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A bem da Nação

UMA AUSÊNCIA REVELADORA

 

 

 

Durante algumas décadas clamaram que a agricultura não tinha qualquer possibilidade de existir em Portugal, por não ser competitiva, e o que ainda restava dela era para acabar. Não sei se isso era fruto duma monumental ignorância generalizada ou se era uma criminosa acção de lesa economia, em favor dos que ganhavam fortunas a importar produtos agrícolas. Nessa base, os governos e algumas entidades tudo fizeram no sentido de destruir a agricultura. O máximo dessa destruição ocorreu durante o governo socialista de Sócrates que, como mais de uma vez lembrei e convém não esquecer, devolveu a Bruxelas centos de milhões de euros destinados à agricultura portuguesa. Os prejuízos para o país foram astronómicos, no PIB, no desemprego e na balança comercial.

 

Com o actual governo e a ministra Cristas, cessou essa ideia errada e passaram a ouvir-se, de todos os lados, os maiores elogios sobre a importância da agricultura para a economia nacional. Com algumas medidas correctas, a produção e a exportação de produtos agrícolas aumentaram significativamente.

 

Durante décadas, Portugal andou a destruir toda a investigação científica pública que não fosse das universidades, algo que já causou ao país prejuízos também astronómicos, na economia e na ciência, em variados sectores, entre eles a agricultura. (Como Professor Catedrático, 
jubilado, sinto-me insultado por tão prejudicial prova de mediocridade e inveja). Infelizmente, com o actual governo, essa destruição não cessou e continuou com grande intensidade. O que Portugal tem hoje, em diferentes sectores, é residual, em relação ao que tinha há 40 anos.

 

De colaboração entre um banco e dois jornais  (ambos do mesmo dono), vão realizar-se amanhã em Évora (escrevo em 13-5-2014; já deve ter ocorrido quando este texto for publicado) umas Jornadas de “Empreendedorismo Agrícola” “Cultivar o futuro”. É uma excelente iniciativa e o programa é interessante, incluindo conferências por personalidades de organismos oficiais e entidades privadas. Noto ali uma ausência que reputo grave e, dados os antecedentes que descrevi, pode fazer parte da destruição em marcha. Não está no programa nenhum orador da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas (ENMP, hoje com outro nome), de Elvas, um prestigiado organismo de investigação agronómica do Ministério da Agricultura, que já deu à agricultura do Alentejo fortunas enormes, com as variedades ali produzidas. Como uma das formas de destruir algo é evitar a sua presença, e até que se fale dele, fico na dúvida, sem saber se a ausência nas Jornadas não teve um tal objectivo. Mas sei que, com a investigação do Ministério da Agricultura destruída, a agricultura terá o seu desenvolvimento drasticamente limitado.

 

Publicado no "Linhas de Elvas" de 22 de Maio de 2014

 

Miguel Mota

AGRICULTURA DE PORTUGAL E AGRICULTURA DE ESPANHA

 

 

No Linhas de Elvas da semana passada (17-4-2014), o economista José António Contradanças faz  uma excelente análise da diferença entre as agriculturas de Portugal e de Espanha. Com base no que sabe e no que vê de um e de outro lado da fronteira de Elvas, mostra o chocante atraso da agricultura portuguesa em contraste com o bom desenvolvimento da agricultura espanhola.

 

Pedindo desculpa de ter de referir a minha pessoa, não posso deixar de dizer que, ao longo de dezenas de anos, em centenas de escritos, alguns no Linhas de Elvas, tenho chamado a atenção para as erradíssimas políticas de sucessivos governos e indicado o que, na minha opinião, é necessário fazer para o desenvolvimento da nossa agricultura. No Público de 6ª feira passada (18-4-2014) está o último desses artigos.

 

O que proponho não tem nada de original. Está mais que provado em todo o mundo e alguns casos pontuais em Portugal bem o demonstram. Os elvenses, pelo menos alguns dos agricultores que não sejam dos mais jovens, também o devem saber. Elvas tem uma instituição de investigação agronómica que, até ao início da destruição da agricultura (que incidiu fortemente sobre os organismos do Ministério da Agricultura necessários ao seu desenvolvimento), tinha grande projecção internacional e deu muito dinheiro à agricultura, principalmente do Alentejo. Refiro-me à Estação de Melhoramento de Plantas, mais tarde designada Estação Nacional de Melhoramento de Plantas.

 

Alguns dos citados agricultores talvez se lembrem das muitas variedades de cereais e forragens ali “fabricadas” e que, pela sua maior produtividade, deram muito dinheiro à agricultura do Alentejo. O primeiro trigo lançado na lavoura foi o ‘Pirana’, a que se seguiram o ’Lusitano’, o ‘Restauração’ e muitos outros. Das forragens creio que a primeira foi o ‘Grão da Gramicha’, que também teve grande expansão. Já lembrei várias vezes (e perdoem-me que o repita) as palavras do então Secretário de Estado da Agricultura, na sessão comemorativa dos 25 anos da Estação, em 1967, quando disse que, em troca das escassas dezenas de milhar de contos investidos no organismo, a lavoura colhera a mais um valor estimado em um milhão de contos.

 

Hoje, a investigação no Ministério da Agricultura está reduzida a uma pequena amostra do que foi, consequência da destruição deliberada e criminosa (do ponto de vista da ciência e da economia) a que foi sujeita. E temos o país no estado em que está.

 

Do nível científico da Estação de Melhoramento de Plantas falam, além das publicações dos que lá trabalharam, os numerosos cientistas estrangeiros que a visitavam. Em 1970, por indicação do então Secretário de Estado da Agricultura, o Eng.º Vasco Leónidas, tive o honroso e agradável encargo de receber e de o acompanhar a Elvas, esse muito ilustre agrónomo que era o Dr. Norman Borlaug, na sua primeira visita a Portugal. Uns dois meses depois, o Dr. Borlaug recebia o Prémio Nobel da Paz, pelos seus notáveis trabalhos de combate à fome no mundo, precisamente através da investigação agronómica. Essa foi apenas a primeira de várias visitas que fez à Estação.

 

O actual governo travou a destruição geral que a agricultura vinha sofrendo. Mas, tanto quanto sei, a investigação continua aquém do que podia ser, mesmo nestes tempos de extrema penúria. E a solução dos problemas não cai do céu. Sem a investigação agronómica não seremos capazes de desenvolver significativamente e continuadamente a nossa agricultura.

 

Publicado no "Linhas de Elvas" de 24 de Abril de 2014

 

Miguel Mota

O QUE RENDE A INVESTIGAÇÃO AGRONÓMICA

 

 

“Ao longo de muitos anos – a última vez no “Público” de 5-2-2014 (“A Ciência como investimento”) - tenho chamado a atenção, com os escassos elementos de que dispomos, para o fabuloso investimento que é o dinheiro “gasto” em investigação agronómica. Quando trabalhei em Elvas, como Chefe do Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, propus, num Colóquio e num escrito entregue ao Director e ao Subsecretário de Estado da Agricultura, a criação dum pequeno Gabinete de Estudos Económicos. A sua função seria medir, ano a ano, o que a agricultura e, portanto, a economia, tinham ganho a mais com o cultivo das variedades de cereais e forragens criadas na Estação.

 

Nada se concretizou. Mas em 1967, nas comemorações do 25º aniversário da Estação, o Secretário de Estado da Agricultura declarou que, por escassas dezenas de milhar de contos despendidos ao longo desses 25 anos, a lavoura tinha colhido, a mais, um valor estimado em um milhão de contos.

 

Há mais de 15 anos, um cientista do Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IRRI, das iniciais em inglês), nas Filipinas, fez na Estação Agronómica Nacional uma conferência sobre os trabalhos realizados na sua instituição. No final, e depois de algumas perguntas de carácter técnico, perguntei-lhe qual era o orçamento anual do Instituto. A resposta foi “35 milhões de dólares”. Perguntei-lhe, então, se tinha informação sobre o aumento de ganhos, para os agricultores, como consequência do trabalho ali realizado. Respondeu-me que não tinham números exactos mas que era certamente de vários biliões (que aqui chamam “milhares de milhões”).

 

É bem evidente que o dinheiro investido em investigação agronómica rende juros absolutamente fabulosos. Juros que os nossos economistas não sabem que existem e por isso têm sistematicamente destruído quase tudo o que havia e era menos do que o país necessitava. A não ser que o tenham feito deliberadamente, para destruir Portugal.

 

 

Publicado no "Linhas de Elvas" de 27 de Março de 2014

 

Miguel Mota

INCENTIVOS

 

 

 

Vejo na comunicação social que a Senhora Ministra da Agricultura anunciou incentivos para os agricultores que pouparem água.

 

Os mais directos beneficiários dessa poupança de água são os próprios agricultores. Tal como nas muitas outras práticas agrícolas, que só não são alteradas porque os empresários agrícolas as desconhecem. Nenhum agricultor consciente desperdiça água por prazer, deliberadamente. Tal como não usa a melhor variedade da espécie vegetal que cultiva, ou a adubação mais adequada, ou qualquer outra prática.
A agricultura é uma actividade muito complexa. Depende de variadíssimos factores, alguns dos quais não são humanamente controláveis, como o clima. Só é possível, nalguns casos, prevenir, como ter boa drenagem do solo, para se defender do excesso de chuva. A complexidade vai de todos estes casos e muitos mais, que até à comercialização dos produtos.

