácio reportou-me que duas viaturas blindadas, da polícia militar portuguesa, tinham tentado forçar a passagem para o Palácio, foram impedidas e recuaram; estranhei, dei mais credibilidade à informação do jornalista, reforcei seriamente o efectivo e tornei, absolutamente rigorosas, as ordens de não deixar aproximar quaisquer militares portugueses do Exército e da Marinha.
Falei com o general Valente, Cmdte da Região Aérea e presente no Palácio, de quem eu dependia, informei-o da situação, disse-me não acreditar, foi falar com o Alto Comissário e reafirmou-me ser tudo especulação.
Entretanto, a polícia militar portuguesa, desta vez, com sete viaturas sob comando dum capitão do meu curso da Academia, voltou a tentar penetrar a defesa exterior; eram apenas testes para verificar as defesas do Palácio; impedidos pela ameaça das armas paraquedistas, recuaram.
Os militares do MPLA circulavam nervosamente em torno da área do palácio; já sem quaisquer dúvidas, fiz novo contacto com o General e exigi firmemente ordens claras, para defesa ou não do Palácio e disse-lhe para informar o Alto Comissário que, caso eu e os meus homens fossemos armadilhados, tal como tinha acontecido com outros paraquedistas, no 11 de Março de 75, no Ralis em Lisboa, alguém dentro do Palácio responderia caro por isso e, no acto; confirmou-me as ordens para a defesa do Palácio.
Já noite, alguns tiros foram disparados contra as sentinelas sem as atingirem, o dispositivo de defesa reagiu de imediato e em força; do interior do Palácio, o primeiro elemento a sair, muito tenso, foi o General, que o jornalista alegava ser o homem mandatado por Lisboa, para execução deste plano; visivelmente perturbado, interpelou-me de forma extremamente agressiva acerca do porquê de tal aparato de defesa; depois de alguns desenvolvimentos, nada mais aconteceu; a determinação da defesa paraquedista, abortara o plano.
Cerca da meia-noite, o Major Melo Antunes chegou ao aeroporto; veio e fez uma breve reunião no Palácio e foi encontrar-se de imediato com o Dr. Agostinho Neto, na sua residência no Futungo de Belas, o que por si só diz da urgência dos assuntos a decidir.
Vinha validar e gerir as consequências do golpe planeado mas, falhado.
Este sinistro major, alma negra e, “intelectual” pró moscovita da revolução, foi sempre o omnipresente mentor e condutor pró soviético da descolonização e não só, armadilhando-a onde foi preciso para o efeito; mais tarde diria, cinicamente, que foi a “descolonização possível”; pagaram-lhe com um tacho na UNESCO.
Dias depois, onze da noite, em Luanda, na reta da Samba, indo eu a caminho do BCP 21, encontrei-me sozinho, frente a frente, com uma coluna imensa de viaturas militares cubanas, que se deslocava a coberto da noite e do recolher obrigatório, que eu não tinha respeitado.
Surpreendido e confuso parei, saí da viatura e identifiquei-me aos dois militares que se me dirigiram, um MPLA e outro Cubano; por sorte eu estava fardado, se não....; mandaram-me seguir sem nada dizerem.
Tinham desembarcado lá para a barra do Quanza; abortada a planeada declaração, unilateral e antecipada, da independência de Angola e, como alternativa, Melo Antunes terá acordado, no encontro com Agostinho Neto, em nome de Portugal, o desembarque clandestino das tropas cubanas em Angola, cerca de três meses antes da independência.
Portugal traiu assim, politicamente e de facto, os acordos de Alvor, assinados com os três movimentos.
Mais tarde, os navios regressaram a Cuba, já depois da Independência, levando consigo o primeiro pagamento da solidariedade proletária, carregando os modernos equipamentos médicos saqueados dos hospitais de Luanda, mais café, autocarros que circularam em Havana ainda com “Mutamba” no destino, viaturas civis, mármores dos cemitérios e gado, (que veio a provocar a peste suína africana em Cuba); era a colonização proletária.
