Por vezes (quase sempre), os média funcionam como o recreio do liceu: há a elite dos giros e o sub mundo dos totós. E estes totós são sempre gozados, digam o que disserem. No nosso liceu colectivo, já tivemos vários totós: Ferreira Leite, Medina Carreira (a "velhinha" e o "louco" que falavam, imaginem só, do perigo do endividamento), e Álvaro Santos Pereira. Os média tomaram de ponta o ministro da economia e criaram à sua volta uma aura de gozo permanente. Não interessa analisar aquilo que ele diz; como é ele que o diz, aquilo só pode ser gozável.
O caso dos pastéis de nata ilustra bem este ponto. Num discurso qualquer, Santos Pereira disse que Portugal precisava de ter orgulho nas suas coisas, disse que os portugueses deviam fazer um esforço para exportar aquilo que têm de bom, e deu o singelo pastel como exemplo. O ministro foi gozado por meio mundo, foi alvo de uma chacota que teve tanto de preguiça como de provincianismo. Sim, foi a típica chacota provinciana dos moderninhos.
Para começo de conversa, o pastel de nata já é um sucesso asiático. Poucos dias depois do início da risada, a nação descobriu que um sujeito qualquer já tinha transformado o pastel de nata numa espécie de donut adaptado ao paladar chinês. Afinal, quem é o totó? O ministro ou os gozadores-do-ministro? E, agora, parece que uma empresa portuguesa - NATA Lisboa - vai iniciar a internacionalização do pastel de nata. Em apenas seis meses, esta empresa abriu quatro lojas em Portugal e já prepara o salto. Parece que vamos mesmo exportar pastéis de nata aos pontapés. Afinal, quem é o totó?
Vou rezar para que a NATA Lisboa se transforme no Nando's da pastelaria. Quem é o Nando? É o português (de Moçambique, claro) que colocou o nosso frango assado a concorrer com os gigantes da comida rápida. Outro totó, claro. Nós, os gozadores sub-queirosianos de 'Lesboa', é que somos muito engraçados e inteligentes. Sobretudo muito inteligentes. E modernos, claro.
É sempre cómica a forma como o jornalismo português transforma um fascista vermelho num grande democrata. Ontem, uma jornalista até disse que "Cunhal sempre lutou por um partido livre e transparente". Um sujeito ouve isto e fica a pensar "mas ainda há células do PCP nas redacções?". Meus amigos, Cunhal lutou toda a sua vida contra a democracia. Cunhal tinha uma concepção totalitária da política: só compreendia a linguagem da força, só aceitava um regime de partido único (o dele) e toda a sociedade, dos romances aos tampos das sanitas, tinha de obedecer a um plano central (o de Moscovo). Por outras palavras, Cunhal era fascista.
Antes de 1974, Cunhal fez a vida negra às oposições democráticas, porque o PCP não queria uma transição para a democracia. É ler Norton de Matos, Eduardo Lourenço, Sophia, Sousa Tavares, Alçada Baptista, Bénard, Cunha Leal. Todas estas figuras contestaram, ao mesmo tempo, Salazar e Cunhal. Nos anos 50, Cunha Leal e Norton de Matos afirmaram que Cunhal era pior do que Salazar. No final dos anos 60, Eduardo Lourenço declarou que a oposição democrática não podia dançar o tango com a oposição autoritária (o PCP), porque Cunhal era uma fotocópia de Salazar. Moral da história? Durante o Estado Novo, o grande alvo do PCP não foi Salazar, mas a restante oposição. Daí nasceu esta guerra civil entre as esquerdas (tornada explícita em 1975) e a ditadura intelectual do PCP junto dos meios jornalísticos e intelectuais. Algo que ainda perdura em reportagens que cantam loas a Cunhal em 2012.
Depois do 25 de Abril, Cunhal continuou a lutar contra a democracia. Em actos e palavras, Cunhal foi claro: Portugal não podia caminhar no sentido democrático. É por isso que o líder do PCP sempre desprezou os actos eleitorais. Cunhal passava a vida a dizer que a sua "maioria política" era mais importante do que as "maiorias aritméticas" das urnas. Ou seja, a violência da rua e dos militares do PCP eram mais importantes do que o respeito pelos processos democráticos. Em 2012, os jornais e TV estão cheias de pessoas a dizer que "ora, ora, com tanta manif na rua, o governo perdeu a legitimidade e deve cair". O fascismo de Cunhal continua vivinho da silva.