 

Conhecendo estes factos, a melhor actuação do Ministério da Agricultura será levar até ao agricultor esses conhecimentos.
Uma comunicação que apresentei à IV Semana de Extensão Rural, organizada pelos estudantes da Universidade de Évora, em 1992, intitulava-se INVESTIGAÇÃO E EXTENSÃO, OS MAIORES "SUBSÍDIOS" QUE PODEM SER DADOS A QUALQUER AGRICULTURA. Está publicada na “Gazeta das Aldeias” de Julho de 1992

 

O nome de Serviços de Extensão Agrícola - ou Serviços de Extensão Rural - está generalizado para os serviços que, nos Ministérios da Agricultura, têm a tarefa de levar até aos agricultores os conhecimentos de que necessitam e particularmente os que vão sendo produzidos pela Investigação Agronómica.

 

A actual Ministra da Agricultura travou a destruição da agricultura que vinha sendo feita há mais de três décadas e atingiu o máximo de intensidade no governo PS de Sócrates. Tomou algumas medidas acertadas, de tal forma que, nesta economia desgraçada, o Produto Agrícola Bruto (PAB) tem estado a crescer. Mas estaria a crescer mais se, como eu esperava, dada a sua actuação esclarecida logo no início do mandato, tivesse desenvolvido o há anos bem melhor serviço de investigação agronómica, hoje quase destruído, e o serviço de extensão rural. Não o fez e eu não posso deixar de pensar se as forças que pretendem a destruição da agricultura continuam a ter algum poder
.

 

Publicado  no "Linhas de Elvas" de 30 de Janeiro de 2014

 

 

 

Miguel Mota

INVESTIGAÇÃO AGRONÓMICA EM PORTUGAL – 5

 

ALGUNS TRABALHOS

 

Dum trabalho de colaboração entre os Departamentos de Fitopatologia e de Genética da EAN, decorreu, ao longo de vários anos, um trabalho de criação de variedades de meloeiro resistentes ao oídio, um fungo parasita que bastante prejudica a produção de melão (Sequeira & Mota 1972). Desse trabalho começou por resultar uma variedade, 'Tendral RO-1' (Sequeira e Mota 1977) e mais três variedades do tipo meloa ou cantaloupe, 'Lage', 'Marquesinha' e 'Oeiras' (Sequeira e Mota 1990, 1992a, 1992b).

 

Do 'Tendral RO-1' foi possível fazer, em 1974, no Ribatejo, uma cultura de 0,5 ha para multiplicação de semente e confirmação da ausência de oídio. No ano seguinte e já com pouco controle dos autores do trabalho, ainda foi possível fazer, no Alentejo, um campo de multiplicação com 5 ha, de que se obtiveram 40 kg de semente seleccionada.

 

Estávamos em pleno PREC e a semente obtida foi levada para as UCPs e nada sabemos dos resultados nem se ainda existe semente desses melões. Quanto às três outras variedades, foi cortado o pequeno projecto de multiplicação da semente e de continuar a obtenção de mais e melhores variedades, pois havia abundante material em estudo.

 

Os tempos mais recentes

 

Com a criação de novas universidades foi alargado o campo da investigação agronómica. Foram talvez as universidades de Évora e de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) que mais ciência agronómica produziram, embora outras, como a do Algarve e a dos Açores também tenham dado boa contribuição nesse campo. No esquema do seu ensino cometeram o que pessoalmente considero alguns erros, entre eles o de, em vez do curso de engenheiro agrónomo, terem os cursos de engenheiro agrícola e engenheiro zootécnico, especializações que, tal como no caso da medicina, só devem fazer-se depois duma base agronómica mais ampla.

 

Em 1975 e porque houve uma pequena ajuda financeira do International Board for Plant Genetic Resources (IBPGR), o Departamento de Genética da Estação Agronómica iniciou um programa de Conservação dos Recursos Genéticos, com as novas metodologias de conservação de sementes pelo frio, matéria em que em breve Portugal estava a alinhar com os mais avançados no mundo.

 

O que se pode considerar a única vantagem do atraso da nossa agricultura é o facto de ainda serem cultivadas - estávamos em 1975, hoje bastante menos - variedades antigas de muitas espécies, que iam sendo substituídas por outras mais produtivas, mas que eram portadoras de genes com grande uso potencial para o melhoramento de plantas ou para diversos estudos de Genética, que urgia salvar dessa erosão genética. Os trabalhos de campo, recolha de amostras de sementes, iniciaram-se em 1976, com o centeio e o milho. A razão da prioridade dada a estas espécies foi por se saber da existência duma grande riqueza de genes e estarem a sofrer intensa erosão genética, nos milhos por substituição pelos híbridos americanos mais produtivos e nos centeios por estar a haver redução da área de cultura.

 

A recolha de sementes prosseguiu nos anos seguintes, noutras regiões, incluindo Açores e Madeira e com outras espécies, cultivadas e espontâneas, principalmente dos géneros Lupinus, Brassica, Aegilops (parentes das espécies que originaram os trigos actualmente cultivados), Phaseolus, etc, no total de uns milhares de amostras armazenadas no Banco de Genes. Alguma inovação introduzimos, como o uso de arcas frigoríficas em vez duma grande câmara arrefecida a -18º C, metodologia depois também adoptada, por exemplo, pelo Banco de Genes Nórdico, quando mudou as suas instalações de Lund para Alnarp, na Suécia. Também criámos um novo e muito mais completo modelo de Relatório de Missões de Colheita (Mota et al. 1983), modelo depois adoptado pelo IBPGR para as missões que financiava em diferentes países.

 

Como Coordenador do Programa Nacional de Conservação dos Recursos Genéticos tomei parte nas reuniões em que se começou a pensar em construir um grande Banco de Genes mundial em região de permafrost, onde se armazenassem amostras de sementes de todo o mundo, qual grande Arca de Noé - o primeiro Banco de Genes do mundo, obedecendo à mesma filosofia de hoje - sem o pesado encargo do arrefecimento. Foi com grande prazer que vi a notícia da recente inauguração desse banco em Svalbard, numa das ilhas da Noruega, a uns 1.000 km do Pólo Norte

 

Um outro caso de investigação agronómica de muito grande projecção internacional foi a descoberta, pelo Professor Manuel Mota, da Universidade de Évora, um especialista em nematologia, da entrada em Portugal duma praga muito perigosa para as florestas e que não existia na Europa. Essa praga é o nemátodo da madeira do pinheiro, Bursaphelenchus xylophilus, encontrado, pela primeira vez, na península de Setúbal (Mota et al. 1999) e que actualmente (2013), apesar de algumas medidas para travar o seu avanço, já existe em vários locais do país e também em Espanha. A investigação realizada e que continua com grande intensidade (ver revisão recente em Vicente et al. 2012), rapidamente colocou Portugal na primeira linha desse sector, como se prova pela elevado número de "papers" publicados nas melhores revistas da especialidade, no número de citações, pela participação de Portugal em congressos e pela realização dum "International workshop on the pinewood nematode, Bursaphelenchus xylophilus", na Universidade de Évora, em 20-22 de Agosto de 2001 (Mota and Vieira, 2004) e um Simpósio Internacional "Pine wilt disease: a worldwide threat to forest ecosystem", na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, de 10-14 de Julho de 2006 (Mota and Vieira 2008).

 

Para encerrar esta lista de alguns trabalhos de "Investigação Agronómica em Portugal" quero referir um sector da ciência em que a investigação agronómica foi pioneira e deu uma grande contribuição para o impulsionar no nosso país: a investigação que exige a utilização da microscopia electrónica para a obtenção de imagens com ampliações úteis e resolução muito para além das possibilidades do microscópio óptico e alguma informação adicional.

 

Que seja do meu conhecimento, os primeiros trabalhos portugueses de investigação em que foi utilizada a microscopia electrónica são do Eng.º Agrónomo Luís Bramão, Investigador da Estação Agronómica, trabalho realizado nos Estados Unidos (Bramão 1950, 1952), (Bramão et al. 1950, 1952),

 

Embora o primeiro microscópio electrónico para a investigação agronómica só tivesse sido adquirido pela Estação Agronómica nos finais de 1968 e ficado operacional em Março de 1969, ele vinha sendo requisitado desde Janeiro de 1954. Foi o 8º desses aparelhos adquiridos por Portugal, um Philips 300, e apenas três outros estavam então operacionais. Por essa altura já um investigador da EAN tinha realizado trabalhos com utilização do microscópio electrónico, durante duas estadias nos Estados Unidos (1958 e 1962-1963) e, de 1966 até ao início de 1969, no Porto, onde pôde utilizar, com frequência, graciosamente, o equipamento do Laboratório de Microscopia Electrónica da Universidade.

 

Por iniciativa da Estação Agronómica foi criada em 1966 a Sociedade Portuguesa de Microscopia Electrónica (SPME), que ali teve por três vezes a sua sede (1969, 1982 e 1987) quando a presidência foi exercida por um dos seus investigadores.