Uns seis meses depois, já em Portugal, encontrei-me num juramento de bandeira na Base Escola dos Paraquedistas em Tancos, com o General Valente, o mesmo com quem tinha dialogado no Palácio em Luanda, no decurso deste episódio e, que lá me tinha garantido, convicto, que a história do jornalista não tinha fundamento.
Dirigiu-se-me e, sem eu nada perguntar, disse-me:- "Lembra-se daquele dia em Luanda no Palácio? Pois confirmei já, aqui em Portugal que, de facto, aquele plano de assalto e tomada do Palácio existiu, era para executar e, só falhou, pela resistência encontrada”.
Caso o milagroso jornalista brasileiro, não me tivesse alertado para o traiçoeiro e criminoso projecto de Lisboa, soldados portugueses teriam morto e teriam preso outros militares portugueses, tudo em nome da (in)dependência então pró URSS, hoje, ironicamente já pró USA.
Eram estes então os donos do poder político pós Abril, em Portugal... miseráveis traidores e criminosos.
Numa entrevista dada a António Ferro, em 1933, Salazar questionava assim a ideia de descolonizar, -“Porque é que havemos nós de sair de África, onde estamos, há mais de 500 anos, para dar lugar aos Russos ou aos Americanos, que nada têm a ver com tal continente?”- Tinha razão como em tudo o mais.
Este episódio, entre muitos outros que vivi, ilustra bem a traição e a irresponsabilidade criminosa e cobarde duma descolonização anti africana e anti portuguesa, que conduziu, ao longo destes 40 anos, milhões de seres humanos à morte, à tortura, à fome, à doença, ao não futuro, tudo em nome de supostos ideais políticos, que não foram mais do que máscaras das cobiças internacionais pelos nossos territórios ultramarinos..
Um ideal político, por si só, não é bom, sê-lo-á sim se, na prática, dele resultar mais “felicidade” para o povo a que se destina; não foi o caso; muitas das vezes o ideal é o pior inimigo dum povo, pois é apenas uma máscara de algo muito pior; foi e é o caso.
Enfim, misérias do agonizar e morte dum Portugal que foi Grande.
Que os milhões de mortos, porque é de milhões que se trata, de Angola, Moçambique, Timor e Guiné, acontecidos durante e, sobretudo, pós descolonizações e dos quais, são assassinos morais os nossos “descolonizadores”, lhes pesem na bestunta (in)consciência, nestes tempos de fim do País que fomos, pois, “Os Países também morrem”.
Jose Luiz Costa Sousa
Capitão Paraquedista no BCP 21, á data em que vivi os factos aqui relatados
Talvez ninguém se lembre, mas agora tem nova e especial oportunidade)
Luanda, 1960 – Para inaugurar em Angola o início das actividades da Força Aérea, até então ausentes da guerra colonial, organizou-se uma espécie de “festival” aéreo, com uma dúzia de aviões que para ali foram destacados, aproveitando-se para se fazer também uma exibição dos homens que vêem dos céus!
Na altura dizia-se que aqueles esses aviões tinham sido cedidos pela OTAN (NATO), em que Portugal estava integrado, para exercícios de defesa da Europa. Manhosamente, Salazar, convenceu os parceiros que fazia os exercícios de treinamento em África! Ninguém engoliu tão esfarrapada mentira, mas todos fizeram ouvidos de mercador. E, como é cronicamente sabido, os piores diplomatas do mundo são os americanos. Cegos, todos, por dinheiro, tudo Tio Patinhas, cederam aviões para a OTAN e quando souberam que eles estavam em África, e os seus interesses visavam também o chamado Cone sul africano, ou o Atlântico Sul, ou a rota do petróleo e mais as riquezas africanas - África do Sul, Rodésias, Moçambique, Angola e Congo – acharam que não seria má ideia disfarçar e ajudarem a manter o status quo dessa zona de África... até ver.