É uma comédia que se acumula no dia-a-dia. Um sujeito vai ao café ler o jornal e o café está inundado de crianças que não respeitam nada, nem os pardalitos e os pombos, e os pais "ai, desculpe, ele é hiperactivo", que é como quem diz "repare, ele não é mal-educado, ou seja, eu não falhei e não estou a falhar como pai neste preciso momento porque devia levantar o rabo da cadeira para o meter na ordem, mas a questão é que isto é uma questão médica, técnica, sabe?, uma questão que está acima da minha vontade e da vontade do meu menino, olhe, repare como ele aperta o pescoço àquele pombinho, é mais forte do que ele, está a ver?".
E o pior é que a comédia já chegou aos jornais. Parece que entre 2007 e 2011 disparou o consumo de medicamentos para a hiperactividade. Parece que os médicos estão preocupados e os pais apreensivos com o efeito dos remédios na personalidade dos filhos. Quem diria?
Como é óbvio, existem crianças realmente hiperactivas (que o Altíssimo dê amor e paciência aos pais), mas não me venham com histórias: este aumento maciço de crianças hiperactivas não resulta de uma epidemia repentina da doença mas da ausência de regras, da incapacidade que milhares e milhares de pais revelam na hora de impor uma educação moral aos filhos.
Aliás, isto é o reflexo da sociedade que criámos. Se um pai der uma palmada na mão de um filho num sítio público (digamos, durante uma birra num café ou supermercado), as pessoas à volta olham para o dito pai como se ele fosse um leproso. Neste ambiente, é mais fácil dar umas gotinhas de medicamento do que dar uma palmada, do que fazer cara feia, do que ralhar a sério, do que pôr de castigo. Não se faz nada disto, não se diz não a uma criança, porque, ora essa, é feio, é do antigamente, é inconstitucional.
Vivendo neste aquário de rosas e pozinhos da Sininho, as crianças acabam por se transformar em estafermos insuportáveis, em Peter Pan amorais sem respeito por ninguém. Levantam a mão aos avós, mas os pais ficam sentados. E, depois, os pais que recusam educá-los querem que umas gotinhas resolvam a ausência de uma educação moral. Sim, moral. Eu sei que a palavra moral deixa logo os pedagogos pós-moderninhos de mãos no ar, ai, ai, que não podemos confrontar as crianças com o mal, mas fiquem lá com as gotinhas que eu fico com o mal.
Regressando do médico, entrámos num daqueles restaurantes populares que abastecem Lisboa à hora de almoço. Como o jogo de futsal já estava na TV, só tivemos de pedir jaquinzinhos e vinho. Entretanto, as mesas do restaurante ficaram repletas de povo. Deve ter sido por isso que um piquete de greve resolveu entrar pelo restaurante adentro aos berros, gesticulando e com cara de mau. Sabem qual é o efeito de um megafone dentro de quatro paredes? Não é bonito, é como ter os No Name Boys a fazer uma serenata mesmo junto aos tímpanos. Não, não foi bonito assistir à agressividade daquele piquete de greve. Cinco ou seis raparigas (entre os 20 e o 30) com os olhos embaciados pelo ódio do PCP começaram a insultar os empregados e clientes do restaurante. Naqueles dois minutos, a vanguarda do "Povo" nunca escondeu o ódio por aqueles que não tinham aderido à greve, nunca escondeu a raiva contra aqueles que não estavam nem aí para a sua jornada de luta. Ou seja, as meninas fizeram questão de mostrar o desrespeito que sentem pelas pessoas que pensam de outra forma. Na TV e nos jornais, os grevistas falam muito do "Povo", mas aquele piquete em concreto só conseguiu trocar palavras azedas com um povo em concreto, e a sua má-educação e arrogância acabaram escorraçadas por pessoas concretas. O concreto é lixado