 

A Sociedade, que desde 2006 se chama Sociedade Portuguesa de Microscopia, continua a realizar, pelo menos, uma "Reunião Anual" de elevado nível, como é possível ver através dos seus "Programas e Resumos". A partir de 1970 estes passaram a incluir o Resumo em português e inglês e, a partir de 1983, a incluir, também, figuras, ao estilo dos congressos internacionais. A Direcção de 2005, que organizou a XL Reunião Anual, digitalizou os "Programas e Resumos" até essa data. Foi muito importante o papel da SPME no desenvolvimento da microscopia electrónica em Portugal (Mota, 2012).

 

A partir de 1966, a presença da investigação agronómica portuguesa nos congressos Europeus e Internacionais de Microscopia Electrónica, além, naturalmente, da literatura científica portuguesa e estrangeira, passou a ser uma constante, como é possível ver na Bibliografia Portuguesa de Microscopia Electrónica (Mota e Silva 1969, 1973)

 

Esta lista de alguns trabalhos de Investigação Agronómica em Portugal é uma pequena amostra dum trabalho que se estende por mais dum século e que tanto já deu ao país. Mas se não fosse a má gestão de ciência e as monstruosas destruições sofridas ao longo dos últimos anos, a produção científica teria sido muito maior e a situação da agricultura e, portanto, da economia do nosso país, seriam totalmente diferentes. Não posso esquecer as palavras de D. Luís de Castro, de há mais de cem anos, atrás citadas.

 

Ao contrário do que alguns têm tentado minimizar, a agricultura portuguesa ainda exporta anualmente 3 mil milhões de euros, mas tem condições para exportar muito mais. Como Portugal importa, anualmente, 6 mil milhões de euros de produtos agrícolas - muitos dos quais aqui deviam ser produzidos - tem, nesta balança comercial um défice de 3 mil milhões de euros. Estamos à espera dum governo que desenterre o tesouro enterrado da agricultura e transforme o actual défice num superavit de 3 mil milhões de euros. E a alavanca número um para o fazer é a Investigação Agronómica. A falta de compreensão pela importância da investigação agronómica, em que se destacam, como excepções, as citadas legislações de 1901 e 1936, mais a incrivelmente má gestão a vários níveis, particularmente os mais altos, é já antiga. Além da referida frase de D. Luís de Castro em 1907, temos um testemunho de Joaquim Natividade, cuja grande obra científica foi conseguida sempre com relativamente escassos meios. Termino estas linhas com a citação de dois depoimentos seus, um em carta que me dirigiu e outra em carta ao seu amigo Aurélio Quintanilha. Aliás, nem os 21 meses que ali refere pôde gozar, pois a morte levou-o a cerca de um ano da idade da reforma. Transcrevo dum escrito meu (Mota 1995):

 

"No entanto, os meios de que pôde dispor ficaram muito aquém do que seria minimamente desejável, por incrível miopia dos Ministros (e Secretários e Subsecretários de Estado) da Agricultura desses tempos, que não perceberam o enorme investimento que era o dinheiro gasto com os trabalhos de Natividade. Fica-se a pensar no que poderia ter feito se os meios de trabalho tivessem sido outros, meios de trabalho que, por ironia do destino, lhe foram dados pouco tempo antes da sua morte. Numa das suas cartas, datada de 20 de Fevereiro de 1965, dizia-me:

O Plano Intercalar, porque passei a entender-me directamente com o Ministro, trouxe leve brisa favorável... Por quanto tempo? Não me surpreenderá que, de um momento para o outro, surja a calmaria, que é como quem diz, a paz podre... Não desanime, e prossiga o seu belo trabalho. Só isto conta. Há que remar contra a maré!”

O Ministro era o Eng.º Ferreira Dias, o único governante, depois de Rafael Duque, que mostrou ter alguma noção do que a Agricultura precisava. Mas o que realizou foi pouco e ficou muitíssimo aquém do que seria necessário e era possível fazer.

Só no final da vida Natividade pôde dispor, como declarou, de bons meios de trabalho, que lhe deviam ter sido proporcionados vinte ou trinta anos antes. São elucidativas as palavras que em 16 de Dezembro de 1967 escreveu ao seu amigo Aurélio Quintanilha:

Disponho dum gabinete que até parece o “boudoir” de Cleópatra! Belas salas de trabalho, um grupo de câmaras frigoríficas, uma das quais com atmosfera artificial, para os estudos de conservação de frutos; enfim, qualquer coisa faraónica em comparação com a miséria em que temos vivido! Por ironia do destino, tudo isto chega quando faltam apenas 21 meses para atingir o limite de idade! Até dá vontade de chorar! Durante os melhores anos da minha vida, lutei com dificuldades e incompreensões de toda a ordem; conheci a extrema indigência laboratorial; tive que improvisar todas as ferramentas de trabalho; tudo o que se fez foi à custa de sangue, suor e algumas lágrimas! E nem se pode dizer agora que Deus dá nozes a quem não tem dentes. Deram-me as nozes, é certo; disponho ainda de dentes capazes de roerem um chispe de elefante... simplesmente a lei obriga-me a fazer as malas quando mal começo a descascar as nozes!”

 

 

 

Miguel Mota

Estação Agronómica Nacional, Oeiras e Universidade de Évora

 

 

FIM

 

Publicado “on line” em: "Notícias do ICAAM" - Boletim Informativo do ICAAM, Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora, Nº 1, Novembro de 2013

 

BIBLIOGRAFIA: a disponibilizar se solicitada

 

INVESTIGAÇÃO AGRONÓMICA EM PORTUGAL – 4

 

ALGUNS TRABALHOS

 

Sob a Direcção do Prof. António Câmara, que deixara a sua cátedra no Instituto Superior de Agronomia (onde regia as cadeiras de Agricultura Geral e de Genética) para, a convite do Ministro da Agricultura Rafael Duque, fundar e dirigir a Estação Agronómica Nacional, a nova instituição, instalada provisoriamente nos Jerónimos, foi em 1941 transferida para terrenos e um edifício próprio em Sacavém. Na década de 1950, porque a SACOR necessitou de expandir as suas instalações, em Sacavém, para os terrenos da Estação, foi adquirida a parte Norte da Quinta do Marquês, em Oeiras, e aí construídos novos edifícios, o que consistiu numa grande melhoria das condições de trabalho.

 

Em 1947, quando me encontrava no Departamento de Genética da EAN, ainda em Sacavém, a fazer a tese então necessária para se ser engenheiro agrónomo, assisti a um excelente trabalho de investigação realizado por colegas do Departamento: a descoberta, em plantas, de cromossomas sem centrómero localizado, algo apenas conhecido em algumas espécies animais. O primeiro artigo sobre essa descoberta foi publicado por Nydia Malheiros e Duarte de Castro na "Nature" (Malheiros & Castro 1947), seguido de um mais completo na “Agronomia Lusitana” (Malheiros, Castro e Câmara 1947).

 

Foi o primeiro trabalho da EAN com grande projecção internacional e originou noutros países, nomeadamente na Suécia e nos Estados Unidos, além de Portugal, uma série de novos trabalhos.

 

*

 

No campo da subericultura Portugal teve um investigador de elevado nível, o Engenheiro Agrónomo e Silvicultor Joaquim Vieira Natividade que em 1950 publicou uma notável "Subericultura", onde se inclui muita da sua investigação original (Natividade 1950). Esse livro, traduzido em várias línguas, é a melhor obra mundial sobre a matéria.

 

*

 

Durante algumas décadas, a Fundação Gulbenkian manteve um Centro de Estudos de Economia Agrária, em Oeiras, que foi integrado no Instituto Gulbenkian de Ciência, quando este foi criado. A investigação realizada encontra-se expressa em muitas e valiosas publicações. Infelizmente, foi extinto em 1986.

 

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Pedindo licença para referir os meus próprio trabalhos, naturalmente aqueles que conheço melhor, gostaria de relatar alguns dos mais relevantes.

 

Um estudo sobre alterações cromossómicas, que iniciei na Suécia e depois continuei em Elvas, originou um trabalho (Mota 1952) em que, com base em anomalias encontradas no movimento dos cromossomas, fui levado a questionar as teorias mais aceites para explicar a anafase, a fase da mitose em que se separam os dois cromatídeos dum cromossoma e se deslocam, cada um para o seu pólo da célula, de forma a que, quando esta se divide em duas, cada uma tenha um código genético igual. Esse trabalho, recebeu o "Prémio A. J. da Silva Pereira" para investigação ligada ao problema do cancro, do Instituto Português de Oncologia, prémio também concedido, dois anos depois, a outro investigador do Departamento de Genética da EAN (Costa-Rodrigues 1954).

 

Continuando nessa linha, cheguei a uma nova teoria para explicar o movimento anafásico, apresentada em 1956 no Japão, num Simpósio Internacional de Genética (Mota 1957). Apesar de largamente citada, em artigos e livros texto de âmbito internacional, só mais tarde essa teoria começou a ser mais aceite. Em 2009, no Porto, no Instituto de Biologia Molecular e Celular, realizou-se um Simpósio Internacional "Chromosome segregation - A tribute to Miguel Mota", que reuniu os mais importantes especialistas da anafase.