Os Estados Unidos e a sua clássica incapacidade de política externa ainda não tinham despertado para o mundo novo, os novos países africanos, voltados para a União Soviética que abertamente os apoiavam. Só mais tarde é que decidiram ajudar e financiar alguns grupos rebeldes, não tanto independentistas, como o FNLA, porque as suas ligações e/ou compromissos com o Congo, nunca ficaram muito bem esclarecidas!
A verdade é que Portugal, levou de graça para Angola uma dúzia de caças a jacto!
Para além do aspecto político que representava para os povos que queriam a sua independência, a chegada de uma nova força de repressão, o espectáculo anunciado seria interessante, sobretudo se pensarmos que foi em África, há mais de quarenta anos, onde praticamente não havia páraquedismo. Ninguém queria perder a oportunidade de ver descer dos céus aqueles pequenos cogumelos, devagar, que aumentavam de volume até se desfazerem de encontro ao chão.
Sabendo que esse festival aéreo daria início à instalação de mais uma força, certamente para não só intimidar, mas combater pretensões de independência, um dos partidos, todos ainda muito incipientes, dando os primeiros passos, distribuiu clandestinamente um panfleto-manifesto alertando as populações para o significado desse tal festival, aconselhando-as a não comparecerem. Distribuído com a maior dificuldade, porque clandestino, alcançou pouca gente, e muita desta assim mesmo ainda quis ir ver o que seria essa nova ameaça.
Os jactos da Força Aérea evoluíram por cima da cidade, voos de exibição, e os de transporte de tropas soltaram umas dezenas de homens pelos ares. A surpresa maior estava reservada para o final, e essa nada tinha a ver com a guerra que acabaria por eclodir: o primeiro salto de páraquedas de uma mulher! Um acontecimento na história da evolução dos povos, quando por esse tempo a mulher pouco mais fazia do que parir e cuidar de filhos e marido!
O tempo estava meio fechado no fim daquela manhã quando o grande feito ia acontecer por cima do Aeroporto.
Todos os muene-mputu presentes, desde o nguvulu aos secretários, os cabitangu, respectivas esposas e povo em geral.
Tinha vinte e quatro anos a mocinha que se ia atrever a tamanha temeridade. Os machos páraquedistas e outros elementos da Força Aérea, terrivelmente preocupados com o que poderia acontecer à frágil e feminina atrevida.
Avião escolhido para a aventura: um velho Dragon Rapid, que atingia a vertiginosa velocidade de cruzeiro de 213 km/hora, bimotor, asa dupla, estrutura tubular, forrado a lona, para transporte de passageiros em linhas “regulares”. Passageiros, não recordo bem, mas o máximo de sete! Grande avião.
O “grande” Dragon Rapid, onde? Benguela?
Piloto, um amigo, experiente comandante da Divisão de Transportes Aéreos de Angola, a DTA, do mesmo modo igualmente preocupado com a responsabilidade de “largar a primeira moça nos ares de Angola”, o Jorge Verde.
Chegada a hora, entram no avião, o piloto, fundamental, a destemida aventureira, um fotógrafo para documentar o histórico salto, e este, que hoje, tantos anos passados, “faz a reportagem”, amigo de infância da heroína, privilegiado assim para de mais perto e melhor ver o famoso salto!
Em terra, silêncio! Tensão. Céu meio encoberto de nuvens. O Dragon ganhou altura, e ficou voando em círculos bem por cima do Aeroporto, onde o salto se devia efectuar. O piloto, nervoso também por causa do natural machismo e porque não conseguia ver o chão com clareza, ordenava que a mocinha só devia saltar quando ele mandasse. Lá de cima, a pista, pequenina, aparecia e sumia logo encoberta com as nuvens. Já íamos talvez na quarta volta, o tempo seguia, que é o único que não se preocupa com tristezas ou alegrias, sol ou chuva. Páraquedista junto à porta, fotógrafo à ilharga, eu no centro daquele aviãozão. O Jorge Verde: - Não saltes ainda. Espera que eu te diga.