 

Um outro trabalho permitiu-me resolver um problema que era objecto de disputa entre duas teorias diferentes: como se dá a clivagem, a forma de divisão das células animais, depois da divisão dos núcleos e que é diferente da divisão das células vegetais. Foi possível demonstrar, com evidência morfológica, que tinham razão os autores que postulavam - sem o terem visto - a existência dum anel contráctil, que causava a clivagem (Mota, 1959).

 

Embora o Departamento de Genética, como os restantes de ciências básicas, tenha mais responsabilidades na solução de problemas do que na criação de algo para aumentar a produção agrícola, numa Estação Agronómica deve considerar-se, quando tal seja possível e fique no âmbito do seu tema, a execução de trabalhos capazes de darem mais directamente resultados aplicáveis. (Diga-se de passagem que exactamente o mesmo se passa com a investigação médica, que tem com a investigação agronómica muitas semelhanças de princípios). Porque assim considerei, tanto no Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, como depois, no Departamento de Genética da Estação Agronómica, sempre se realizaram trabalhos desse tipo.

 

Do Plano de Trabalhos gizado em 1949 só não foi possível iniciar, por carência de meios, a indução artificial de mutações, um campo que continua no mundo a produzir bons frutos e para o qual até existe um laboratório internacional. Logo de início se assentou na produção de poliplóides e anfidiplóides como um sector dos que mais facilmente poderia dar resultados de interesse económico.

 

Das espécies em que foram obtidos autotetraplóides, Secale cereale, Hordeum vulgare e Trigonella foenum-graecum, foram os centeios, de que foram obtidos uns 30 originais, os que se mostraram mais promissores. Parte do trabalho foi feito em Elvas e depois continuado, na EAN, em Sacavém e Oeiras. Ao fim de anos de autofecundações (Fig. 1) e intensa selecção, para conseguir o que é costume designar por diploidização dos autotetraplóides, conseguiram-se linhas de boa produção com que, embora com dificuldades várias, foi possível fazer ensaios e multiplicações nas zonas de Castelo Branco, Guarda e Mirandela. Na zona de Castelo Branco a produção do tetraplóide era 50% mais alta do que a das variedades regionais. Na zona de Vinhais, em Trás-os-Montes, ao perguntar a um agricultor, perante um campo de cerca de seis hectares de centeio tetraplóide, o que é que lhe parecia aquele centeio, a resposta imediata foi "eu não quero outro". Não sei se ainda são cultivados.

 

 

 

Fig. 1 - Autofecundações de centeios tetraplóides. EAN, Oeiras

 

Os triticales, híbridos entre trigo e centeio (Triticum x Secale) visam combinar numa planta as qualidades de alta produtividade do trigo e a resistência do centeio.

 

O trabalho para a sua produção iniciou-se em Elvas, na Estação de Melhoramento de Plantas (EMP), no início da década de 1950. O Prof. Edmundo Villax, que tinha fugido da Hungria, com a família, quando os ditadores russos queriam que ele ensinasse a pseudo Genética de Lysenko, depois de um ano em França (Montpelier), tinha sido contratado pela EMP. Um dia entra no meu gabinete - eu chefiava o Laboratório de Citogenética - e diz-me que tinha trazido de Montpelier dois grãos dum cruzamento de trigo e centeio e tinha essas duas plantas no campo, na gaiola de rede contra os pássaros. E acrescentou que pensava que seria necessário fazer algo àquelas plantas. Eu respondi que seria necessário duplicar o número de cromossomas (para obter o anfidiplóide) para poder colher alguma semente. E logo ali combinámos o que haveria a fazer. Uma das duas plantas morreu e na outra tivemos um resultado anómalo que motivou uma atrevida hipótese, a eliminação do genómio do centeio e duplicação dos do trigo, que relatámos na Nature (Villax and Mota 1953). Essa hipótese - o primeiro caso duma eliminação preferencial dum genómio num híbrido - começou a ter confirmação em hibridações somáticas de células de duas espécies animais diferentes (em que há eliminação preferencial dos cromossomas duma das duas espécies) e veio a ter melhor confirmação mais tarde com os híbridos entre Hordeum vulgre x H. bulbosum, em que o genómio do bulbosum é eliminado.

 

Foram realizados mais cruzamentos seguidos de duplicação cromossómica e obtidos dois novos triticales octoplóides (Villax, Mota e Dentinho 1954). Quando o autor destas linhas regressou à EAN, em 1955, realizaram-se mais alguns cruzamentos e duplicações, que permitiram obter novos triticales octoplóides, a cuja selecção se procedeu. Ainda antes de ser possível fazer ensaios de produção e multiplicação de semente, mas já com uma população de plantas cujas espigas se mostravam altamente promissoras, em tamanho e fertilidade, foi cortada, em 1975, a possibilidade de construir a habitual cobertura de rede de protecção contra os pássaros, apesar dos meus insistentes avisos do que iria suceder. O resultado foi essa população ter sido quase completamente dizimada pelos pássaros. Uma tentativa de reconstituição a partir do que ficou foi cortada ao fim de mais uns três anos.

 

Em colaboração com o Eng.º Silas Pego, ao tempo a trabalhar no Núcleo de Melhoramento de Milho, em Braga, iniciou-se em 1974 um trabalho com um novo método de cruzamentos múltiplos em milho. O objectivo era cultivar, no campo, uma série de linhas autofecundadas de milho de forma a permitir o máximo de cruzamentos entre elas, durante alguns anos, fazendo todos os anos uma intensa selecção. Essa selecção começava no campo, antes da maturação do pólen, suprimindo todas as plantas deficientes, de forma a que o seu pólen não contribuísse com genes indesejáveis.

 

O grupo inicial foi formado a partir de 72 linhas autofecundadas, da colecção existente em Braga. Posteriormente foram trabalhados mais dois grupos, com diversos linhas colhidas na Ilha da Madeira, para o Banco de Genes, um grupo de milhos amarelos e outro de milhos brancos, linhas estas não de autofecundação, mas para sofrer o mesmo tratamento.

 

Depois da selecção referida, com a supressão das plantas deficientes antes de produzirem pólen, era feita uma selecção no campo, colhendo-se um certo número de espigas das melhores plantas, considerando-se a dimensão da planta e das espigas, tamanho das espigas e número de carreiras de grão, resistência a doenças e mais qualquer característica que parecesse de interesse. Essas espigas eram ainda seleccionadas no laboratório, sendo eleitas apenas as melhores.

 

Como de cada espiga eleita era semeada no campo uma linha de 10 metros e a área total utilizada nunca ultrapassou 1 ha, restava sempre muita semente que era entregue aos serviços de campo da EAN, para fazerem um campo de multiplicação que servia ao mesmo tempo para dar informação sobre o nível dessa população. Deve dizer-se que esse nível, como seria de esperar, foi crescendo e atingiu um valor alto.

 

Neste trabalho tivemos uma preciosa ajuda dos serviços de Agricultura da Ilha da Madeira. O clima ameno permite fazer ali uma cultura no inverno. A produção era fraca mas isso era irrelevante porque o que interessava era introduzir mais uma geração e, assim, era possível fazer num ano duas gerações. Colhendo os milhos em Oeiras no final de Setembro e semeando na Madeira em princípios de Outubro, em Dezembro era feita a supressão das plantas deficientes antes de produzirem pólen. A colheita era feita em Abril, a tempo de se fazer a nova sementeira em Oeiras.

 

Quando a "pool" de genes bons já estava com nível alto, com plantas e maçarocas excelentes, chegaram a iniciar-se as autofecundações pois o objectivo último era obter linhas autofecundadas melhores do que aquelas de que se partira e, dos milhos da Madeira, boas linhas autofecundadas com as quais fabricaríamos híbridos, presumivelmente melhores do que os que Portugal importa. O trabalho foi cortado e até, quando as câmaras de frio, onde se guardavam as sementes, se avariaram, foi negada verba para as reparar. Alguns anos mais tarde, todo esse material extremamente valioso já tinha perdido a capacidade germinativa. Não faço comentários.

 

(A EAN recebeu a visita do Dr. Paliwal, Sub-Director do Programa de milho, do CIMMYT, quando já tinha sido feita a colheita e viu o grande estendal de maçarocas, na altura da selecção. Teve este comentário para mim: "you are sitting on dynamite!". Dois ou três anos mais tarde tive informação, numa conferência dum funcionário do CIMMYT, que estariam a usar um método semelhante).

 

Com material, já em fase avançada, que levou para Braga, o Dr. Silas Pego elegeu, ao fim de alguns anos, uma linha de polinização livre de alta produção chamada 'Fandango' (Mendes-Moreira et al. 2009).

 

(continua)

 

 

Miguel Mota

Estação Agronómica Nacional, Oeiras e Universidade de Évora

 

 

NVESTIGAÇÃO AGRONÓMICA EM PORTUGAL – 3

 

ALGUNS TRABALHOS

 

Nasceu uma nova era

 

Em 1936 deu-se em Portugal um acontecimento de grande importância para a agricultura, para a ciência e para a economia do nosso país. Pelo Decreto-lei Nº 27.207, de 16 de Novembro, foi criada a Estação Agronómica Nacional. Foi importante para a investigação agronómica mas, porque foi o primeiro instituto de investigação científica de boa amplitude e em moldes modernos, fora das universidades, serviu de modelo a todos os que foram criados depois.