Ordem que eu retransmitia. Porta do avião aberta, o fotógrafo amarrado a um banco com medo de ser levado porta fora mesmo sem páraquedas, eu atrevidamente mal assomava com a cabeça a um metro da porta e a valente moça, tranquila, mas desesperada para saltar logo. -Espera mais um pouco.
A dada altura sai e fica em pé na asa! Imaginem só a loucura! O fotógrafo e eu arrepiados, talvez mesmo apavorados e com mais vertigens do que jamais havíamos pensado. E o piloto: - Ainda não estamos na posição certa. Espera.
Neste momento a frágil e feminina aventureira, diz: - Não vou esperar mais. De repente, lá vai ela. Saltou!
Nós, dentro do avião deixámos de a ver no mesmo instante e ninguém se atrevia a pôr a cabeça de fora para ver onde ela ia! Deus nos livre.
Tínhamos ambos a sensação de que se puséssemos a cabeça de fora, no mesmo segundo seríamos sugados mesmo sem páraquedas. Passado um pouco ouve-se novamente o piloto:
- Espera só mais um pouco. Vamos agora passar bem em cima.
- Não te preocupes mais. Já voou!
- Mas ela é maluca! Não devia ter saído sem eu lhe dizer!
- Pois é. Mas agora já lá deve estar em baixo!
A única solução foi regressar à base. Nada mais havia a fazer lá nas alturas. Quando aterrámos, já ela estava, pés bem no chão, rodeada de gente. O povo espectador aplaudia, os machos da aviação ralhavam com a jovem: - Foi uma temeridade... que loucura... tanto tempo em queda livre... que perigo... não foi para isso que você aqui veio... podia ter acontecido um desastre e nós éramos os responsáveis – e outras observações dentro da mesma tónica.
Os homens ainda não estavam habituados a que as mulheres rivalizassem com eles em situações de coragem! Ninguém se lembrava por exemplo de uma Brites de Almeida, a terrível padeira de Aljubarrota, ou de uma Joana d’Arc!
Cumprimentos, despedidas, muitos obrigados, etc., acabou a festa, e a mocinha, nossa hóspede, foi connosco para casa. Ligámos logo a telefonia para ouvir a reportagem, em diferido, como hoje se diz, porque ainda não havia o em directo, ou ao vivo, e enquanto almoçávamos fomos ouvindo o locutor e o seu relato.
- Estamos no aeroporto, presentes as diversas excelências, etc., e vamos agora assistir ao primeiro salto de páraquedas de uma mulher, nestas terras de Angola. Jovem, enfermeira páraquedista, veio de Lisboa expressamente para nos mostrar o quanto as mulheres podem fazer, saltando dos ares, quando necessário, para levar a saúde e a esperança a feridos e doentes, em lugares onde outro tipo de ajuda pode fazer perigar a vida do doente. O exemplo desta jovem deve ser admirado e seguido.
O avião, com a destemida garota, já levantou aqui do aeroporto e está a ganhar altura. O tempo está bastante encoberto o que não permite que daqui de baixo o possamos acompanhar o tempo todo. Ouvimos o ronco do seu motor, mas mal o adivinhamos quando de repente passa entre duas nuvens...
Olha, passou agora. Ihh! Já deixámos novamente de o ver... O avião anda lá por cima às voltas. Vamos ver quando nos aparece a páraquedista. OLHEM! Apareceu agora. Lá vem ela. Mas... o páraquedas não se abriu!... Meu Deus! O páraquedas nunca mais se abre. Que horror... ela vai cair. Já vem a cair há uns cinco minutos e o páraquedas não se abre!...