 

Outras instituições de investigação se lhe seguiram, nela inspiradas e segundo o mesmo modelo e com legislação semelhante. O primeiro foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), criado dez anos mais tarde e que, felizmente, pôde não sofrer de algumas limitações impostas à Estação Agronómica, a principal das quais foi ter nascido com o nível de Direcção Geral, enquanto a Estação esteve sempre subordinada a uma Direcção Geral. Contou-me um dia o Eng.º Guimarães Lobato que várias vezes foi com o Eng.º Manuel Rocha, a Sacavém, falar com o Prof. António Câmara, para fazerem o Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Ele seguiu depois para outra actividade e o Eng.º Manuel Rocha ficou Director do novo Laboratório. Eu sabia que algo do género tinha acontecido porque o Prof. Câmara me tinha dito que tinha uma carta do então Ministro das Obras Públicas, Eng.º José Frederico Ulrich, em que ele lhe dizia que se não existisse antes a Estação Agronómica talvez não tivesse sido possível o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

 

Em 1934 é mandado para a Suécia o Eng.º Agrónomo D. R. Vitória Pires, para estagiar na “Sveriges Utsadesförening”, em Svalöf, ao tempo a mais famosa estação de melhoramento de plantas do mundo, dirigida pelo Prof. Herman Nilsson-Ehle. No Posto Agrário de Elvas começam em 1935 alguns trabalhos de melhoramento, com aplicação da metodologia aprendida em Svalöf. Em 1942 o Posto Agrário de Elvas desaparece e é criada em seu lugar a Estação de Melhoramento de Plantas (EMP), de que Vitória Pires é nomeado Director. Além de Laboratórios de algumas ciências fundamentais necessários ao bom trabalho do conjunto, como Citogenética, Estatística Experimental, Fitopatologia, Sistemática e Fitossociologia, Química, outros Departamentos visavam a directa produção de novas variedades de plantas, especialmente cereais e forragens, destinadas à agricultura.

 

Considerando os três primeiros desses institutos (EAN, EMP e LNEC), de que tenho mais informação, o que deram ao país, não só em produção científica e prestígio internacional, mas também em resultados económicos, foi muitas vezes o que o estado neles investiu. A destruição que sofreram, ao longo dos últimos anos (em obediência à "lei", não escrita mas religiosamente seguida, que manda destruir toda a investigação científica pública que não seja das universidades) e que faz deles hoje uma sombra do que foram, causou ao país uma perda incalculável que, em termos económicos, se expressa no nosso miserável PIB e, consequentemente, nas receitas do estado. Se, em vez da destruição desses grandes repositórios de "know how" (e fontes da agora tão apregoada inovação), eles tivessem continuado ao seu ritmo anterior (ou, mais desejável, até com algum aumento), Portugal não estaria nos actuais e tão graves apuros financeiros e económicos.

 

 

Sobre o ICAM, outros, melhor do que eu, falarão. Mas nesse local pontificou, antes de ali se instalar a Universidade de Évora, um agrónomo muito ilustre e um grande investigador: o Eng.º Agrónomo António José Sardinha de Oliveira, ao tempo professor da Escola de Regentes Agrícolas de Évora e detentor de duas herdades em Monforte.

 

O seu Relatório Final do Curso (o modesto nome que tinha a dissertação então necessária para se ser Engenheiro Agrónomo e que, como foi mais tarde confirmado, era geralmente do nível de Tese de Doutoramento) foi a criação duma nova Tabela de Classificação dos Solos Quanto à Textura, que substituiu tudo o que até então existia.

 

Embora não estivesse integrado em qualquer sistema de investigação - a Escola de Regentes Agrícolas de Évora era de nível secundário e médio - o seu espírito não o deixava afastar-se desse tipo de trabalho. Grande observador e com excelente raciocínio, relacionou os dados meteorológicos, nomeadamente chuva e temperatura, com a produção de trigo, de forma a ter, no mês de Fevereiro, uma razoavelmente boa previsão do que iria ser a produção de trigo no Alentejo (Oliveira 1955, 1961). E concluiu que, ao contrário do que muita gente pensa, perante a habitual secura do Alentejo, que as produções mais baixas eram nos anos de Inverno muito chuvoso. A explicação é simples. Nos Invernos muito chuvosos, muitas das terras alentejanas, relativamente delgadas e frequentemente mal drenadas, encharcam nesse período e as raízes do trigo não têm a possibilidade de crescer em profundidade. O problema é mais grave no Alentejo porque nesta província a Primavera é geralmente muito curta, passando-se rapidamente dum Inverno frio e chuvoso para um verão quente e muito seco. Se as raízes, pelo encharcamento, não puderam desenvolver-se em profundidade e ficam muito superficiais, não conseguem compensar a evapotranspiração e a produção é muito baixa. Se nesse período a chuva não é em excesso e as plantas podem desenvolver as raízes até maior profundidade, conseguem viver em boas condições e dar produções razoáveis ou até boas, nos anos em que a Primavera tem alguma chuva.

 

É baseado nesses resultados que, ao longo dos anos, eu tenho chamado a atenção para a enorme importância da drenagem, principalmente para a cultura do trigo, pois é frequente ver searas alagadas. Um outro aspecto importante é o do estudo de melhores rotações, pois algumas experiências indicam o enorme potencial que daí se pode obter.

 

A lavoura alentejana usava então o charrueco americano, puxado por um macho ou mula para armar em espigoado a terra semeada com o trigo. Depois de muitas experiências, usando componentes de máquinas agrícolas já existentes, o Eng.º Sardinha de Oliveira conseguiu inventar uma máquina, que designou de margiador, para a armação do espigoado. Procurou, para a sua construção, a maior simplicidade e a utilização de componentes existentes no mercado. A base da máquina era um "chassis" metálico, em V, ao qual estavam ligadas por tubos transversais as peças activas. Estas eram molas de grade providas de relhas de cultivador "Planet". Na parte traseira havia um eixo com duas rodas e na parte dianteira, na ponta do V, um "patim maluco". A profundidade a que os ferros trabalhavam era regulável e o conjunto podia trabalhar com 4 ou 6 ferros, dependendo da textura do terreno e da força motriz, que era uma parelha de muares.

Além de ter patenteado a máquina, o Eng.º Sardinha de Oliveira era o próprio construtor e vendia-a pelo preço de 2.400$00. (Estávamos nos primeiros anos da década de 1950).

Como a velocidade de marcha era a mesma do que com o charrueco, isto significava uma enorme economia de geiras e do tempo de sementeira, o que era também muito valioso. Na situação mais desfavorável (quatro ferros apenas) a máquina fazia, portanto, quatro sulcos enquanto os muares dessa parelha, a puxar um charrueco cada um, só faziam dois. O custo da operação, em geiras, era, assim, reduzido a metade (se se usavam quatro ferros) ou um terço (se se usavam seis ferros, com igual redução do tempo da sementeira. Como o custo duma geira andava, nessa época, por 70$00, a economia feita pagava a máquina em pouco tempo de trabalho. Não sei qual era, na altura, o preço de um charrueco, mas lembra-se que a máquina dispensava quatro ou seis desses aparelhos. Tenho ideia de que, na altura, se tinha calculado que a máquina estaria paga com dez dias de trabalho. E deveria contar-se, também, a rapidez do trabalho que, como atrás disse, era particularmente importante para aproveitar a curta sazão.

 

Assisti, com outros funcionários do Ministério da Agricultura, a uma excelente demonstração do trabalho do margiador numa das herdades de Sardinha de Oliveira e publiquei na "Gazeta das Aldeias" (Mota 1953) um artigo de divulgação, ilustrado com as fotos que tirei nessa altura. O ministério nada fez, pois as acções de extensão rural já nessa altura eram bastante escassas. Como então declarei, o ministério devia ter feito um folheto, um filme e uma série de demonstrações para os agricultores para compreenderem o que para a sua economia representava a utilização dessa máquina.

 

A máquina deixou de ter interesse e passou a obsoleta quando a tracção animal foi substituída pelos tractores e as suas novas máquinas

Gostaria de referir ainda um outro trabalho do Eng.º Sardinha. Dum escrito meu sobre esse trabalho, transcrevo:

"Mas a verdadeira paixão do Engº Sardinha de Oliveira eram as máquinas agrícolas, que estudou profundamente e de que nos deixou numerosos escritos.

Em 1959 entrou em vigor o Código da OCDE de ensaio de tractores. Posteriormente, essa entidade publicou os resultados dos ensaios de 50 tractores, efectuados nas condições do código, até 2 de Abril de 1964. Sardinha de Oliveira resolveu relacionar vários desses valores, criando coeficientes, de forma a tornar mais evidentes as principais características.

Perdoe-se-me que conte a história com o que sucedeu com a minha pessoa, mas o caso tem um certo sabor.

Um dia telefona-me o Eng.º Sardinha de Oliveira, dizendo que tinha uma coisa que gostava de me mostrar e convidando-me para jantar em sua casa, no Lumiar. Mostrou-me os resultados das relações que fizera entre diferentes parâmetros e como chegara à criação de alguns coeficientes que ajudavam muito na apreciação das diferentes máquinas. Especialmente um coeficiente que designou Kb mostrava-se particularmente eficiente para o efeito. Esse coeficiente relacionava a cilindrada, o peso do tractor e a potência à barra, segundo a fórmula

(Cl+t) Kb = Pb

em que:

Cl = cilindrada em litros

t = peso em toneladas

Pb = potência máxima à barra

Kb = coeficiente

Pediu a minha opinião e eu tive que lhe dizer:

- Mas, Sardinha, você sabe que eu não sou especialista de máquinas!

- Pois não, mas você é um homem das investigações... - foi a resposta que me deu, com a sua voz e a intonação características.

Cuidadosamente, ainda perguntei:

- Mas isso não está já feito?

- Não - foi a resposta - Eu tenho acompanhado a literatura neste campo

- Então se não está feito parece-me algo de estupendo, magnífico!

- Pois é, também me parece - foram as suas palavras, com grande simplicidade, sem falsas modéstias.

Perguntei-lhe onde ia publicar o trabalho e respondeu-me que o faria na "Lavoura Portuguesa", a revista da vetusta e prestigiada Associação Central da Agricultura Portuguesa, de que Sardinha era o grande responsável.

Torci o nariz. Disse-lhe que era pena e que deveria publicar o trabalho, em inglês, numa revista internacional da especialidade. Disse-me que o iria publicar em português, inglês e francês, como sucedeu (Oliveira 1967).

 

Por essa ocasião e nas suas funções de membro da Comissão de Normalização, Sardinha de Oliveira participou nos Estados Unidos - país onde nunca tinha ido - numa reunião sobre normalização de máquinas agrícolas. Aproveitou a oportunidade para discutir o seu trabalho com algumas das sumidades presentes. Houve um professor, creio que na Universidade de Nebraska, uma das melhores no campo das máquinas agrícolas, que tentou minimizar a importância desse trabalho. Seria, provavelmente, como resultado duma certa inveja, que frequentemente se evidencia quando alguém dum pequeno e obscuro país faz algo de valioso. Mas essa importância foi atestada e exaltada por muitos outros dos ilustres participantes.

 

Sardinha contava-me do entusiasmo do Chefe da Divisão de Tractores da FIAT que não cessava de dizer que isto é "tutto nuovo! tutto nuovo!" E desse senhor me deu um dia cópia duma carta onde não se regateavam elogios.

 

Para terminar quero referir que, anos mais tarde, um especialista, creio que da própria OCDE, fez sobre o assunto um colóquio na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, sem referir o trabalho de Sardinha de Oliveira. Durante a discussão falei-lhe desse trabalho, ao que respondeu, com desculpas, que se tinha esquecido de o mencionar, pois o conhecia muito bem."

 

Quando foi criada, a Estação de Melhoramento de Plantas recebeu sementes de cruzamentos de trigos feitos ainda em Belém pelo Prof. João de Carvalho e Vasconcelos, alguns, creio que em 2ª geração, em Genética designada por F2. Em Elvas, além de novos cruzamentos, foram também estudadas as gerações seguintes desses trigos que, logo que eram seleccionadas algumas linhas que mostravam suficiente uniformidade e, aparentemente, mais valiosa produção, entravam em ensaios, no Departamento que se designava de Adaptação e Multiplicações.

 

Aí foi algumas vezes buscar material, para ensaios que fazia nas suas propriedades, em Monforte, o Eng.º Sardinha de Oliveira, que especificou o seu interesse por novas linhas de trigo que tivessem como progenitores o Mentana e o Mocho de Espiga Branca, dois trigos que tinham mostrado características interessantes na região. Das linhas que ensaiou houve uma que se mostrou particularmente mais produtiva e foi por aquele ilustre agrónomo multiplicada e cedida a alguns outros agricultores. De tal forma se revelou uma excelente cultivar (apesar do seu aspecto não ser famoso) que a sua área de cultura era já significativa, não deixando quaisquer dúvidas sobre o seu valor. E estava a ser conhecido como o trigo do Pirana, da alcunha do senhor José Pires Reigota, o feitor e homem de confiança do Eng.º Sardinha de Oliveira, que com tanto carinho e interesse tomava conta dos ensaios. Quando essa nova cultivar foi incluída na lista oficial dos trigos aprovados para semente, foi decidido dar ao trigo o nome por que muitos já o conheciam: Pirana.

 

O 'Pirana' foi o primeiro trigo lançado na lavoura, na década de 1950, pela Estação de Melhoramento de Plantas. A sua produtividade, superior à das variedades que substituiu, fizeram com que rapidamente se expandisse, principalmente no Alentejo. Não disponho de números da área cultivada com essa variedade nem de quanto, em média, valia mais a sua produção, mas é certamente um número muito alto.

 

Outros trigos se lhe seguiram (Lusitano, Restauração e depois, muitos outros ). Das variedades de forragens, recordo o Grão da Gramicha, o Lathyrus cicera, que também teve grande expansão. Não sei se ainda é cultivado.

 

Tenho pena que não tenha sido posta em prática a proposta que fiz, em 1952, da criação, na Estação de Melhoramento de Plantas, dum pequeno gabinete de estudos económicos cuja função seria avaliar, ano a ano, o ganho para o país como consequência das variedades lançadas na lavoura pela Estação.

 

(continua)

 

Miguel Mota

Estação Agronómica Nacional, Oeiras e Universidade de Évora

 

INVESTIGAÇÃO AGRONÓMICA EM PORTUGAL – 2

 

Alguns trabalhos

 

Os tempos mais antigos

 

 

Podemos considerar os primórdios da investigação agronómica em Portugal, em Alcobaça, no trabalho dos monges de Cister, no século XII. Estudados magistralmente por esse grande engenheiro agrónomo que foi Joaquim Vieira Natividade (1899-1968), que lhes chamou "os monges agrónomos do Mosteiro de Alcobaça", mostrou a sua acção a fazer experiências (não se fazem experiências senão para descobrir algo que não é conhecido, ou seja, investigar) e a divulgar as boas práticas entre os agricultores da região, verdadeiras acções daquilo que hoje tem, no mundo, o nome de "extensão rural".

 

Natividade terminou uma conferência que fez em Lisboa em 1942 com uma frase que ficou célebre: "Esses primeiros monges eram agrónomos. E eu, que tão bem conheço as agruras da profissão, ainda hoje não sei, se eles eram santos, por serem agrónomos, ou se eram agrónomos, por serem santos..." (Natividade 1942)

 

No início do século XX

 

O "Diário do Governo" de 22 de Novembro de 1901 publica uma Portaria assinada por Manuel Francisco de Vargas (penso que o Ministro das Obras Públicas, de que dependia a Direcção Geral de Agricultura), em que é ordenado que “nas Escolas Práticas de Agricultura, nas Estações Chimico-Agrícolas e nas de Fomento Agrícola, que pela Direcção Geral de Agricultura forem designadas, se proceda, com as mais adequadas castas de trigo, nacionais e estrangeiras, quer de Inverno quer de Primavera, a operações de mestiçamento artificial ou pollinização e de selecção, com o fim de se obter boas e productivas variedades d’este cereal, adaptadas, quanto possível, às condições dos solos e dos climas do país e às exigências dos consumidores e das indústrias de moagem e da panificação” e “Que nos referidos trabalhos e operações sejam rigorosamente observadas pelos directores dos mesmos estabelecimentos e pelos respectivos inspectores as instruções que, fazendo parte integrante desta portaria baixam assinadas pelo Conselheiro Director Geral de Agricultura”. Seguem-se, no “Diário do Governo”, as “Instruções para os trabalhos de pollinização e selecção dos trigos, a que se refere a portaria desta data”, assinadas pelo Director Geral, Alfredo Carlos Le Cocq.

 

Pode considerar-se notável este início dos trabalhos de melhoramento de trigo, tanto sob o ponto de vista da portaria como das “instruções”. Assim, na primeira logo se determina com precisão o método de “mestiçamento” e selecção, bem como os objectivos da produtividade quantitativa e também qualitativa, esta visando directamente a qualidade para panificação.

 

As “instruções” são um modelo de protocolo de trabalho de investigação – que bem pode ser aproveitado como exemplo ainda hoje! – pois, além de completíssimas, cobrindo toda a marcha do trabalho, descem aos mais pequenos pormenores de importância para o objectivo a atingir. Nelas se citam Hackel, Rimpau, Vilmorin, etc. (embora não se dê a referência dos trabalhos citados) mostrando que quem as escreveu (ignoro se seria o próprio Alfredo Le Cocq) estava razoavelmente familiarizado com a bibliografia. Repare-se que se estava em 1901, isto é, um ano, apenas, após a redescoberta das Leis de Mendel e quando a Genética ainda não se generalizara como ciência básica do Melhoramento e que, tanto quanto sei, apenas seria divulgada em Portugal em 1904 (Sousa 1904). Isso não impediu, porém, que nessas instruções se indicasse, com bastante aproximação, algo parecido com o que hoje consideramos uma selecção genealógica.

 

A ordem dada na portaria de Novembro de 1901 começou a ter execução pelo menos em dois locais diferentes: na Estação Agronómica de Lisboa, em Belém, e na Escola Nacional de Agricultura de Coimbra.