Nesta altura a voz do locutor está ofegante, cansada! A emoção mais forte do que ele.
- FINALMENTE! Graças a Deus! O páraquedas abriu-se... e lá vem ela... descendo... devagarinho. Lá vem... Está agora... a pousar... no chão... para lá... já se encaminham... os que a vão receber... e felicitar. Uff! Que grande susto nós levámos!
Almoçando tranquilamente, a Isabel reviveu esta apavorante descrição da sua aventura... “ao vivo”!
***
Passado mais de meio século a história continua: a Jovem (avó de onze netos) Isabel Rilvas, nas comemorações do Centenário da Força Aérea Portuguesa é agraciada com a Medalha de Mérito Aeronáutico de 1.ª Classe, distinção reservada a oficial general e capitão-de-mar-e-guerra ou coronel, que lhe foi entregue pelo Chefe do Estado Maior daquela Força.
O antigo Reino do Kongo, que os portugueses, em 1483, encontraram, estava limitado a norte pelo Rio Zaire, sem limites definidos para qualquer outro lado.
Segundo antiga lenda “o Reino do Kongo, foi fundado, muito tempo atrás por um sábio e hábil ferreiro, vindo de longe, da margem norte do rio, que resolveu as diferenças entre as pessoas e estabeleceu a paz.”
Em toda a África central, míticos ferreiros foram considerados como representando um princípio de paz e de reconciliação e até com características “femininas” de governo, possivelmente porque o ato de criar aço da terra foi comparado a gravidez. Daí a força que em quase todo o território bantu os ferreiros tiveram, como também em relação ao N’Gola, um ferreiro que se fez chefe duma nação.
Ao aportar à foz do rio Zaire, Diogo Cão foi recebido com grande festa, e na sua segunda viagem o Manicongo manda a Portugal uma embaixada pedindo “clérigos e todas as coisas para ele e seu Reino receberem a água do baptismo.”
Em 1490 chegam ao Congo os primeiros missionários, que começam a sua ação pela província, sendo solenemente baptizados o rei e a rainha que tomaram os nomes de João e Leonor, em honra aos reis de Portugal, rei este que dura pouco.
Sucede seu filho Afonso, grande partidário dos portugueses que tanto o ajudaram e começam as lutas pelo poder.
Em duzentos anos intitularam-se rei do Congo 34 nobres.
Portugal procurava sempre apoiar o rei, criar estruturas administrativas ao estilo europeu abandonando o modo tribal de governo, ensinando-o ainda, por exemplo, a dar títulos de nobreza aos chefes, que chegou a tal ponto, como deixou escrito o capuchinho frei Bernardo da Gallo, que “havia mais nobres no Kongo do que em toda a Europa junta!” Reis, rainhas, duques, grão duques, marqueses, condes, era uma festa de permanente guerra entre eles, tão mortífera e brutal que São Salvador do Congo foi totalmente destruida, saqueada e abandonada.
Dona Beatriz Kimpa Vita nasce em Kipangu, sede do rei, e frei Lorenzo da Lucca dá a sua ascendência à mais alta nobreza, que implica a associação ao Mwana Kongo, o rei. Daí ser tratada como Dona.
No final do século XVII eram constantes, permanentes, as lutas entre os vários nobres, mais pelo poder sobre os outros do que propriamente pelo acumulo de terras e regiões.
Os derrotados eram sempre escravizados e carregados com correntes de ferro no pescoço e, ou ficavam a serviço dos vencedores ou eram por estes vendidos, através de Luanda de onde eram mandados em navios portugueses para o Brasil, ou pelo porto de Soyo, aí comprados por traficantes holandeses que pagavam preço melhor, encaminhados para as Antilhas e América do Norte, e que além disso vendiam armas e munições por preços inferiores aos dos portugueses.