 

Os trabalhos efectuados na Escola Nacional de Agricultura de Coimbra parece não terem passado dum começo, sem qualquer continuidade. O problema foi entregue ao quintanista de Agronomia João da Silva Fialho, que o realizou sob a orientação do Professor José António Ochôa, chefe da secção de culturas arvenses e hortícolas da referida Escola. O trabalho, iniciado nos primeiros meses de 1902, serviu de tirocínio prático e constituiu uma parte da dissertação inaugural apresentada em Dezembro desse ano. Foram seguidas as “instruções” anexas à portaria de 1901 e foram usadas 18 variedades de trigo remetidas pela Direcção Geral de Agricultura à Escola. Doze dos trigos eram de proveniência estrangeira; seis eram nacionais.

 

Fialho semeou 52 canteiros e efectuou 13 cruzamentos, usando nuns casos o método de Shireff e noutros o de Vilmorin. As percentagens de vingamento, por espiga, foram bastante variáveis, indo de 0% a 100%. Na dissertação, de que existe, pelo menos, um exemplar na Biblioteca do Instituto Superior de Agronomia, encontram-se pormenores das variedades cruzadas e dos resultados.

 

Na dissertação inaugural do curso de Engenheiro Agrónomo de Armando Cortesão (Cortesão 1913) refere-se o trabalho de Fialho dizendo que foram feitos cruzamentos e obtidos grãos híbridos, afirmando-se: “mas daí por diante nada mais diz o relatório de Silva Fialho (1)”. E, em nota de fim de página, acrescenta-se: “(1) Por informações colhidas na Escola, soubemos que, devido a uma mudança de secção, no ano seguinte tudo foi abandonado e se perdeu... Sem comentários”.

 

(Se os males alheios e antigos pudessem servir de alguma consolação eu encontraria neles, a mais de cem anos de distancia, um verdadeiro bálsamo. Infelizmente, não considero esses males alheios e antigos senão como indicativos da triste sina desta pobre terra).

 

Os trabalhos realizados na Estação Agronómica de Lisboa (anterior à Estação Agronómica Nacional), iniciados também em princípios de 1902, tiveram maior amplitude e continuidade. Encontram-se relatados no “Boletim da Direcção Geral de Agricultura”, 9º ano, nº 3, (1903-1909).

 

Durante cinco anos (de 1902 a 1906), a partir de trigos nacionais e estrangeiros, tanto rijos como moles, foram efectuados numerosos cruzamentos, na descendência dos quais se efectuou selecção. Vários híbridos foram considerados de certo interesse, mas apenas um, resultado dum cruzamento de Anafil x Galego barbado e denominado Híbrido de Belém, obteve alguma expansão.

 

É curioso que, sendo o Anafil um trigo duro e o Galego barbado um trigo mole, o Híbrido de Belém terá de ter sido proveniente dum pentaplóide. Pelo desenho das espigas deste híbrido que se encontra no referido “Boletim da Direcção Geral de Agricultura”, verifica-se que tem todo o aspecto de trigo mole e deveria ter, portanto, 42 cromossomas. Não me foi possível encontrar dados satisfatórios quanto ás zonas onde ele se tenha expandido nem quanto à área da cultura.

 

Muito pouco tempo após a redescoberta das Leis de Mendel, o agrónomo J. V. Gonçalves de Sousa publicou na “Revista Agronómica” (Sousa 1904) um artigo intitulado “As leis da hibridação segundo Mendel e De Vries”. Nele se referem os trabalhos de De Vries, Correns e Tschermak (este escrito Tschermark) que "exhumaram das Memórias da Academia de Brun, na Morávia, onde estava enterrado e despercebido havia 35 anos, um estudo sobre híbridos feito pelo abade Mendel” e se descrevem com bastante pormenor as experiências de Mendel. Foi esse artigo, embora sem conter qualquer trabalho experimental, o primeiro duma grande série que o sector agronómico viria a produzir no campo da Genética em Portugal. É também este o primeiro trabalho português que conheço referindo e descrevendo as experiências de Mendel.

 

Em 1907 foi publicada a primeira edição do livro “Cultura do Trigo”, de João da Silva Fialho, que teve a sua segunda edição em 1917 (Fialho 1917) e que se manteve como a nossa melhor obra sobre o assunto durante algumas décadas. Nada refere, no texto, quanto a Melhoramento, o que se compreende, dada a índole do livro. As experiências pessoais de João Fialho, no seu Tirocínio, em Coimbra, não tiveram, como vimos, qualquer continuação e os trabalhos de Belém estavam ainda em curso. Mas o livro contém um magnífico Prefácio, assinado por D. Luís de Castro que, para o caso presente, merece referência mais pormenorizada.

 

Começa logo D. Luís de Castro por se queixar do facto de as “imposições do meio”, o “obstáculo que se levanta constantemente em Portugal, ante a marcha dum progresso”, “essa resistência, tosca ou refinada, singela ou complicada, franca ou insidiosa, activa ou passiva – e esta é de todas a pior, vinda do Estado ou de particular, inutiliza ou pelo menos imobiliza todo o movimento para a frente dos novos, em anos ou em animo”. E por isso considera que aquele livrinho é apenas um “excelente resumo dum tratado sobre a cultura do trigo” que o seu “ilustre colega João da Silva Fialho” “podia, sabia e devia dar-nos”. E não nos dá esse verdadeiro tratado porquê? “O nosso público não pede e não quer mais do que esta lição sucinta, ainda que perfeita no seu género. O Estado não subsidia, não auxilia, não publica nem isto quanto mais aquilo”.

 

E mais adiante:

 

“Com este livro presta um serviço. É indubitável. Mas com o outro, de que o Estado o deveria ter encarregado há muito, logo que se evidenciou a tendência notável do autor para essa especialização agronómica, essa que levaria anos a apontar, a metodizar, a arrancar da terra e dos laboratórios, a tornar profunda e eficazmente português, esse poderia transformar a cultura cerealífera em Portugal pela ciência. É extraordinário, é fantástico o susto, o pavor ou a piedade que inspira entre nós esta palavra aplicada à agricultura!”

 

Estávamos em 1907. Como se vê, o problema não é de hoje...

 

D. Luís de Castro faz depois uma descrição da Estação de Melhoramento de Svalöff, na Suécia, com pormenorizada história da sua criação e desenvolvimento, justificando-a do seguinte modo:

 

“Provavelmente a maioria das pessoas que honraram este prefácio com a sua leitura ignora a instituição de Svalöff. Pois vou descrever-lha pois não há exemplo e ensinamento mais proveitoso do que pode a Ciência agronómica no progresso do ofício agrícola”.

 

Depois da descrição do trabalho de Svalöff acrescenta:

 

“Bem sei que na Estação Agronómica, de Belém, se trabalha há alguns anos, por ordem oficial, na classificação e hibridação de trigo, mas esse estudo é tão restrito em face da grandeza do problema, tão isolado de outros estudos superiormente pesados e metodizados, tão misteriosamente feitos por imposições do Estado, que não dá nem licença nem meios pecuniários para se publicar e espalhar a boa palavra porventura colhida, que este facto em nada molesta as minhas afirmações muito mais lamentosas do que indignadas”.

 

(continua)

 

Miguel Mota

Estação Agronómica Nacional, Oeiras e Universidade de Évora

 

INVESTIGAÇÃO AGRONÓMICA EM PORTUGAL – 1

 

ALGUNS TRABALHOS

 

INTRODUÇÃO

 

Não me sendo possível deixar de corresponder ao amável e muito honroso convite dos meus colegas Ricardo Serralheiro e Fernando Capela e Silva para escrever sobre a investigação agronómica em Portugal, sinto a enorme responsabilidade duma tal tarefa que, para ser exaustiva, exigiria meses ou anos de consultas. Consciente da certeza de produzir algo que fique longe do que seria desejado, tentarei, baseado numa longa vida de várias décadas envolvido nesse tipo de trabalho, indicar apenas "Alguns trabalhos de Investigação Agronómica em Portugal" em que procurarei listar alguns casos dessa enorme tarefa que, no seu sentido mais lato, tem por objectivo último fazer melhor agricultura. Apenas posso garantir que se trata duma pequena parcela dum muito maior universo, envolvendo muitos investigadores, nos múltiplos sectores da Investigação Agronómica.

 

*

Como todas as outras, a investigação agronómica é a fonte da agora tão apregoada "inovação", uma palavra que os nossos políticos começaram a usar quando "lá fora" se começou a falar, em inglês, em "innovation". Se na indústria ou na saúde é importante o país ter investigação científica, na agricultura ela é absolutamente necessária. É possível construir em Portugal automóveis, televisões ou telemóveis com tecnologia estrangeira. Mas, pelas diferenças específicas da combinação solo e clima, a agricultura exige experiência local e a importação directa da técnica estrangeira pode dar casos de verdadeiro desastre, como logo após o 25 de Abril aconteceu.