Entre 1700 e 1709 foram exportados do Congo cerca de 70.000 de uma população que não atingia 600.000 almas! No contexto da guerra a exportação era importante, porque os escravos podiam ser trocados por munição, mas a razão principal destas guerras tinha mais raízes políticas do que económicas para a exportação, porque visavam enfraquecer os adversários.
Dona Beatriz, filha de nobre – daí o tratamento de “dona” - quando chegou à idade própria foi iniciada nos mistérios de nkisi, feitiço, ela que desde pequenita tinha propensão para a meditação e transe, nunca se interessou por problemas pessoais, mas pela situação do povo.
(*)
E “ressuscitou” dois dias depois, dizendo que Santo António tinha entrado no corpo dela e que ela agora era o próprio Santo António.
Sempre atenta à politicagem que a rodeava, já senhora dos “poderes” da feitiçaria, casou e descasou duas vezes e um dia teve “morte aparente” e “ressuscitado” dois dias depois ao ser possuída pelo corpo de Santo António.
Considerado um milagre pelo povo, começou a pregar e a intitular-se, ela mesma, Santo António. Mulher atraente e sobretudo muito inteligente foi conquistando grande parte da população, alterando as orações convencionais ensinadas pelos missionários e afirmando que Santo António era o primeiro dos santos, acima de Nossa Senhora, e igual a Jesus!
Como era muito forte a influência da religião no Congo, e através de influência de marinheiros holandeses que se “abasteciam” de escravos no Congo, passou a pregar que os sacramentos da Igreja católica não valiam nada se no interior de cada um não houvesse uma aceitação total.
Era uma “nova religião”, com algumas características especiais: era dirigida por uma mulher e, sobretudo, africana.
Passou a pregar por toda a região do Congo cativando uma grande parte da população.
Foi um movimento sobretudo pela paz, coisa que há muitos anos não havia entre os nobres do Congo. A devastação era imensa e as populações não tinham sossego, fugindo constantemente de um ou outro.
O rei do Congo, Dom Pedro IV, Nsanu a mbemba (Agua Rosada), não a atacava mas não queria, de modo algum, perder o apoio dos missionários que consideravam a atitude da Dona Beatriz Kimpa uma profunda e insana heresia.
Dona Beatriz, já disse era uma mulher bonita, inteligente, cativante, e arranjou um “secretário”, Barro, uma espécie de Santo António de 2ª categoria! Até que um dia “a” Santo António” engravidou! Esteve escondida um tempo até nascer a criança que entregou aos cuidados de outra mulher para cuidar dele, mas a actividade da “Santo” mais o “secretário, naquelas noites frias era... e a segunda criança nasceu.
Aí o rei, que tinha medo das argumentações dela, não teve outra alternativa senão condená-la à morte: “Por ter enganado o povo com heresias e mentiras, sob o falso nome de Santo António, o Rei e o seu Real Conselho condenam você a morrer pelo fogo, e olhando Barro, o “secretário”, juntocom o seu amante.”
Depois mandou que toda a população trouxesse lenha, muita lenha que juntaram numa pira enorme.
No dia 2 de Julho de 1706, Dona Beatriz Kimpa Vita subiu a montanha de lenha, serenamente, com o “secretário” e mais o filho ao colo, que queria que morresse com ela. Os missionários tiveram dificuldade em convencê-la a deixar o filho e ainda que, antes de morrer, se arrependesse de todas as mentiras que tinha pregado, e do modo como tinha enganado o povo: “A minha morte será a penitência para os meus pecados”.
O movimento conhecido como Antoniano, levou anos a desaparecer.
(*) Aquarela original feita pelo Padre Bernardo da Gallo incluída na última página da sua carta para a Sagrada Congregação para a propagação da fé, sobre Dona Beatriz; datada de l7 dezembro, 1710. Está no Archivio De Propaganda Fide, "Scritture Originali riferite em Congregazioni generale”, Vol. 576, fol. 314. Tem o título, "Antoniano colla corona in testa".