 

O facto de qualquer melhoria, mesmo pequena, ser aplicada a uma vasta área, causa na produção aumentos de tal montante que até o orçamento do estado colhe, nos impostos sobre esses aumentos, bem mais do que ali investiu. Enquanto a melhoria for aplicável, o aumento de rendimento líquido, para o agricultor e os impostos sobre esse aumento, para o estado, continuam a verificar-se, muito depois do gasto inicial. É esse o caso do único exemplo de que tenho conhecimento haver dados quantitativos dos resultados da investigação agronómica. Uma doença das vinhas do Douro chamada "maromba", que causava nas videiras muito pouco desenvolvimento e produções baixas, foi estudada na Estação Agronómica Nacional, então ainda em Sacavém. Eliminadas as possibilidades de um agente patogénico (fungo, bactéria ou vírus), foram investigadas as deficiências minerais e descobriu-se que a causa era uma deficiência de boro, um dos elementos químicos de que as plantas necessitam em quantidades muito pequenas mas que, quando faltam, causam perdas elevadas. Definida a terapêutica a aplicar, as videiras passaram a ter o seu desenvolvimento normal e aumentou a sua produção de uva. Como a Casa do Douro tem as vinhas e as suas produções todas catalogadas, contou-me o seu Presidente de então, o Eng.º Agrónomo Orlando Gonçalves, creio que na década de 1950, que a melhoria representava, para a viticultura do vinho do Porto, mais 28.000 a 30.000 contos por ano. E, note-se, o Douro continua hoje a beneficiar do resultado dessa investigação.

 

 

 

Um outro caso de grande projecção económica foi a criação da magnífica uva D. Maria, trabalho do Eng.º Agrónomo José Leão Ferreira de Almeida, na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras. Essa uva de mesa, branca, de bagos muito grandes, foi obtida na descendência dum cruzamento da Rosaki com a Moscatel de Alexandria, que lhe confere um leve aroma do moscatel. Baptizou essa variedade com o nome de sua mãe. Há anos teve uma boa expansão a sua cultura e aparecia em grande quantidade nos mercados. Depois dum período em que quase desapareceu, voltou agora, mas ainda em quantidade não muito grande. Entretanto, os nossos mercados estão cheios de uvas de muito menor qualidade, grande parte delas importadas, o que é uma prova de que a nossa agricultura não tem sabido aproveitar todas as suas potencialidades, pois para a uva de mesa não há razão para importações, excepto nos períodos do ano em que as não podemos produzir.

 

Alguns tentaram denegrir a uva D. Maria declarando que um dos seus defeitos é os bagos soltarem-se com certa facilidade, o que é inconveniente para a venda a granel. Mas esse defeito remedeia-se vendendo-a em embalagens de plástico, como é hoje corrente. Também a acusam de susceptibilidade ao oídio, mas não é mais que muitas outras e o oídio não é muito difícil de combater. E as suas altas qualidades sápidas suplantam quaisquer desses defeitos.

 

Infelizmente, embora já o tivesse tentado anteriormente, não me foi possível saber qual a área cultivada com a uva D. Maria ao longo dos anos nem o que ela vale mais, por hectare, em relação às variedades que substituiu. Mas não me admira que esse valor seja, anualmente, superior ao pouco que o estado investe na Estação Agronómica.

 

Resta-me acrescentar que foi parado e destruído o trabalho que estava em marcha para a produção de mais outras variedades.

 

Continuando a referir alguns exemplos que demonstram o que a investigação agronómica pode fazer para transformar a agricultura e a nossa economia, lembro que um dos casos em que é mais fácil contabilizar os resultados económicos é o melhoramento de plantas. É fácil de contabilizar porque o problema se limita, geralmente, a substituir uma variedade por outra da mesma espécie e, portanto, basta comparar os lucros obtidos com a variedade nova com os da que ela foi substituir, por ser mais produtiva ou ter características que a tornem mais valiosa.

 

Em 1952, quando me encontrava a trabalhar na EMP, em Elvas, chefiando o Laboratório de Citogenética, propus, num Colóquio e num documento enviado ao Director, a criação dum pequeno Gabinete de Estudos Económicos (Mota 2000) cuja função seria medir, ano a ano, o que a agricultura e, consequentemente, a economia de Portugal, estavam a ganhar com as variedades de cereais e forragens lançadas pela Estação. Infelizmente, essa proposta não foi aceite e temos de nos contentar apenas com estimativas.

 

Em 1967, na celebração dos 25 anos da Estação de Melhoramento de Plantas, o então Secretário de Estado da Agricultura, falando do que a lavoura tinha recebido a mais com a cultura das variedades criadas na Estação, apresentou um valor estimado de cerca de um milhão de contos. Citando de memória, tenho ideia de ele ter referido que o total de gastos durante esse período teria sido de 25.000 contos, mas não tenho a certeza. De qualquer forma, a desproporção entre os dois valores é enorme e representa um investimento a render juros que os nossos economistas não sabem que existem, mas são reais.

 

Para quem deseje aprofundar o tema da investigação agronómica em Portugal posso sugerir a consulta de algumas Bibliografias parciais, de temas específicos, e diversas revistas científicas, a começar pela "Revista Agronómica", órgão da Sociedade de Ciências Agronómicas de Portugal, fundada em 1903 (hoje com o nome de "Revista de Ciências Agrárias"), os "Anais do Instituto Superior de Agronomia", iniciados em 1920, a "Agronomia Lusitana", a “Melhoramento” e algumas outras. Também constituem excelentes repositórios de trabalhos de investigação as Publicações da Direcção Geral dos Serviços Florestais. Particularmente importante é o volume editado pela Estação Agronómica Nacional em 1986, quando da celebração dos seus 50 anos (e já a sofrer extrema penúria), onde estão listados todos os trabalhos até essa data publicados (Borges et al 1986) e, em 2011, o volume "Agrorrural. Contributos científicos", editado na comemoração dos 75 anos da Estação Agronómica Nacional (Coelho & Reis 2011), que também contém valiosa informação.

 

Não posso deixar de referir uma obra monumental, "Le Portugal au point de vue agricole", editada em 1900, para a Exposição Internacional de Paris, coordenada por dois dos mais ilustres professores do Instituto Superior de Agronomia, Bernardino Camilo Cincinato da Costa e D. Luís de Castro. Com muito bons colaboradores, apresenta uma excelente visão da agricultura portuguesa da época. Creio que nunca mais se fez em Portugal uma obra semelhante.

 

Para uma listagem de toda a investigação agronómica portuguesa, lamento que Portugal não possua uma "Bibliografia Agrícola Portuguesa", à semelhança da "Bibliography of Agriculture" do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos. Porque, há muito, sinto essa falta, propus em 1949 à Repartição de Estudos, Informação e Propaganda, da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, a sua elaboração. Como nada sucedeu, publiquei esse "Anteprojecto duma Bibliografia Agrícola Portuguesa" no "Agros" (Mota 1950).

 

Para que se transfiram, o mais cedo possível, para a utilização pela lavoura, os resultados de aplicação prática que a investigação considere concluídos, é necessário que o Ministério da Agricultura possua um outro serviço que hoje, no mundo, se chama "extensão agrícola" ou "extensão rural", do nome com que esse serviço foi criado nos Estados Unidos em 1914.

 

Trata-se dum serviço independente do de investigação (as características, metodologias e exigências são diferentes) mas que com ela deve ter boa articulação. Em tempos tive ocasião de presidir à organização do I e do "II Simpósio Nacional sobre a Articulação entre a Investigação e a Extensão na Agricultura", o primeiro na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, em 1997 e o segundo na Universidade de Évora, em 1998.

 

(continua)

 

 

Miguel Mota

Estação Agronómica Nacional, Oeiras e Universidade de Évora

 

 

 

 

O MILHO

 

Mais uma prova das grandes potencialidades da agricultura portuguesa é a recente notícia sobre o grande aumento da produção de milho na zona do Alqueva.

 

Há várias décadas, um dos artigos que publiquei com o ante título “Tesouros ocultos” referia-se ao milho, quando era muito escassa a utilização dos milhos híbridos, que apenas ocupava 1% da área com essa cultura. A produção unitária de milho nessa pequena parte da área total era muito mais alta que na restante, tornando a cultura mais económica.

 

Embora eu esteja hoje bastante longe desses problemas e talvez seja desnecessário o que vou dizer, permitam-me algumas considerações sobre a cultura do milho. Há muitos anos ouvi um dito que penso merecer atenção. Dizia que a melhor economia em  relação ao milho era vendê-lo em sacos de couro. Queriam dizer que, em vez de esperar pela maturação do grão, era melhor colhe-lo no óptimo do seu valor nutricional e armazena-lo em silos, para alimento de animais, nomeadamente bovinos, que muito apreciam esse tipo de silagem.

 

É necessário não esquecer que as altas produções agora obtidas – chegam às 20 t/ha – exigem elevados níveis de fertilização do solo, em que é importantíssima a matéria orgânica. Aliás, como se sabe, uma exploração agrícola equilibrada deve ter, além da produção vegetal, uma boa produção pecuária. Portanto, uma rotação, em que o milho alterne com pastagens ou forragens para corte, em que entrem leguminosas, permite alimentar os animais e manter ou melhorar o nível de fertilidade do solo.

 

Os estrumes produzidos abundantemente por bovinos leiteiros ou para carne devem ser utilizados na produção de biogás (que em nada reduz o seu valor fertilizante), uma forma de energia que Portugal tem soberanamente ignorado, que bem poderia poupar importações e para a qual já várias vezes chamei a atenção.

 

Casos pontuais, como este e variados outros, mostram bem o que poderia ser a agricultura portuguesa e a muito maior diferença que causaria nas nossas pobres economia e finanças.

 

 Miguel Mota

 

Publicado no Público de 6 de Agosto de 2013

 

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